Argentinices

14.10.07

* os passeadores de cães, em Buenos Aires, seguindo um costume nova-iorquino; vimos alguns a passear uma dúzia de cães, das raças mais díspares, e todos muito bem comportadinhos.

* muitos espanholitos em lua de mel; parece ser um bom destino para este fim – bom, bonito e barato, para quem paga em euros.

* muitos cães, em Calafate; aparentemente vadios, mas bem tratados; devem comer os restos dos inúmeros restaurantes da Avenida Libertador.

* sinais de trânsito criativos, que não vi em mais nenhuma parte do mundo. Por exemplo: proibido estacionar – um círculo vermelho contendo um grande “E”, com um traço diagonal, também vermelho, cruzando a letra.

* de repente, Calafate faz-me lembrar a ilha do Sal: um lugar inóspito, pedregoso e poeirento, com pouca vegetação rasteira e com muitas casas inacabadas, algumas em cimento ou tijolo.

* muitos engraxadores, em Buenos Aires; e com trabalho.

* pais e filhos a jogar playstation em lojas que também disponibilizam internet, fax e telefone.

* o mate é a bebida nacional. Bebem-no num recipiente próprio, que parece um almofariz. As folhas do mate são esmagadas nesse recipiente, junta-se água, quente ou fria, e bebe-se por uma espécie de palhinha. Há argentinos que andam, na rua, a beber o mate e com um termo debaixo do braço, para transportar a água quente!

* o doce nacional é dulce de leche, que não passa de leite condensado cosido, segundo informação da Mila. É muito doce, para o meu gosto.

* a carne é óptima, já o disse. O tal bife de chorizo é de comer e chorar por mais. Um bife inteiro é quase meio quilo de carne. Preço do quilo: 30 pesos (menos de 7,5 euros).

* os argentinos vão í s urnas no próximo dia 28, escolher o novo presidente, que deverá ser a Cristina Kirshner, mulher do actual presidente, Nestor Kirshner. A oposição diz que isto é um estratagema. Como o presidente não pode ter mais do que dois mandados consecutivos, o Nestor e a Cristina vão candidatar-se alternadamente; desse modo, o casal pode manter-se no Poder, pelo menos, nos próximos 20 anos.

* os chaços velhos que ainda andam pelas ruas, sobretudo Fiat. As ruas são verdadeiros museus vivos de Fiat 600, 124, 128, 127 e Uno, alguns literalmente presos por cordéis.

Perito Moreno

13.10.07 – Hoje foi o dia do Perito Moreno, o glaciar mais fotogénico dos mais de 300 que fazem parte do Parque Nacional.

Vieram buscar-nos í s 10h e seguimos em direcção ao Parque Nacional. Éramos cerca de 20, quase todos hablando espanhol, excepto nosotros, claro, e um casal de holandeses; de resto, mexicanos, venezuelanos, argentinos e espanhóis.

A guia chamava-se Laura e era muito simpática. Durante o percurso de cerca de hora e meia, foi-nos dando uma série de informações sobre Calafate e os glaciares.

calafate_calafate.jpgCalafate vem de calafetar. Os primeiros colonos, do tempo do Fernão de Magalhães – que, aqui, tomou o nome de Magajanes – quando aqui chegaram, precisavam de calafetar as naus e não tinham árvores de jeito que lhes fornecem a resina de que necessitavam. Socorreram-se, então, de um arbusto rasteiro, cheio de espinhos, que também produz uma espécie de resina. Chamaram-lhe Calafate. Este arbusto, que está por todo o lado, tem agora, na Primavera, uma pequena e singela flor amarela.

Esta pequena cidade, que é a que fica mais a sul, no continente americano – e, por isso se diz que fica no fim do mundo – cresceu muito, nos últimos anos. Desordenadamente, claro. A cidade quadruplicou de habitantes em 10 anos!

Os glaciares não são rios gelados – são massas de neve compactada. Todos os glaciares desta região, nascem a partir de um campo de gelo, situado nos Andes e que é um vale onde a neve se vai acumulando. Nesse lugar, neva cerca de 300 dias por ano. Quando a neve extravasa o tal vale, vai alimentar os diversos glaciares.

Perito Moreno nunca chegou a ver o glaciar com o seu nome. Moreno era um geólogo que foi nomeado pelo governo argentino como perito e seu representante, nas negociações fronteiriças com o Chile, arbitradas pelo rei inglês. Tudo isto se passou nos finais do século 19 e os argumentos do perito Moreno foram de tal modo convincentes, que a Argentina conseguiu vencer o conflito fronteiriço e ficar com a maior parte da zona dos glaciares.

Quando alguém descobriu este glaciar, decidiu dar-lhe o nome do perito Moreno que morreu dois anos depois disso, sem nunca ter visto o glaciar.

Perito Moreno é o glaciar mais conhecido do Parque porque é o mais acessível, sendo visível a partir da terra, em confortáveis passarelas e miradouros e também devido í s suas rupturas. É que este é um dos dois únicos glaciares que avançam sempre (o outro fica no Chile e é quase inacessível): cerca de 7 cm por dia, no inverno. Avança, até que é detido pela montanha, cortando o Lago Argentino, separando o braço Sul do braço Rico. As águas do lago, no entanto, vão fazendo pressão e escavando e, de quando em vez, produz-se uma ruptura no glaciar, abrindo-se um grande túnel de gelo, que acaba por desabar nas águas do lago. A última grande ruptura ocorreu em 2004 e, neste momento, o glaciar já está, novamente, encostado í  montanha, cortando o lago em dois.

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Para além destas rupturas, há sempre a fragmentação de pedaços de gelo, que caem, com fragor, nas águas do lago. Assistimos a duas ou três destas fragmentações. O gelo que se desprende é atirado em todas as direcções e já morreram algumas pessoas, atingidas por lascas de gelo, quando os pedaços do glaciar que se fragmentam são maiores.

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O Perito Moreno apresenta-se ao visitante, depois de uma curva na estrada. De repente, ali, í  nossa frente, aquela enorme massa de gelo, estendendo-se a perder de vista, reflectindo a luz do sol, com intensos tons de azul.

Primeiro, fomos vê-lo de barco. Navegámos durante cerca de uma hora e vimos a fachada norte do glaciar. É impressionante! As formas do gelo, as tonalidades de azul, as texturas, os reflexos, tudo é espantoso e único.

Depois, fomos almoçar. Comemos uma coisa chamada Locro Crioulo, um prato típico da Patagónia e que leva carne, chouriço, grão e feijão branco, embora com formas e nomes diferentes. Não é mau.

E fomos para as passarelas, para ver a fachada sul do glaciar.

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Caminhámos pelas passarelas cerca de uma hora e, í s 16h15, regressámos ao autocarro e voltámos a Calafate.

Como é possível um tipo ficar tempos infinitos a olhar para uma massa de gelo e encontrar sempre motivos de interesse: aquela forma estranha, aquela zona, que parece ter luz própria, o reflexo do sol naquela outra zona – como já disse, o glaciar parece ter vida própria e muda de aspecto, conforme o olhamos daqui ou dali.

Ver o Perito Moreno foi mais uma experiência única, como ver o rio Nilo, a selva Amazónica, a savana do Masai Mara, o rio Li, o Yosemite e o Yellowstone, o Bryce e o Grand Canyons, as Badlands, o Monument Valley, o vale dos Incas…

Voltámos a Calafate para jantar e, desta vez, fomos mesmo í  procura do bife de chorizo. Encontrámo-lo no Casimiro Biguá. Meio bife cada um. Bueno!

El Calafate e os glaciares

11.10.07 – Acordámos í s 3h30 e í s 4 horas estavam a apanhar-nos para nos levarem ao aeroporto de voos domésticos de Buenos Aires. As filas para o check in eram intermináveis. Quando chegou a nossa vez, fomos informados que a nossa bagagem tinha excesso de peso: 12 kg a mais; parece que, nos voos domésticos, só são permitidos 15 kg por passageiro. Ninguém nos avisara disto. Pagámos 72 pesos de multa. Cheira-me que isto é mais uma maneira de sacar dinheiro ao turista, já que não estou a ver ninguém vir passar duas semanas í  Argentina, com apenas 15 kg na mala.

Bueno… pelas 10 da manhã estávamos em Calafate. í€ nossa espera, uma guia e um motorista, que nos trouxeram ao Hotel Alto Calafate.

calafate_hotel.jpgO Hotel é um edifício recente, muito bonito e muito bem situado, no cimo de uma colina, com vista para o lago Argentino e para os Andes. Ficámos no quarto nº 1 e depois de arranjarmos as malas, partimos para Calafate, no shuttle do hotel que, cada meia hora, faz a ligação com a cidade.

El Calafate tem, agora, cerca de 20 mil habitantes e cresceu muito, nos últimos anos, sobretudo desde que, há sete anos, uma empresa privada construiu o aeroporto. Apesar disso, é uma cidade pequena, que se desenvolve a partir de uma rua principal, a Avenida Libertador, só com restaurantes e lojas para turistas.

calafate_lagoanimez.jpgBaseando-nos nas informações do Rough Guide, caminhámos para norte, até sairmos da cidade e chegarmos í  Reserva Natural da Lagoa de Nimez. Por aí andámos, cerca de hora e meia, a fotografar flamingos, pássaros e passarocos. Sempre com os Andes ao fundo, tivemos uma tarde de bird watching. Pena que os argeninos não cuidem bem desta Reserva, já que há um esgoto a despejar directamente na lagoa.

E foi uma boa maneira de passar o tempo, já que em Calafate não há mais nada para fazer. Almoçámos no La Lechuza (a Coruja), uma excelente pizza e duas empanadas. 

12.10.07 – Hoje foi o dia dos glaciares e foi uma experiência única.

Acordar í s 6 da manhã, pequeno-almoço rápido e, í s 7, vieram buscar-nos. Durante quase uma hora, andámos a passear por vários hotéis, a apanhar turistas, a maior parte deles, falantes de castelhano.

Depois, foi outra hora até Puerto Bandera, onde estava ancorado o catamarã Quo Vadis. Partimos í s 9 horas e regressámos pelas 16h30.

O Lago Argentino é o maior da Argentina e o terceiro maior da América do Sul, com 1600 km quadrados e tão profundo que as suas águas mantêm uma temperatura constante de cerca de 8 graus durante todo o ano. As suas águas têm uma cor verde leitosa, devido aos detritos arrastados pelos glaciares, da montanha para o lago.

Antes de vermos os glaciares propriamente ditos, navegámos durante quase uma hora pelo lago, ladeados pelos Andes imponentes, e, depois, avançando por entre inúmeros icebergs que se desprenderam o glaciar Upsala.

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Os icebergs são algo de único, que nunca tínhamos visto ao vivo. As cores azuladas do gelo (quanto mais azul, mais oxigénio), as formas curiosas dos diversos icebergs, a textura do gelo –  tudo era novidade para nós.

calafate_bosque.jpgChegámos í  Baía Onelli e desembarcámos para caminhar por entre um bosque típico da Patagónia: árvores baixas, muitas delas caídas pela força do vento. Disseram-nos que, hoje, é uma excepção, já que praticamente não há vento. O vento patagónico, com rajadas que atingem os 100 km, é o habitual e as árvores estão inclinadas sempre para o lado sul (o vento sopra do norte) e, muitas vezes, são arrancadas do solo e estão assim, caídas, com as raízes í  mostra.

Atravessando o bosque, chegamos ao lago Onelli, uma pequena extensão de água, rodeada de montanhas e com três glaciares a fornecerem água: o Heim, a Agassiz e o Onelli.

calafate_onelli.jpgO lago Onelli, ele próprio, está cheio de pequenos icebergs e, no inverno, a sua superfície fica totalmente gelada, podendo caminhar-se por cima dele.

A tranquilidade do local é impressionante. Apenas os turistas estragam o panorama selvagem.

 

Regressámos pelo bosque e, antes de voltarmos ao Quo Vadis, almoçámos no restaurante, um excelente bife de chorizo, que não tem nada a ver com  chouriço – é um grandessíssimo bife do lombo, com três dedos de espessura e tenro, como nunca comi outro igual. Os apreciadores de bife deviam, todos, experimentar um bife como este! 

De volta ao catamarã, prosseguimos para ver o glaciar Upsala, que é o maior do Parque Nacional dos Glaciares: 7 km de largura, 60 metros de altura e 60 km de comprimento. O barco não se pí´de aproximar muito do glaciar porque, dias antes, tinha acontecido um grande desprendimento e havia muitos blocos de gelo flutuando no lago e que poderiam pí´r em perigo a navegação. Mas deu para ver aquela imensa massa de gelo que vem pela montanha fora e atinge o lago como uma parede gelada.

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A estrela do passeio de hoje veio a seguir: o glaciar Spegazzini, que é o mais alto do parque, com cerca de 135 metros. A sua beleza é impressionante e difícil de descrever. Parece que o Jorge Luís Borges terá dito, a propósito dos glaciares, qualquer coisa como «olhar para eles é como vê-los sempre pela primeira vez». E é verdade. Conforme o ângulo de visão, conforme o modo como a luz do sol incide sobre eles, parece que estamos a ver coisas diferentes, parece que estamos a ver algo em mutação e não algo inerte, que não tem vida. O glaciar tem zonas de um azul turquesa intenso, como se tivesse iluminação interior, zonas de um branco gelado, outras cinzenta ou negras, devido aos detritos trazidos das montanhas. 

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Foi o primeiro ponto alto desta viagem, sem dúvida.

E fomos regressando, passando, novamente, pelos icebergs e estoirando fotos atrás de fotos (cerca de 500, num total de 1700).

Buenos Aires – 2

10.10.07 – Hoje andámos cerca de 15 km. O almoço foi num McDonalds, na Calle Florida. Viagem sem, pelo menos, uma refeição no McDonalds, não é viagem e penso que já comemos McDonalds nos 5 continentes.

buenosaires_parlamento.jpgA caminhada foi até í  Avenida de Mayo, que percorremos entre a Casa Rosada e o Parlamento, para ver os edifícios imponentes que por lá existem, nomeadamente o edifício do jornal La Prensa e o próprio Palácio dos Congressos, que é uma bisarma tipo White House. Há ainda um outro edifício, o Barolo, construído em 1922 e que é uma homenagem í  Divina Comédia, de Dante.

O tempo continuou instável, alternando chuviscos com lampejos de sol aberto. Continuámos por ruas mais secundárias, até í  Corrientes, passando, novamente, pelo Obelisco. Milhares de pessoas de um lado para o outro e milhares de carros e autocarros de passageiros (os “colectivos”), saturando o ar de monóxido de carbono. Ao fim da tarde, as ruas são invadidas pelos “cartoneros”, que são tipos que fazem a escolha do lixo, salvando o que pode ser reciclado.

De regresso í  pedonal calle Florida, entrámos no enorme Pacific Mall, para comer um gelado no Freddo e, assim, repor as calorias que gastámos na caminhada. 

buenosaires_pueromadero.jpgDepois de descansar alguns minutos, avançámos para Puerto Madero, assim chamado em homenagem ao arquitecto responsável pela renovação desta zona da cidade, Eduardo Madero. Os armazéns de cereais vindos das Pampas, em tijolo vermelho, estão transformados em restaurantes. O rio de La Plata aqui, está condensado em quatro canais, um dos quais serve de marina. Mais í  frente, a ponte da mulher, do espanhol Calatrava. É uma zona agradável, esta de Puero Madero, embora não se sinta a proximidade do rio, como nas docas, em Lisboa. De facto, o estuário do La Plata, sendo o maior do mundo, parece um mar, que fica lá longe da cidade e Buenos Aires desenvolve-se, toda ela, de costas para essa imensidão.

San Atónio de Areco – o ataque dos mosquitos

9.10.07 – Estamos í  espera que nos chamem para almoço, na Estância El Ombu de Areco, no coração das Pampas.

O Juan foi buscar-nos í s 9h 30, para uma viagem de cerca de 1h 45, sob uma chuva diluviana. A certa altura da viagem, a cortina de chuva era opaca. Mas a coisa ainda havia de piorar com a trovoada. í€s tantas, pergunto: que fazemos nós, debaixo de um temporal destes, a caminho de sei lá onde, nas pampas argentinas?!

Chegámos perto de San António de Areco e ficámos, na estrada, í  espera que um veículo 4X4 nos viesse buscar para nos transportar, ao longo de 6 míseros quilómetros, por um lamaçal imenso, até El Ombu, a estância onde vamos passar a noite. A chuva abrandara, mas o céu continuava muito carregado.

sanatonio_lama.jpgFomos recebidos por uma holandesa que nos mostrou as instalações e o quarto e logo fomos atacados por milhares de mosquitos. O repelente ficou em Buenos Aires. Ninguém nos avisou que poderiam existir mosquitos por aqui e nós só estávamos í  espera deles lá para Iguazu. A holandesa emprestou-nos um repelente, mas devia estar fora do prazo.

El Ombu é uma estância oitocentista que, para além do turismo rural, também se dedica ao gado e í  agricultura. A casa está bem conservada, o quarto mantém o tecto alto e a cama de latão, bem como a lareira. Em redor, tudo verde, a perder de vista. Lá ao fundo, vacas a pastar. Aqui, í  volta, frondosas árvores, entre elas o ombu, e muitos pássaros, passarinhos e passarocos, a voar e a fazer um basqueiro dos antigos, sobretudo os periquitos selvagens. Comemos uma empanada de carne, de boas vindas e ficámos por aqui, a fotografar pássaros e árvores.

í€s 13h30, fomos almoçar. A sala estava cheia: além de nós, mais 11 pessoas. A estância está lotada. O almoço foi uma tradicional parrilla argentina: carne de vaca assada sobre carvão.

sanatonio_carroca.jpgDepois de um curto descanso, fomos fazer um passeio de carroça, puxada por um cavalo branco e conduzida por um gaúcho que, pelos vistos, é um célebre domador de cavalos aqui da zona. O passeio foi agradável, mas os mosquitos massacraram-nos, comeram-nos vivos, deixaram-nos as mãos e os tornozelos numa lástima; a minha querida careca, então, ficou toda aos altos, como se a inteligência quisesse saltar para fora da calote craniana.

Regressámos a tempo para um café. Depois, besuntámo-nos com cortisona.

Depois do passeio de carroça, estivemos o resto da tarde a fazer nada.

Jantámos umas coisas incomestíveis (peito de frango do campo cozido com puré de batata!) e viemos para a cama.

Depois de o sol se pí´r, o silêncio é sepulcral. Os pássaros calam-se e, ao longe, ouvem-se as cigarras. Não há TV, não há rádio, nem nada para fazer, a não ser uma mesa de snooker, que está ocupada por dois ingleses que beberam um litro de vinho ao jantar. Alternativa: ler e descansar.

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10.10.07 – Segundo a descrição da viagem, hoje estaria í  nossa espera “um pequeno-almoço campestre”. Em vez disso, tivemos direito a pão da véspera torrado há horas, 4 médias-lunas (croissant em argentino) mal descongeladas, uma chávena de café, 4 fatias de queijo e 4 de fiambre, 2 pacotinhos de manteiga, doce e sumo de laranja de garrafa. Que tal?

Aliás, ainda ontem nos questionávamos: como é que eles trazem os mantimentos até aqui, com aquele rio de lama a separar a estrada da estância. Resposta: não trazem.

í€s 7 e meia levantámo-nos para andar por aí, a ver a azáfama dos pássaros, que andam a fazer os ninhos (estamos na Primavera, na Argentina).

As picadas dos mosquitos estão bem visíveis, hoje, proporcionando-me excelentes altos na cabeça, no pescoço, mãos e tornozelos.

E vamos deixar El Ombu sem grandes saudades das Pampas. Este turismo rural ainda está muito atrasado, em relação ao que se faz em Portugal. A casa está “arranjadinha”, mas não é confortável; as comodidades são, de facto, escassas e o clima também não ajudou, com a chuva intensa e o ataque dos mosquitos.

Buenos Aires, multitudinária

buenosaires_obelisco.jpg8.10.07 – Buenos Aires é uma cidade gigantesca. São cerca de 3 milhões de habitantes (13 milhões, se contarmos com os arredores) e um trânsito alucinante. A qualquer hora do dia (e suponho que da noite, também), as avenidas estão cheias de carros.

A Avenida 9 de Julho, por exemplo, é considerada a avenida mais larga do mundo; tem 18 faixas de rodagem, em alguns pontos, chega í s 20 faixas e está sempre a abarrotar de carros. Mais ou menos a meio, na intersecção com a Corrientes, fica o Obelisco, com 67 metros de altura, que se vê de vários pontos do centro da cidade; foi erigido em 1936 e celebra a fundação da cidade e o ano de 1880, em que Buenos Aires se tornou capital federal da Argentina.

Passámos, depois, pela Casa Rosada, que é o palácio presidencial. O actual presidente, Kirshner, não vive lá, mas sim nos arredores da cidade, em Olivos, e vem para o trabalho, todos os dias, de helicóptero. A Casa Rosada é famosa pelo facto de Evita Perón arengar í s massas, a partir de uma varanda, divulgada por Madonna – e está pintada de cor-de-rosa, simbolizando a união dos dois partidos rivais, os colorados e os blancos que, fundidos, deram o cor-de-rosa.

buenosaires_casarosada.jpgA Casa Rosada está situada na Plaza de Mayo, conhecida pelo facto das mães e avós dos desaparecidos durante a ditadura de Videla, se reunirem ali, diariamente, protestando pelo facto de muitos deles continuarem sem ser encontrados. Para nós, este local, cheio de simbolismos para o povo argentino, pouco nos diz: a Casa Rosada, sob o ponto de vista arquitectónico, não é nada de especial e a Plaza é, também, banal, não fossem as palmeiras gigantescas (a Plaza de Armas de Cusco, no Peru, por exemplo, é muito mais bonita).

buenosaires_boca.jpgA paragem seguinte foi muito mais interessante. Fomos ao Barrio Boca, visitar as casas de chapa ondulada, pintadas de cores garridas. Cada uma destas casas tem dois andares e um pátio interior; lá dentro, várias famílias partilham o pátio, a cozinha e as instalações sanitárias. Este bairro do sudoeste da cidade, foi fundado por emigrantes italianos no final do século 19 e princípio do século 20 e as cores garridas das casas provém do costume genovês de pintar as casas com os restos das tintas usadas para pintar os barcos.

Hoje em dia, muitas destas casas estão transformadas em gift shops, mas ainda existem muitas das verdadeiras, embora em muito mau estado.

No coração de La Boca, fica o estádio do Boca Juniors, clube de futebol onde se estreou Maradona. O estádio está mesmo enfiado no meio dos casebres do bairro. Clube de futebol mais popular não deve haver.

Passeámos um pouco por algumas ruas de Boca, nomeadamente pela mais famosa, a Caminito, citada em muitos tangos e que tem a maior concentração de casas de chapa ondulada, sendo constantemente assediados por casais sugerindo-nos uma foto a fingir que dançamos o tango.

A visita continuou com uma passagem rápida por Puerto Madero e terminou junto ao cemitério de Recoleta, passando pelos jardins de Palermo, os dois bairros mais ricos, do norte da cidade.

Vieram buscar-nos í s 20h 30 e levaram-nos í  Esquina de Carlos Gardel. Ficámos numa mesa do primeiro andar, com mais dois casais venezuelanos, dois casais espanhóis e um australiano de cabeça rapada, sessentão que, rapidamente, meteu conversa connosco e, cinco minutos depois, já nos estava a contar uma história digna de Paul Auster. Era oftalmologista e, após mais de 30 anos de um casamento feliz, a mulher tinha morrido em 6 meses, vítima de um melanoma. Durante 2 anos e meio, chorou todos os dias e, certa noite, pensou até em suicidar-se, ao volante do carro. Não queria saber da profissão, não queria saber das duas filhas, só queria morrer. Depois, terá sido convidado por doentes dele (acho que algo ficou “lost in translation”) para ir í  China, a Xangai. E lá, sentiu que tinha que mudar. Quando regressou, rapou a cabeça e decidiu viver outra vez. Entretanto, foi fazer um scan cardíaco de rotina e descobriu que tinha uma coronária entupida. Injustiça! Não fumava, não tinha história familiar, fazia exercício físico. Foi fazer um cateterismo e a coisa correu mal: ficou com as femurais todas lixadas e até pensou que nunca mais poderia viajar. Mas recuperou bem. E conheceu uma mulher, duas vezes divorciada e as coisas começaram a correr bem e planeou esta viagem pela América do Sul (Equador, Galápagos, Peru, Argentina e Brasil). No entanto, três dias antes de partir, a sua nova companheira fez uma observação qualquer sobre as filhas dele e ele não gostou nada do que ouviu. Discutiram. Ele partiu sozinho! Estava a pagar quartos duplos e tudo a dobrar, mas não admitia que ela fizesse reparos í s filhas dele!

São este tipo de personagens que povoam os romances de Auster e este australiano, ao saber que também éramos médicos, sentiu a empatia suficiente para partilhar tudo isto connosco, ali, em cinco minutos, enquanto jantávamos na Esquina de Carlos Gardel, aguardando o show de tango.

O restaurante faz lembrar o nosso Politeama, depois das adaptações do La Féria. Na plateia e no 1º balcão, as mesas estão preparadas para um jantar rápido e servido em estilo “linha de montagem”: entrada de empanada de carne (boa), parto principal (duas tiras de carne de porco que pareciam sola de sapato) e sobremesa (o famoso e nacional dulce de leche).

buenosaires_tango.jpgServido o jantar, chegou a hora do show, que durou cerca de uma hora. Quatro ou cinco pares, dançaram diverso tipos de tangos, acompanhados por uma orquestra de sete elementos. Pode ser que seja um espectáculo para turista ver, e talvez os bailarinos abusem dos malabarismos, de tal modo que o australiano dizia “it’s easy to do tango – just a lot of kicking!”. Pode ser isso tudo, mas o espectáculo foi agradável e o turista médio (nós) está mesmo í  espera destas coisas. Obviamente que não estaria í  espera de ver actuar discípulos de Piazola ou o Gotan Project.

Quando acabou o espectáculo, í  meia-noite, chovia.

Regressámos ao hotel, verificando que ainda havia muita gente nas ruas e nos cafés.

Ria de Aveiro

Dois dias na Pousada da Ria, podem proporcionar passeios e visitas agradáveis.

Para chegar í  Reserva Natural das Dunas de S. Jacinto, caminha-se por um trilho com cerca de 5 km.

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Depois, são as dunas e o Atlântico.

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A cerca de 2 km de Ovar, fica Valega, que tem uma igreja toda forrada de azulejos.

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Aveiro é uma cidade simpática, í  qual os canais dão um toque de originalidade.

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Os moliceiros ainda existem mas, para vê-los, é preciso sair de Aveiro e ir, por exemplo, a Torreira.

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í€ noite, com a lua cheia, a Ria de Aveiro tem outro encanto.

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Pousada da Flor da Rosa

A Pousada fica num mosteiro-fortaleza, no meio de lado nenhum. O mosteiro foi mandado construir entre 1351 e 1356 por frei ílvaro Gonçalves Pereira, pai de D. Nuno ílvares Pereira. í€ primeira vista, a construção faz lembrar um castelo, com as suas torres e as frestas e a sua utilidade seria, em princípio, a segurança das fronteiras de Portugal.

Em 1527, a Ordem dos Hospitalários muda de nome, passando a chamar-se Ordem de Malta e, no ano seguinte, o filho de D. Manuel toma conta do mosteiro, alargando o número de aposentos. Depois, vêm os Filipes, o terramoto de 1755 e um temporal devastador, em 1897. A coisa foi-se arruinando. Em 1910, o mosteiro da Flor da Rosa é declarado monumento nacional e, 30 anos depois, começa a reconstrução. Em 1991, a Enatur adquiriu o mosteiro e encarregou o arquitecto João Luís Carrilho da Graça da recuperação do edifício.

Quando se chega í  Pousada, a visão é bizarra: assim, no meio de lado nenhum, surge este edifício medieval, imponente e austero, rodeado de pequenas courelas, onde autóctones cultivam couves e guardam ovelhas. Os galos a cantar í s 5 da manhã e os canitos a ladrar, impedem a ordem do silêncio, que devia vigorar por aqui.

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A adaptação do edifício a Pousada é excelente. O arquitecto até parece que não mexeu em nada. Os quartos são sóbrios, a sala do bar é muito bonita e a ala nova quase não se dá por ela.

Ali, a 30 km, fica Marvão. Lindo! Pena que esteja tudo em obras, para remodelar a canalização e acabar com a praga das antenas de televisão.

As torres de Praga

O dia esteve espectacular, com sol aberto e calor para t-shirt.

Começámos pela Porta da Pólvora e a Casa Municipal. Este edifício é muito bonito, com decoração art déco, do artista checo Alfons Mucha. Foi neste edifício que foi declarada a independência da Checoslováquia, em 1918. Hoje, alberga pubs e restaurantes e é o lugar onde actua a Orquestra Filarmónica de Praga.

A torre da Porta da Pólvora é uma das várias torres que dominam a cidade. Por 50 coroas, subimos 184 degraus de escadas em caracol para podermos desfrutar uma excelente vista da cidade.

Continuámos pela Celetná. A paragem, seguinte foi a Torre da Cidade Velha. Eram quase 11 horas e a multidão apinhava-se em frente ao relógio. Por isso, fomos dos poucos que subimos ao topo da torre. Desta vez, de elevador. O panorama também é soberbo, sobretudo porque podemos olhar a fachada de Tyn, de frente. Mas também se vê a azáfama dos turistas, na Praça, os pináculos das igrejas, os telhados das casas, a cidade, a perder de vista.

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Continuando na senda das subidas, a seguinte, foi a torre da Ponte Carlos. Pagámos mais 50 coroas, cada um, e subimos, a pé, 139 degraus. Do alto desta torre, vemos o Moldava a brilhar ao sol e a Ponte, pejada de gente. Ao fundo, a catedral de S. Vito, na colina do Castelo. Depois do dia chuvoso de ontem, o dia solarengo de hoje fez com que tudo parecesse mais luminoso.

Depois do almoço, rumámos í  Norudova, para apreciar alguns dísticos de casas, outra das características de Praga.

Regressámos ao hotel, após mais 15 km de caminhada.

í€s 17 horas, o transfer veio buscar-nos.

Confirmei Praga como uma das minhas cidades preferidas e esta visita tornou-se ainda mais agradável graças í  companhia do Pedro, da Marta, da Dalila e do Filipe.

Praga – música ao fim da tarde

Saímos do hotel í s 9h30 e, antes de chegarmos í  Praça da Cidade Velha, fomos abordados por um sujeito, anunciando um concerto. Depois de conferenciarmos, decidimos comprar bilhetes: 550 coroas cada bilhete, preço especial para famílias, segundo nos disse a senhora da bilheteira. Já temos programa para a tarde.

Prosseguimos em direcção í  ponte. Tempo frio e cinzento, a ameaçar chuva. Ruas ainda com pouco movimento. Depois de atravessarmos a ponte, virámos í  esquerda, para a ilha de Kampa. Passeámos pelo jardim junto ao Moldava. Começou a chuviscar.

Mais í  frente, apanhámos o funicular que, por 120 coroas (para o seis), nos levou até ao cimo do monte Petryn. Lá em cima, o observatório é uma réplica da torre Eiffel, mas com um quarto da altura. Mesmo assim, é preciso subir cerca de 300 degraus para chegar ao topo. Subimos só até ao primeiro patamar, já que a visibilidade era muito reduzida e não valia a pena um esforço tão grande. Mesmo assim, o panorama é soberbo.

Visitámos, depois, o labirinto dos espelhos. Recordámos velhos tempos na Feira Popular de Lisboa, quando a malta se escangalhava a rir, ao ver o seu próprio reflexo deformado pelos espelhos. Era assim que a Europa se divertia, antigamente…

Regressámos ao funicular e fomos almoçar. Comida italiana, novamente, em mais um restaurante simpático. Pizza em forno de lenha, í  vista do cliente.

Regressámos debaixo de chuva, que não incomodou muito. As ruas já estavam pejadas de gente. Na Karluv Most, a Bridge Band tocava jazz. Seis tipos já entradotes, divertiam-se í  brava, indiferentes í  chuva.

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Depois de algum descanso, rumámos í  Old Town House, para assistir ao concerto.

O concerto decorreu no Baroque Library Hall, uma salinha simpática, com capacidade para cerca de 60 pessoas. Os quatro executantes formavam Gli Archi di Praga, chefiados pelo primeiro violino Frantisen Eret. Ao longo de uma hora, escutámos quatro bons executantes, dois violinos, uma viola e um violoncelo, a tocar um Concert of Hits, que incluíram peças de Vivaldi, Mozart, Bach, Handel, Haydn e Schubert. Claro que é um concerto para turistas e os puristas devem achar que isto de tocar apenas alguns trechos de obras famosas do repertório clássico é um sacrilégio, mas a verdade é que foi muito agradável e que este tipo de míni-concertos são bem melhores do que concertos nenhuns.

Na sala, estavam apenas 34 pessoas, o que não impediu que os músicos se empenhassem a fundo e nos tivessem proporcionado bons momentos.

Depois do concerto, passeámos pelas ruelas em redor da Praça da Cidade Velha e fomos jantar. Italiano, outra vez.