Sempre que está um dia quente como o de hoje, recordo-me deste conto, do Mário Henrique Leiria, que conta o seguinte:
Medicina tropical
O calor era alucinante. A chuva caía pesada, num jogo de massacre.
Sentiu que tinha uma tremenda dor de cabeça. Dirigiu-se ao posto clínico.
– Isso é coisa sem importância – disse o médico. – Tome estes comprimidos – deu-lhe três.
Tomou.
O calor continuava, sólido e exacto. A chuva também, persistente.
A dor de cabeça estava aumentar. Voltou ao posto clínico.
– Vamos já tratar disso – afirmou o médico. – Ora vire-se para lá.
Virou-se.
O médico proporcionou-lhe quatro supositórios.
O calor ainda; e a chuva. Sempre.
A dor de cabeça a estoirá-lo. retornou ao posto clínico.
– Vai ver que fica bom – explicou o médico. – Ora abra a boca.
Abriu.
O médico extraiu-lhe imediatamente dois molares e um canino.
O calor estava realmente alucinante. A chuva era espaço líquido.
A dor de cabeça a invadir-lhe o corpo todo. Foi ao posto clínico. Uma vez mais.
– Então como vai isso? – perguntou o médico.
Puxou o facão e espetou-o, preocupado e consciente, através do médico.
Resultou.
Este conto foi publicado no livro “Contos do Gin Tónico”, editado em 1973 pela Estampa, com capa da Velha, nome carinhoso que adoptámos para designar o Mário.
O Mário foi o chefe de redacção das 13 edições de O Coiso, em 1975.