8.10.07 – Buenos Aires é uma cidade gigantesca. São cerca de 3 milhões de habitantes (13 milhões, se contarmos com os arredores) e um trânsito alucinante. A qualquer hora do dia (e suponho que da noite, também), as avenidas estão cheias de carros.
A Avenida 9 de Julho, por exemplo, é considerada a avenida mais larga do mundo; tem 18 faixas de rodagem, em alguns pontos, chega í s 20 faixas e está sempre a abarrotar de carros. Mais ou menos a meio, na intersecção com a Corrientes, fica o Obelisco, com 67 metros de altura, que se vê de vários pontos do centro da cidade; foi erigido em 1936 e celebra a fundação da cidade e o ano de 1880, em que Buenos Aires se tornou capital federal da Argentina.
Passámos, depois, pela Casa Rosada, que é o palácio presidencial. O actual presidente, Kirshner, não vive lá, mas sim nos arredores da cidade, em Olivos, e vem para o trabalho, todos os dias, de helicóptero. A Casa Rosada é famosa pelo facto de Evita Perón arengar í s massas, a partir de uma varanda, divulgada por Madonna – e está pintada de cor-de-rosa, simbolizando a união dos dois partidos rivais, os colorados e os blancos que, fundidos, deram o cor-de-rosa.
A Casa Rosada está situada na Plaza de Mayo, conhecida pelo facto das mães e avós dos desaparecidos durante a ditadura de Videla, se reunirem ali, diariamente, protestando pelo facto de muitos deles continuarem sem ser encontrados. Para nós, este local, cheio de simbolismos para o povo argentino, pouco nos diz: a Casa Rosada, sob o ponto de vista arquitectónico, não é nada de especial e a Plaza é, também, banal, não fossem as palmeiras gigantescas (a Plaza de Armas de Cusco, no Peru, por exemplo, é muito mais bonita).
A paragem seguinte foi muito mais interessante. Fomos ao Barrio Boca, visitar as casas de chapa ondulada, pintadas de cores garridas. Cada uma destas casas tem dois andares e um pátio interior; lá dentro, várias famílias partilham o pátio, a cozinha e as instalações sanitárias. Este bairro do sudoeste da cidade, foi fundado por emigrantes italianos no final do século 19 e princípio do século 20 e as cores garridas das casas provém do costume genovês de pintar as casas com os restos das tintas usadas para pintar os barcos.
Hoje em dia, muitas destas casas estão transformadas em gift shops, mas ainda existem muitas das verdadeiras, embora em muito mau estado.
No coração de La Boca, fica o estádio do Boca Juniors, clube de futebol onde se estreou Maradona. O estádio está mesmo enfiado no meio dos casebres do bairro. Clube de futebol mais popular não deve haver.
Passeámos um pouco por algumas ruas de Boca, nomeadamente pela mais famosa, a Caminito, citada em muitos tangos e que tem a maior concentração de casas de chapa ondulada, sendo constantemente assediados por casais sugerindo-nos uma foto a fingir que dançamos o tango.
A visita continuou com uma passagem rápida por Puerto Madero e terminou junto ao cemitério de Recoleta, passando pelos jardins de Palermo, os dois bairros mais ricos, do norte da cidade.
Vieram buscar-nos í s 20h 30 e levaram-nos í Esquina de Carlos Gardel. Ficámos numa mesa do primeiro andar, com mais dois casais venezuelanos, dois casais espanhóis e um australiano de cabeça rapada, sessentão que, rapidamente, meteu conversa connosco e, cinco minutos depois, já nos estava a contar uma história digna de Paul Auster. Era oftalmologista e, após mais de 30 anos de um casamento feliz, a mulher tinha morrido em 6 meses, vítima de um melanoma. Durante 2 anos e meio, chorou todos os dias e, certa noite, pensou até em suicidar-se, ao volante do carro. Não queria saber da profissão, não queria saber das duas filhas, só queria morrer. Depois, terá sido convidado por doentes dele (acho que algo ficou “lost in translation”) para ir í China, a Xangai. E lá, sentiu que tinha que mudar. Quando regressou, rapou a cabeça e decidiu viver outra vez. Entretanto, foi fazer um scan cardíaco de rotina e descobriu que tinha uma coronária entupida. Injustiça! Não fumava, não tinha história familiar, fazia exercício físico. Foi fazer um cateterismo e a coisa correu mal: ficou com as femurais todas lixadas e até pensou que nunca mais poderia viajar. Mas recuperou bem. E conheceu uma mulher, duas vezes divorciada e as coisas começaram a correr bem e planeou esta viagem pela América do Sul (Equador, Galápagos, Peru, Argentina e Brasil). No entanto, três dias antes de partir, a sua nova companheira fez uma observação qualquer sobre as filhas dele e ele não gostou nada do que ouviu. Discutiram. Ele partiu sozinho! Estava a pagar quartos duplos e tudo a dobrar, mas não admitia que ela fizesse reparos í s filhas dele!
São este tipo de personagens que povoam os romances de Auster e este australiano, ao saber que também éramos médicos, sentiu a empatia suficiente para partilhar tudo isto connosco, ali, em cinco minutos, enquanto jantávamos na Esquina de Carlos Gardel, aguardando o show de tango.
O restaurante faz lembrar o nosso Politeama, depois das adaptações do La Féria. Na plateia e no 1º balcão, as mesas estão preparadas para um jantar rápido e servido em estilo “linha de montagem”: entrada de empanada de carne (boa), parto principal (duas tiras de carne de porco que pareciam sola de sapato) e sobremesa (o famoso e nacional dulce de leche).
Servido o jantar, chegou a hora do show, que durou cerca de uma hora. Quatro ou cinco pares, dançaram diverso tipos de tangos, acompanhados por uma orquestra de sete elementos. Pode ser que seja um espectáculo para turista ver, e talvez os bailarinos abusem dos malabarismos, de tal modo que o australiano dizia “it’s easy to do tango – just a lot of kicking!”. Pode ser isso tudo, mas o espectáculo foi agradável e o turista médio (nós) está mesmo í espera destas coisas. Obviamente que não estaria í espera de ver actuar discípulos de Piazola ou o Gotan Project.
Quando acabou o espectáculo, í meia-noite, chovia.
Regressámos ao hotel, verificando que ainda havia muita gente nas ruas e nos cafés.
que inveja…
:-)