A Amiga Genial, 3º e 4º volumes (2013/14), de Elena Ferrante

Continuamos sem saber quem é Elena Ferrante: será uma mulher ou um homem, jovem ou madura?

historia de quem vaiO segredo continua a ser a alma do negócio e, em boa parte, o êxito dos livros de Ferrante também têm a ver com isso. De tal modo assim é que, este ano, Elena Ferrante até já foi finalista do Booker Prize.

E justifica-se tanto alarido em volta desta escritora (vamos partir do princípio que é uma mulher).

Em parte, sim.

Crónicas do Mal de Amor, de 2012, que reunia três novelas, já revelavam uma autora inovadora, diferente. Classificaram-na de feminista, mas penso que apenas pelo facto de as protagonistas das suas histórias serem mulheres. A principal “inovação” das suas histórias era serem “reais”, credíveis, contemporâneas.

historia da menina perdidaMas a piéce de resistance é esta tetralogia, A Amiga Genial, cujos dois primeiros volumes me entusiasmaram muito mais que os dois seguintes (ver A Amiga Genial e História do Novo Nome).

Ao longo destes quatro volumes, Ferrante conta-nos a história de Elena Greco (ela própria?) que, nascida num bairro social de Nápoles, consegue subir na escala social e transformar-se numa escritora de sucesso e de Lila, a sua amiga de infância, que se manteve toda a vida no bairro mas que Elena sempre julgou ser a mais inteligente, a mais dotada, a amiga genial, que poderia ter sido tudo na vida, mas que acabou por não ser nada, sobretudo depois de lhe ter desaparecido a filha (núcleo da história do 3ºvolume).

O que mais surpreende nestes quatro calhamaços é a descrição do dia a dia, do vulgar quotidiano da vida das pessoas, destas pessoas e as grandes questões filosóficas são as da vida dessas mesmas pessoas. Por essa razão, há quem compare Elena Ferrante ao escritor norueguês Knausgard, embora eu ache que este é muito mais obsessivo com os pormenores do quotidiano que Ferrante.

Em resumo: deu-me muito prazer ler esta tetralogia de Elena Ferrante, seja lá quem ela for, mas penso que a coisa podia ter sido resumida, que há muitas páginas empasteladas e que, por vezes, a narrativa roça um pouco a telenovela, com as devidas e enormes diferenças, sobretudo tudo o que respeita í  vida amorosa de Elena.

Recomendo vivamente.

“Lição de Anatomia”, de Philip Roth (1983)

The Anatony Lesson é o terceiro dos quatro livros que Roth escreveu tendo Nathan Zuckerman como principal personagem.

licao de anatomiaZuckerman é um escritor judeu que alcançou a notoriedade e a fortuna com um livro (Carnovsky), no qual zurze a comunidade judaica, sobretudo pela sua hipocrisia no que respeita ao sexo.

No fundo, Zuckerman é Roth e Carnovsky é O Complexo de Portnoy. Só que Zuckerman é ainda mais excessivo e agresivo que Roth. Está com 40 anos, teve dois casamentos falhados, tem várias namoradas mas uma dor cervical, com irradiação para os ombros, impede-o de escrever.

A dor crónica está a dar cabo da vida de Zuckerman; até para ter relações, o pobre do homem tem que ficar deitado no chão, com a cabeça apoiada num livro, enquanto a namorada faz todo o trabalho.

Cito a página 18: “O coito, o felatio, e o cunilingus eram práticas que Zuckerman aguentava mais ou menos sem dor, desde que estivesse de barriga para cima e com a cabeça apoiada no dicionário de sinónimos.”

A páginas tantas, Zuckerman – que já consultou todos os médicos e similares e que já está dependente de analgésicos opióides, álcool e marijuana – decide que quer tirar o curso de medicina. No fundo, pensa que só assim conseguirá resolver a sua dor, mas também porque chega í  conclusão que a profissão médica tem muito mais significado do que a de escritor.

Cito a página 100: “(Os médicos) têm cinquenta conversas sérias por dia com pessoas carentes. De manhã í  noite, são bombardeadas por histórias, e nenhuma é inventada por eles. Histórias í  espera de uma conclusão fiável, definitiva e útil. Histórias com um propósito claro e prático: cure-me. Ouvem com atenção todos os pormenores e depois entram em acção.”

Iconoclasta como sempre Roth, através de Zuckerman, zurze nas religiões. Zuckerman, depois de ter consultado diversos médicos, sem resultado, estava quase a virar-se para a religião, em busca de um milagre.

Cito a página 130: “a astrologia está mesmo aí ao virar da esquina. Pior ainda, o cristianismo. Rende-te í  sede da magia médica e serás levado ao limite extremo da loucura humana, í  mais absurda de todas as quimeras concebidas pela humanidade em sofrimento – aos Evangelhos, í  almofada do nosso mais destacado dolorologista, o curandeiro vudu, Dr. Jesus Cristo.”

Para terminar, um das muitas citações possíveis, em que Zuckerman começa a falar e nunca mais se cala, num discurso torrencial que me fez lembrar algumas tiradas de Henry Miller que, aliás, é citado no livro.

Cito a página 173: “Se há coisa que não suporto é a hipocrisia. A dissimulação. A negação das nossas piças. A disparidade da vida tal como a vivi na rua, que era cheia de sexo e punhetas e sempre a pensar em cona, e as pessoas que dizem que não deve ser assim. Como conseguir o que queríamos – essa era a questão. Essa era a única questão. Essa era a maior questão que existia. Continua a ser. É assustadora por ser tão grande – e no entanto quem disser isso é um monstro.”

Não é dos melhores livros de Roth, mas vale a pena ler, sobretudo para quem, como eu, gosto muito deste escritor norte-americano, nascido em 1933 em Newark e que, infelizmente, já anunciou publicamente que fechou a loja e não vai publicar mais nada.

Outros livros de Philip Roth: “…Goodbye, Columbus“…, “…Némesis“…, “…A Humilhação“…, “…O Complexo de Portnoy“…, “…Indignação“…, “…O Fantasma Sai de Cena“…, “…O Animal Moribundo“…, “…Património“…, “…Todo-o-Mundo“…, “…Pastoral Americana“…, “…A Conspiração Contra a América“…, “…Casei com um Comunista“….

“Um cisne selvagem e outros contos”, de Michael Cunningham (2015)

O autor de As Horas decidiu reescrever alguns contos de fadas e duendes e saiu-se muito bem.

cisne celvagemEste Um Cisne Selvagem, com ilustrações de Yuko Shimizu, lê-se de uma penada e sempre com um sorriso nos lábios.

í€ medida que vamos lendo as histórias, vamos reconhecendo as personagens e os truques de fantasia que conhecemos na infância: a Bela Adormecida, a Bela e o Monstro, as maçãs envenenadas, o feijoeiro mágico, os gigantes, os anões e as bruxas.

São onze pequenos contos, que terminam com um felizes para sempre, como todas as histórias de encantar.

Vale a pena.

“Música para aguardente”, de Charles Bukowski (1983)

Ora aqui está um livro que deve ser lido aos poucos, já que, todo de seguida, de certeza que acaba por aborrecer.

charles-bukowskiCharles Bukowski (1920-1994) escreve sobre personagens desesperados, desiludidos da vida, mortos-vivos que se arrastam pelas noites de Los Angeles, de bar em bar, do motel andrajoso para a corrida de cavalos e daqui para outro bar com cheiro a mofo.

As  cerca de trinta histórias reunidas neste volume, datado de 1983, cheiram a álcool e a tabaco e a linguagem explícita torna-as ainda mais cruas e feias e porcas e más.

Exemplo (página 184):

musica para aguardente“Os cães corriam de um lado para o outro e a Honeysuckle continuava de pé, no meio do quarto, com o papagaio ao ombro. Ela era morena, talvez italiana ou grega, muito magra, com papos debaixo dos olhos; tinha um ar trágico, gentil e perigoso, acima de tudo trágico. Pousei o whiskey e a cerveja na mesa e todos avançaram na sua direcção. O H.R. começou a sacar as caricas das garrafas de cerveja e eu comecei a sacar o lacre ao whiskey. Uns copos poeirentos apareceram por ali, juntamente com vários cinzeiros. Através da parede í  nossa esquerda ribombou subitamente uma voz masculina: «Sua puta do caralho, quero que comas a minha merda!».

Sentámo-nos e eu distribuí o whiskey. O H.R. passou-me um charuto. Eu tirei-o da embalagem, mordi a ponta e acendi-o. 

– Que achas da literatura moderna? – perguntou-me o H.R.

– Não gosto muito dela.”

Outro exemplo (página 225):

“Leslie sentou-se com um scotch com água. Na rádio estava a passar Copeland. Bem, Copeland não era grande coisa, mas era melhor do que Sinatra. Temos de aceitar o que a vida nos dá e temos que tentar fazer com ela o melhor que pudermos. Era o que velho dele lhe dizia. Que se foda o velho dele. Que se fodam todos os fanáticos por Jesus. Que se foda Billy Graham e que vá levar no pacote.

Bateram í  porta. Era Sonny, o puto louro que vivia do outro lado do pátio. Sonny era meio homem e meio pila e estava baralhado. A maior parte dos tipos com pilas grandes tinham problemas quando a foda acabava. Mas Sonny era mais simpático do que a maioria; era meigo, era gentil e tinha alguma inteligência.”

E é este o tom de todas as histórias que, na sua grande maioria não têm propriamente um fim, mas são apenas descrições de bebedeiras, engates e coisas que acontecem a esta malta.

No mínimo, curioso…

“Crónicas do Mal de Amor”, de Elena Ferrante (2012)

Depois de ler A Amiga Genial, fiquei fã da escrita desta misteriosa autora italiana e procurei, em vão, esta colectânea das suas primeiras três novelas.

cronicas do mal de amorEncontrei o livro já no final do ano passado e li-o em paralelo com o terceiro volume daquela saga napolitana das duas amigas (o segundo volume, História do Novo Nome, também já está na prateleira dos lidos).

Pelos vistos, Elena Ferrante está na moda e até merece textos na revista The New Yorker. Este Crónicas do Mal de Amor junta as três primeiras novelas da escritora: Um estranho Amor (1999), Os Dias de Abandono (2002)  e A Filha Obscura (2006).

Na primeira novela, uma filha vai ao funeral da mãe que se suicidou e descobre que, nos últimos tempos, ela terá tido um romance serí´dio com um antigo namorado não correspondido. Na segunda, um mulher abandonada pelo marido, que se apaixonou por uma jovem, desespera-se, sozinha com os dois filhos e com um cão. Na terceira novela, uma professora divorciada a passar férias sozinha, rouba uma boneca a uma criança, na praia, sem saber muito bem porquê.

Estas três situações servem para as protagonistas recordarem momentos da sua infância, sempre passadas em Nápoles; são mulheres azedas, cujas vidas foram amargas e todas elas têm razão de queixa das suas mães e da sua infância.

A linguagem de Ferrante é crua, por vezes mesmo explícita, não se coibindo de uns palavrões sempre que são necessários. É uma escrita escorreita, sem rodriguinhos, mas que torna as personagens reais e credíveis.

Aconselho vivamente.

 

“A Ilha da Infância”, de Karl Ove Knausgard (2009)

E cheguei ao fim da metade deste projecto colossal do norueguês Knausgard, com o título global, mais ou menos provocador, de A Minha Luta.

ilha da infanciaDepois de A Morte do Pai , o meu preferido até agora, e de Um Homem Apaixonado, este A Ilha da Infância custou-me um pouco a acabar.

Claro que são interessantes as descrições das aulas de natação, das idas í  escola, das brincadeiras de um grupo de miúdos que teve o privilégio de viver uma infância ao ar livre, sempre de bicicleta de um lado para outro; no entanto, este terceiro volume da obra de Knausgard não tem nenhuma daquelas incursões teóricas e/ou filosóficas sobre a escrita, a pintura, a arte em geral, ou sobre as virtudes e os defeitos da espécie humana.

São 400 páginas de brincadeiras, alegrias e desilusões de um miúdo, muitas delas dedicadas ao seu ódio de estimação: o pai austero, sempre pronto a humilhá-lo e a castigá-lo; percebe-se agora bem o ódio que Knausgard destila pelo pai no primeiro volume.

Uma coisa me deixa um pouco perplexo: a infância de Kanusgard pode ter sido recheada de brincadeiras, mas raramente há um gesto de afecto; do pai, nem pensar, mas também a mãe me parece muito fria e ausente e a relação com o irmão mais velho é isenta da cumplicidade que quase sempre existe entre irmãos.

Na página 241, Knausgard resume bem a influência do pai:

«A minha mãe salvou-me, porque, se não estivesse estado presente, eu teria crescido somente com o meu pai e, nesse caso, ter-me-ia suicidado, mais tarde ou mais cedo, de uma maneira ou de outra.»

Noutra altura, Knausgard conta como tudo naquela família obedecia a rotinas e rituais, nomeadamente, comer-se uma maçã a meio da tarde. Certo dia, o pobre do Karl Ove terá comido duas, pensando que o pai não desse por isso; pois no dia seguinte, o pai obrigou-o a comer várias maçãs, uma atrás da outra, até ele quase vomitar, para lhe provar que uma maçã por dia era o número certo!

Aguardemos pelo quarto volume.

“História do Novo Nome”, de Elena Ferrante (2012)

Este é o segundo volume da tetralogia L’Amica Geniale, da italiana Elena Ferrante.

história do novo nomeContinua a história de Elena e da sua amiga Lila, duas habitantes de um bairro pobre de Nápoles, cujas vidas, embora sempre ligadas, vão ter percursos muitos díspares.

O primeiro volume (A Amiga Genial), terminava com o casamento de Lila, aos 16 anos, com o dono da charcutaria, enquanto Elena não sabia ainda se haveria, ou não, de continuar os estudos.

Neste segundo volume, enquanto Lila vai caindo em diversos abismos, mantendo sempre a sua altivez, Elena, mais mansa, continua a estudar e, brilhante e disciplinada como é, acaba a licenciatura e até publica um livro.

Embora cada vez mais distantes, as duas amigas continuam unidas.

Ao contrário do que é habitual, não destaco nenhuma passagem do livro, porque todo ele é um conjunto perfeito. Para além da história ser boa, a autora, cujo verdadeiro nome continua uma incógnita, tem uma escrita envolvente.

Na estante, já tenho o terceiro volume, mas vou resistir-lhe e pegar no terceiro calhamaço do Knausgard.

“1927 – Aquele Verão”, de Bill Bryson (2013)

Bill Bryson é especialista em, a partir de um determinado facto, contar-nos toda a história envolvente.

1927Assim foi, sobretudo, com Breve História de Quase Tudo (2003), mas quase todas a suas obras são verdadeiras enciclopédias de pequenas curiosidades sacadas do fundo dos arquivos, recortes de jornais, de livros esquecidos.

Este One Summer: America, 1927 é, talvez, o menos interessante de todos os livros de Bryson que já li, exactamente porque é “demasiado” americano.

O livro descreve, em pormenor, os principais factos que tiveram lugar nos Estados Unidos, de Maio a Setembro de 1927 – e foram muitos, sendo que o principal de todos foi a travessia do Atlântico por Lindbergh.

Mas houve muitos outros e Bryson fala-nos de Henry Ford e do seu modelo A, de Babe Ruth e dos seus home runs (aqui, o livro é um pouco enfadonho, até porque não pesco nada de basebol), de Sacco e Vanzetti, de Jack Dempsey e dos seus socos demolidores, de Al Capone, de Herbert Hoover, etc.

Como sempre, ler Bryson é um festival de cultura geral.

Outros livros de Bill Bryson: Em casa – Breve História da Vida Privada (2010), A Vida e as Aventuras do Rapaz Relâmpago (2006), Crónicas de uma Pequena Ilha (1998), Por Aqui e Por Ali (1992), Notas Sobre um País Grande (1999), Made in America (1994).

“HHhH – Operação Antropóide”, de Laurent Binet (2009)

HHhHVencedor do Prémio Goncourt para primeira obra, este romance de estreia de Laurent Binet é, de facto, inovador.

Inovador no modo como Binet nos conta a história, lutando constantemente contra a tentação de romanceá-la.

A chamada Operação Antropóide consistiu no plano para assassinar Reinhardt Heydrich, o chefe dos Serviços Secretos nazis, da Gestapo, o inventor da “solução final” para extermínio dos judeus.

Heydrich era conhecido como o “Himmlers Hirn heibst Heydrich” (o braço direito de Himmler – daí o título do livro).

Depois de muito planearem, dois pára-quedistas, um checo e outro eslovaco, conseguem matar o “carrasco de Praga” mas, depois de muitas mortes de inocentes, acabam também por ser apanhados e suicidam-se, juntamente com outros companheiros da resistência checa, depois de oito horas de cerco.

Claro que isto dava para escrever um daqueles romances de 600 páginas sobre a 2ª Guerra Mundial, mas Binet tenta descrever os factos de uma maneira quase jornalística e, quando a escrita lhe foge para o romance, autocritica-se imediatamente.

A 2ª Guerra Mundial é uma fonte inesgotável de histórias e não é fácil escrever mais um livro sobre esse tema, e escrevê-lo de forma diferente.

Gostei.

“O Filho”, de Philipp Meyer (2013)

philipp meyerPhilipp Meyer nasceu em New York em 1974, estudou em Baltimore, foi mecânico de bicicletas e paramédico, entre outras coisas, até que, em 2009, publicou Ferrugem Americana.

Quatro anos depois, publicou este The Son, um verdadeiro épico sobre o Oeste americano, um romance que te agarra do princípio ao fim, contando a história de uma família de colonos, os McCullough.

A história, que começa nos finais do século 19, quando os colonos dizimam os índios, e acaba nos nossos dias, é-nos contada por três elementos da família, um de cada geração.

o filhoSem dúvida que os relatos mais interessantes são de Eli McCullough. Numa noite, a casa onde vivia com os pais, a irmão e o irmão, junto í  fronteira com as terras dos índios, é atacada pelos comanches. Todos são mortos violentamente e ele é tomado como escravo, vivendo os anos seguintes com os índios, aprendendo os seus usos e costumes. Mais tarde, quando os comanches são praticamente dizimados, regressa ao convívios dos brancos e torna-se ranger, combate depois no exército sulista, na guerra da sucessão e, finalmente, estabelece-se com um rancho, que há-de tornar-se num verdadeiro império quando se descobre petróleo no Texas.

Gostei bastante de ficar a conhecer muitas coisas sobre os comanches de que nunca tinha ouvido falar, apesar de tantos filmes de cowboys e revistas do Mundo de Aventuras.

Por exemplo: para os comanches, o bisonte era como o porco é para nós – aproveitava-se tudo.

«Os bisontes abatidos eram desmanchados onde caíam, embora “desmanchados” não seja a palavra certa; os Comanches eram como cirurgiões. A pele era cortada cuidadosamente ao longo da coluna, pois a melhor carne e os tendões mais compridos ficavam mesmo por baixo, e depois era tirada ao animal. (…) O estí´mago era removido, a erva tirada lá de dentro e o restante suco de imediato bebido como tónico, ou aplicado no rosto por aqueles que tinham furúnculos ou erupções cutâneas. O conteúdo dos intestinos era espremido entre os dedos e os próprios intestinos assados ou comidos crus. Os rins, o sebo dos rins e o sebo ao longo dos lombos também eram comidos crus enquanto o animal continuava a ser desmanchado, embora por vezes fossem ligeiramente assados, juntamente com os testículos do macho. (…) Se houvesse pouca água, as veias do animal eram abertas e o sangue bebido antes de ter tempo para coagular. O crânio era fendido, os miolos mexidos numa pele não curtida e igualmente ingeridos… (…) O estí´mago era lavado, seco e usado como reservatório de água. (…) A língua, a bossa, as costelas laterais e as costelas da bossa eram todas cortes de eleição e eram guardadas para churrasco. (…)»… e assim continua por mais alguns parágrafos, com uso para os ossos, a bexiga, o pericárdio, etc.

Para além de muito bem escrito, este calhamaço de 636 páginas (edição Bertrand, tradução de Fernanda Oliveira), ajuda-nos a perceber como foi a chacina dos índios, a expulsão dos mexicanos e até a explicar como o petróleo mudou a face da América e do mundo.

Aconselho vivamente.