“Trilogia”, de Jon Fosse (2014)

Jon Fosse é um escritor norueguês nascido em 1959 e mais conhecido pelas suas obras para teatro (mais de 30).

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Este Trilogia, como o nome indica, compõe-se de três histórias, que se completam. A primeira, Vigília, foi escrita em 2007, a segunda, Os Sonhos de Olav, em 2012, e a terceira, que “…explica” as outras duas, Fadiga, em 2014.

Os críticos portugueses renderam-se a este norueguês e, tanto os do Expresso, como os do Público, elevaram-no aos píncaros, considerando este livro como o melhor dos que foram editados em 2021.

Não concordo.

Dos 43 livros que li ao longo deste ano, Trilogia não faz parte dos meus preferidos. Gostei muito mais de O País dos Outros, de Leila Slimani, por exemplo, ou de A Anomalia, de Hervé Le Tellier.

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A escrita de Fosse é, talvez, diferente, mas repetitiva, por vezes, maçadora. Na primeira história, dois jovens amantes partem de uma cidade, em busca de um novo local para viver. Ela, Alida, está grávida em fim de tempo e ele, Asle, procura um abrigo para o parto. Claro que a história faz lembrar a lenda dos cristãos. Neste caso, o menino Jesus vai chamar-se Sigvald.

Na segunda história, Asle passa a chamar-se Olav por qualquer razão que me escapou, mas a culpa deve ser minha. O pobre do Olav é condenado í  forca, acusado de ter estrangulado algumas pessoas ““ acontecimentos que também me escaparam.

Na terceira e última história, Alida, já viúva, encontra um homem muito mais velho e acaba por se juntar a ele, levando também o seu filho.

Diz a contracapa do livro que Trilogia é “…uma parábola de inspiração bíblica sobre o amor, o crime, o castigo e redenção.”

Mas de parábolas está o Inferno cheio, diria eu…

Aqui está um pequeno exemplo da linguagem repetitiva de Fosse:

Não tenho vontade de deixar esta casa, diz ela
Mas temos mesmo de fazê-lo, diz Olav
Não podemos ficar mais tempo nesta casa, diz ele
Tens a certeza absoluta disso, diz Alida
Sim, diz ele
Mas porquê, diz ela
Porque sim, diz ele
Não é a nossa casa, diz ele
Mas não mora ali mais ninguém, diz Alida
A mulher que morava aqui vai provavelmente regressar, claro, diz Asle
Mas já passou tanto tempo, diz Alida
Mas há de vir alguém, diz ele
Não é certo, diz ela
Mas a casa é dela, diz ele
Sim, mas como ela não vai regressar, então, diz Alida

Etc…

As vírgulas pontuam, mas não os pontos de interrogação, nem os pontos finais…

E, a meio do texto, Olav passou a ser Asle, como convém…

Enfim, passo…

“Anos de Chumbo e Outros Contos”, de Chico Buarque (2021)

Aqui está um livrinho para terminar o ano de 2021 em beleza; são apenas oito contos, mas encheram-me as medidas.

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Chico Buarque já nos tinha habituado há décadas í s grandes canções e aos respectivos versos que as enriquecem. Em boa hora decidiu dedicar-se í  escrita de uma prosa mais consistente e os seus livros têm sido todos muito recomendáveis.

Este Anos de Chumbo, sendo um livro de contos, é um pouco mais ligeiro que os romances que escreveu; são histórias bem-dispostas e com um humor cínico de que sou fã.

Recomendo vivamente.

Outros livros de Chico Buarque: “O Irmão Alemão”; Essa Gente; Caravanas; Leite Derramado

“A íšnica História”, de Julian Barnes (2018)

Um livro de Julian Barnes é garantia de uma obra sólida.

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Este The Only Story não foge í  regra, embora, na minha opinião, a história se perca um bocado a meio do livro.

O autor diz-nos que todos temos muitas histórias para contar ao longo da vida, mas que só uma será a verdadeira história que interessa.

No caso, é a história de um rapaz de 19 anos que se apaixona por uma mulher casada de mais de 40 anos. Paul tem 19 anos quando conhece Susan num clube de ténis. Ela é casada, tem duas filhas, mas o casamento já não corre bem há muitos anos, de tal modo que ela e o marido barrigudo dormem em quartos separados.

Paul e Susan apaixonam-se e começam a ter um caso, mesmo nas barbas do marido de Susan.

Esta é a trama da primeira parte do livro e Barnes entretém-nos a contar os episódios que se sucedem, a reacção dos membros do clube de ténis, dos pais de Paul, das filhas de Susan.

Depois, Paul e Susan vão viver juntos e o livro perde-se um pouco. Susan começa a beber, torna-se numa alcoólica, nunca se percebe muito bem porquê (culpa?), e o livro arrasta-se até ao final, na minha modesta opinião.

De qualquer modo, vale a pena a leitura.

Outros livros de Julian Barnes: O Homem do Casaco Vermelho; O Ruído do Tempo; O Sentido do Fim; Arthur & George; Amor & Etc

“O Circo Invisível”, de Jennifer Egan (1995)

Depois de ter lido Os Lança-Chamas, de Rachel Kushner, que falava da agitação política de Itália dos anos 70 e das Brigadas Vermelhas, este livro de Jennifer Egan, fala-nos do grupo Baader-Meinhoff, que foi protagonista de diversos atentados terroristas na Alemanha, também nos anos 70.

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De Egan, escritora norte-americana nascida em Chicago em 1962, já tinha lido A Visita do Brutamontes e A Praia de Manhattan (o meu preferido).

Este O Circo Invisível conta-nos a história de Phoebe, uma jovem de 18 anos, cuja irmã mais velha, Faith, viaja para a Europa e se suicida, numa pequena aldeia da costa italiana.

Faith é a irmã sempre alegre, provocadora, aventureira, a preferida do pai. O pai é um técnico da IBM, pintor nas horas vagas e pinta a filha mais velha de modo quase obsessivo. Morre de cancro e Faith sai de casa e vai para a Europa com o seu namorado da altura, a quem chama Lobo.

Phoebe, quando faz 18 anos, decide seguir as pisadas da irmã e tentar descobrir como ela morreu. Vai encontrar-se com Lobo e descobrir que, entre outras coisas, a irmã colaborou com o grupo Baader-Meinhoff.

Vale a pena ler.

“Os Lanças-Chamas”, de Rachel Kushner (2013)

Este foi o 3º livro de Rachel Kushner que li e, tal como os outros dois (Telex de Cuba e O Quarto de Marte), trata-se de um livro complexo, cheio de referências históricas e culturais, as mais diversas.

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Kushner escreve regularmente sobre arte e este livro é prova disso. A maior parte do livro é narrada por uma jovem que se muda para Nova Iorque com o intuito de se tornar artista. Este é o ponto de partida para uma série de episódios que vão desde o recorde de velocidade em mota no deserto de sal do Utah, as vidas um pouco loucas dos artistas nova-iorquinos, com grandes bebedeiras e exposições de arte duvidosas (uma das personagens tira fotografias ao interior do forno da cozinha e diz que se trata de fotos do firmamento), e muitas outras coisas.

Uma boa parte do romance passa-se em Itália. A protagonista namora com o herdeiro das motas Valera, de Milão, que vive em Manhattan; depois, vão ambos para Itália e presenciam as grandes manifestações e os atentados das Brigadas vermelhas, já que a acção do livro decorre na década de 70.

Uma pequena passagem da página 220:

“…Pensei no discurso de Ronnie sobre o pão. Divertia-o que agora só se encontre pão integral nos mercados gourmet de Nova Iorque. Não é que Ronnie fizesse compras em lojas gourmet, mas tinha aberto uma no SoHo e ele percorreu os corredores para alimentar os habituais comentários. Disse que é uma ironia as pessoas terem decidido colectivamente que a farinha integral é mais desejável do que o pão branco que era há séculos o pão da nobreza. ““ Agora é tudo assim ““ disse ele. O refinamento seguira determinado curso e invertera-o. Neste caso, a farinha refinada para um pão branco super refinado, leve e fofo, outrora só alcance de reis e rainhas, obtém-se em toda a parte, pelo que os ricos tiveram que voltar a comer o rude pão integral que costumavam deixar aos camponeses. Agora, nenhuma pessoa instruída se deixa apanhar em flagrante a comer pão branco. Nem sequer uma pessoa da classe média”.

Ao longo do livro deparamos com citações deste género sobre os mais diversos assuntos, o que faz com que este livro de Rachel Kushner tenha sido considerado, pelo New York Times, um dos dez melhores livros de 2013.

“í€ Espera dos Bárbaros”, de J. M. Coetzee (1980)

Gostei muito deste romance de Coetzee, agora reeditado pela D. Quixote.

A acção passa-se algures no tempo e no espaço. De facto, nunca ficamos a saber em que local é aquele e em que época estamos.

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O narrador é o magistrado daquela cidade muralhada, situada perto de um lago e de um pântano, com o deserto no horizonte. Para lá desse horizonte, algures, estão os bárbaros, que talvez ataquem a cidade, ou talvez não.

O Império estende os seus braços até í  cidade, que fica na fronteira e para lá envia soldados para combater os bárbaros.

Entretanto, o magistrado está velho e procura conforto junto de uma prisioneira que foi torturada. Passado algum tempo, decide levá-la de volta ao seu povo e, com esse seu gesto, cai em desgraça e é, ele próprio, preso e torturado.

Mas a vida dá muitas voltas e o magistrado ainda há de voltar a ter lugar de destaque na cidade.

Coetzee escreve bem, como se sabe, e as suas descrições da cidade, do lago, dos pescadores, do deserto, da sucessão das estações, fazem com que visualizemos o que ele descreve.

Muito bom.

Outros livros de Coetzee: A Infância de Jesus; A Vida e o Tempo de Michael K.; Diário de Um Ano Mau; O Homem Lento; No Coração Desta Terra; Verão; Jesus Na Escola; A Morte de Jesus

“Canção Doce”, de Leila Slimani (2016)

Há quem diga que os escritores escrevem sempre o mesmo livro.

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De certo modo é o que se passa com esta excelente escritora franco-marroquina.

Em “…O País dos Outros“, a história gira em torno de Mathilde, uma jovem francesa que se casa com um marroquino e que vai viver para o país do marido, sofrendo, depois, todas as desventuras que daí advêm; em “…No Jardim do Ogre“, é Adéle, uma jornalista casada com um pediatra e obcecada por aventuras sexuais, que vai caindo numa espiral de desgraças; neste “…Canção Doce”, é Louise, uma ama obsessiva-compulsiva que domina a história.

Dos três livros, este foi o que mais me impressionou pelo tema. Logo no primeiro capítulo, ficamos a saber que a ama assassina as duas crianças e ficamos logo incomodados.

Depois, Slimani vai contando a história que leva Louise ao precipício e o método que usa é semelhante ao que usou em “…No Jardim do Ogre”, com a história de Adéle.

E porque o tema central do livro me incomodou, quando acabei o livro, senti um certo alívio…

A realidade nas capas das revistas

Andam todos preocupados com a aprovação do Orçamento e outras minudências, mas as verdadeiras notícias estão nas capas das revistas.

Foi graças í  capa da Nova Gente que fiquei a saber que “…Marcelo vai ser operado”. Trata-se de um exclusivo da revista, o que quer dizer que até o próprio médico do Presidente não devia saber disto. E a Nova Gente é radical, ao acrescentar, como subtítulo: “…O Presidente da República não escapa í  cirurgia”.

Mas a capa da Nova Gente tem ainda outro exclusivo: “…Jorge Jesus foi almoçar a um dos seus restaurantes favoritos”. Que grande cacha! E a revista convida-nos: “…veja toda a reportagem”. Não vi, mas imagino o treinador do Benfica a mastigar o rosbife como mastiga a pastilha elástica durante os jogos.

A capa da TV Mais, por seu turno, informa-nos que “…Alexandra Lencastre leva novo namorado aos Globos” e, além da foto da dita cuja, a sorrir, vemos uma pequena foto do namorado, com olhos de carneiro mal morto, fitando-nos por cima dos óculos de ver ao perto.

Ficamos ainda a saber que Débora tem uma “…vida marcada pelo sofrimento: drogas, traição e aborto”, que, convenhamos, é um trio do camandro!

Ao fundo da capa, í  direita, finalmente, uma boa notícia: “…João Mota e Mariana Monteiro: reconciliação í  vista”.

Passando para a TV 7 Dias, temos muitas revelações, das quais vou apenas destacar duas. A primeira é sobre Catarina Manique, “…que se lesionou a sério durante as gravações, encantou-se por um segurança de í“bidos”. A segunda é sobre Francisco Martins, que se perdeu “…por uma veterinária da margem sul”. Penso que isto serão mensagens cifradas com um alcance que não consigo lobrigar…

Passando por cima da informação de que “…mãe de Rafael arrasa Goucha e Ana Garcia Martins”, a revista informa que “…Ronaldo falha funeral de grande amiga”. Afinal, o craque não falha só penaltis…

O exclusivo da revista Top! é diferente, revelando que Lapo Elkan e Joana Lemos casaram “…em segredo na propriedade do casal em Tavira, no valor de 7 milhões”. Fico sem saber quem vale 7 milhões: a propriedade ou o casal?

Já a TV Guia debruça-se sobre Gouveia e Melo, com o título “…O pesadelo do vice-almirante”. Não vale a pena ficarem em suspenso, porque a revista esclarece logo a seguir que ele é “…vítima de conspiração em momento de glória”. O que vale é que “…o povo quer vê-lo a mandar no país”. Mas, como não há bela sem senão, ficamos a saber que o vice-almirante “…vive com a ajuda de um pacemarker e tem o desejo de ter netos e de morrer no mar”. isto, no caso do pacemaker dar o berro, claro.

A revista Maria anuncia que “…Sandra Costa revela: a cirurgia mudou a minha vida sexual”, mas o destaque vai para a Carolina que “…troca a filha por fortuna”.

Na Lux, ficamos a saber que “…José Carlos Malato foi sexualmente abusado em criança” e, finalmente, na Mariana, “…Lourenço confessa: «O meu pai não sabe quem sou».

Depois de tanta informação, quem quer saber do Orçamento?

“No Jardim do Ogre”, de Leila Slimani (2014)

Depois de ter lido o excelente No País dos Outros, fiquei com curiosidade em ler os restantes romances desta autora franco-marroquina (Rabat, 1981).

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Este No Jardim do Ogre não fica atrás. Lê-se de um fí´lego e é difícil parar de ler.

Slimani conta-nos a história de Adéle, uma jovem atraente, que trabalha como jornalista e que é casada com um médico. Apesar de ter uma vida boa, Adéle sente-se insatisfeita e procura a felicidade nas suas aventuras sexuais, arranjando sempre mentiras cada vez mais inverosímeis para enganar o marido que, pelos vistos, não se interessa muito por sexo.

Adélia provém de uma família modesta e tem uma relação conflituosa com a mãe, e indiferente com o pai. Tem vergonha da família.

Richard, o marido, vem de uma família abastada, mas Adéle considera os sogros e os cunhados aborrecidos, enfadonhos. É um suplício passar o Natal em casa deles, mas pior é passar o Ano Novo em casa dos pais.

Vinga-se bebendo muito e fodendo ainda mais, com colegas do jornal, colegas do marido, desconhecidos.

Adéle é possuída pelas suas pulsões sexuais e troca tudo por uma nova aventura, incluindo deixar o seu filho de dois anos, dias seguidos, í  guarda de amas.

As situações vão-se complicando ao longo do livro e o desfecho não pode ser bom.

Gostei muito.

“A Anomalia”, de Hervé Le Tellier (2020)

Le Tellier (1957) formou-se em Matemática, depois em Jornalismo, é linguista e autor de diversos romances, contos, etc.

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Com este “…A Anomalia”, ganhou o Goncourt do ano passado. A Presença editou-o agora, com tradução de Tânia Gadanho e capa de Catarina Sequeira Gaeiras.

Li-o em duas penadas e é difícil parar de o ler. Le Tellier conseguiu, como disse Le Figaro, escrever o romance impossível porque para além de ser bem escrito é, simultaneamente, um thriller e um romance fantástico.

A ideia central de A Anomalia, é uma grande ideia: um avião da Air France aterra em Nova Iorque em março e, três meses depois, esse mesmo avião, com os mesmos passageiros e a mesma tripulação, aterra novamente.

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Como disse o autor, numa entrevista ao Expresso, todos nós gostaríamos de nos confrontarmos connosco próprios, em carne e osso, de podermos ver e falar com um nosso duplo, mas que não fosse uma imagem num espelho ou um clone: fí´ssemos exactamente nós mesmos.

Os conflitos que este “…simples” acontecimento desencadeia são a substância deste livro, que foi um dos melhores que li nos últimos tempos.