Artur Portela Filho

Morreu ontem, vítima de covid. Tinha 83 anos.

Não perdíamos uma crónica do Artur Portela Filho no jornal República, nos idos de 1972 e 73. O seu estilo sincopado era inconfundível. Dizia-se grande admirador de Eça de Queiroz e até ressuscitou o conde de Abranhos, como comentador da actualidade política.

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Portela Filho publicou algumas das suas crónicas em livro: A Funda (3 volumes, publicados pela Moraes Editora, em 1972 e 1973).

Quem as lê agora, não percebe o que era lê-las e sentir que Artur Portela afrontava o fascismo com inteligência.

Um exemplo, uma fundábula, do 1º volume de A Funda:

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Quando o Senhor Bispo surgiu, em ouro, da sombra da igreja, toda a praça estava de rojos.

Era sempre assim, quando o Senhor Duque Velho, pio e frio, ia e vinha, e passava.

Todos deitados, todos de borco, todos respirando curto, e tenso, e quente, e aflito, no terreiro, o bafo.

E o Senhor Bispo, alongando o olhar sobre a praça, que arquejava o espanto, o medo, a raiva, ergueu a voz:

– Morto é! Morto é o Senhor Duque Velho!

Os homens olharam-se, uns aos outros, nos túneis dos seus troncos arqueados, e repetiram, uns aos outros, rente í  terra, que morto era, que morto era o Senhor Duque Velho!

– Levantai-vos, homens! Levantai-vos, porque vivo está, e fica, o seu filho, o Senhor Duque Novo!

– É novo o Barão. É novo o dia! Levantai-vos, homens!

E o mais audaz levantou, pouco, depois mais, a cabeça, e viu, em ouro, o Senhor Bispo, e, em negro, o Senhor Duque Novo.

E outro ousou.

E outro.

E todos. ““ Levantai-vos, homens. Levantai-vos!

O Senhor Duque Novo e o Senhor Bispo entraram na multidão, que olhava, nos olhos, finalmente, o seu Duque. O Novo.

O mais audaz dos homens riu.

E todos riram.

E todos aclamaram o Duque Novo, que já não os queria de rojo, de borco, respirando, curto e tenso, e quente, e aflito, no terreiro, o bafo.

Foi um parvo, que, assomando a uma fresta, perguntou, a outro parvo:

– Por que é que os homens estão todos ajoelhados?

Ninguém já escreve assim, hoje em dia.

E é pena…

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