Consultório de Beleza – o buço

Rubrica da responsabilidade da nossa colaboradora Lizete Rimel, especializada em excrescências da cútis, com dois cursos tirados em Paris a uma pessoa que ia a passar distraída.

Vamos então ao nosso assunto de hoje, que é o buço.

O buço é uma espécie de bigode modesto que algumas senhoras possuem ou, para ser mais científico, um conjunto de pêlos situado entre a parte inferior do nariz e o lábio superior.

As senhoras detestam ter buço e fazem as coisas mais incríveis para o ocultar: disfarçam-no com água oxigenada, lixívia ou ácido bórico, rapam-no, arrancam-no e outras coisas piores. Quando os buços são mesmo muito abundantes, as senhoras, em vez de os disfarçarem, disfarçam-se elas próprias. Chega até nós a notícia de que, nos Estados Unidos, foram postas à venda umas pálas especiais, fabricadas em Singapura, que servem exactamente para tapar o buço, aplicando-as sobre aquela região, presas às orelhas por uns atilhos. Vendem-se em várias cores e com aromas delicados.

E, no entanto, o buço é tão simples de extrair, bastando um pouco de paciência e a confecção de um creme, cuja invenção data de há uma data de anos. É a famosa Pomada Buçal, que já as egípcias usavam para tirar o buço. Diz-se mesmo que a própria Cleópatra usava essa pomada, embora alguns historiadores de cosmética garantam que isso é uma mentira enorme, já que o nariz da Cleópatra era suficientemente extenso para tapar o buço.

Ora bem, a receita é simples: arranje 500 gramas de farinha de trigo e misture com 250 gramas de algodão em rama, um dente de alho, duas cebolas picadas com um alfinete, uma lata de graxa castanha, um pouco de noz mosca e derreta tudo em banho-maria ou Manuel, conforme. A mistura obtida é passada depois pelo picador e novamente se amassa até formar uma pasta de consistência duvidosa, assim entre a argamassa e o granito. Em seguida, aplica-se sobre o buço, tendo o cuidado de evitar o nariz. Há casos de senhoras que ficaram sem o nariz ao retirar a pomada…

Depois de bem aplicada, deixa-se ficar durante 22 horas e 52 minutos, findos os quais se puxa por aquilo como se fosse fita-cola. Em princípio, os pelinhos saem com um gritinho de dor. No entanto, pode acontecer que não saiam e, nesse caso, não sei.

Bom dia e paciência para todas são os desejos de Lizete Rimel, cujo buço faria inveja ao próprio Bismark.

  • in Programa da Manhã da Rácio Comercial com Júlio Isidro, 13/12/1983

Mentirolário – vocabulário da mentira

* Quando um fémur se encontra num braço, estamos na presença de um mentirosso

* A mentira nas horas de lazer recebe o nome de mentirócio

* Aqueles répteis cinzentos e repelentes que se fazem passar por simpáticas lagartixas, são as mentirosgas

* Quando um norueguês afirma que a capital do seu país é Nouatchock, deve-se chamar-lhe mentiroslo

* Um herpes simplex que se faz passar por herpes zooster, recebe o nome de mentirzona

* Uma fila em que as pessoas passam à frente umas das outras, inventando as desculpas mais incríveis, chama-se aldrabicha

* Quando aquele nosso amigo muito mentiroso nos convida a dar um passeio no seu iate novo, estamos perante um aldrabote

* Um cão que mia é um grande aldracão

* Se tem pé de atleta na mão, não passa de um aldramão

* Uma rapariga muito feiinha que vence um concurso de beleza é certamente uma aldramiss

* Um daqueles gangster manhosos que não consegue impor respeito aos seus capangas é, sem dúvida, um aldraboss

  • Pão com Manteiga – abril de 1988

Fertilidade

Fertilidade é sempre muita coisa, toneladas, aos montes, à brava, em abundância, para dar e vender, de sobra, em excesso, catadupas.

Fertilidade é um beijo hoje e gémeos nove meses depois.

Fertilidade é abrir, com uma única chave, todas as portas.

Fertilidade é Mozart.

Fertilidade é cuspir na terra e fazer nascer um faval.

As origens da fertilidade perdem-se nos tempos sem idade do nevoeiro da História.

Tudo começou com duas irmãs, provavelmente gregas: Ester e Ferter.

Ester e Ferter deitaram-se com o mesmo homem, Alfredo de Seu Nome.

Alfredo de Seu Nome era o reprodutor por excelência. Setenta por cento dos habitantes de Penopoulos era filho de Alfredo de Seu Nome.

Por isso, Ester e Ferter com ele se deitaram, uma de cada vez, noite sim, noite não, durante 31 dias.

Três meses depois, Alfredo de Seu Nome olhou para o ventre de Ester e apenas viu o umbigo. Olhou então para o ventre de Ferter e viu-o globoso, com a pele esticada, lustrosa, sob tensão.

Os meses passaram e enquanto o ventre de Ester permanecia liso e chato, o de Ferter crescia de uma maneira preocupante.

Nove meses passaram e o corpo de Ester não deitou ao mundo nada que não tivesse deitado antes.

Pelo contrário, Ferter deu à luz sete filhos – mais tarde conhecidos como os sete magníficos: Yul Breyner, Charles Bronson, Steve McQueen, Eli Wallach, Robert Vaughn e mais dois.

Foi assim que, de Ester veio a esterilidade e de Ferter, o filme de John Sturges, com a duração aproximada de 127 minutos, já disponível em vídeo.

Plurales, plurães, plurões, plurãos ou pluralistas

Abundância é plural.

E o plural é muito mal tratado na nossa língua. Esta a conclusão a que chegou o Grupo de Trabalho do Gabinete de Estudos Linguales do Pão com Manteiga.

Com efeito, se o plural de televisão é televisões, o de cão deveria ser cões. Mas se o plural de cão é cães, o de mão deveria ser mães – mas este é o plural de mãe. O verdadeiro plural de mão é mãos, pelo que o de capitão deveria ser capitãos. Ora, se o plural de capitão é capitães, o de limão deveria ser limães. Mas se o plural de limão é limões, o de mão deveria ser mões. Mas se é mãos, o plural de patrão deveria ser patrãos – ou patrães, já que o plural de pão é pães.

Por outro lado, o plural de qualquer é quaisquer, pelo que o plural de halter deveria ser haister.

Não esquecer ainda que, se o plural de barril é barris, o plural de projéctil deveria ser projectis – mas é projécteis. E, neste caso, o plural de funil deveria ser funeis.

O próprio plural de plural é plurais e não plurales, como deveria ser, já que o plural de mal é males, e não mais.

Nem mais!

  • in Pão com Manteiga, março de 1988

Grandes segredos bíblicos

* Quando Jesus disse que era mais fácil a um camelo passar pelo buraco da agulha do que a um rico entrar no reino dos céus, não contou com uma coisa muito importante: alguns ricos são mesmo uns grandes camelos!

* Os mistérios de deus são mesmo insondáveis. Se há um anjo da Guarda, por que razão não há um anjo da Covilhã? Fica ali a dois passos!

* Por vontade expressa de Jeová, o Egipto é mais rico que a Checoslováquia. Sete pragas a uma

* De Sodoma, ainda nos chegou a sodomia. Agora, de Gomorra, nada… A gomorria deve ser cá uma indecência!

* Está provado: o dilúvio apanhou os meteorologistas desprevenidos

* Ao andar sobre as águas, Jesus inventou o surf

* Afinal, parece que 30 dinheiros velaram a pena. Não há dúvida que Judas é o mais famoso dos apóstolos

* Original foi o pecado de Adão e Eva. Todos os outros não passam de cópias

* Caim matou Abel porque não havia mais ninguém à mãe e matar os pais não era muito bem visto, mesmo naquele tempo

* A profissão do pai acaba sempre por influenciar o filho. S. José era carpinteira e trabalhava com madeira e pregos. O seu filho foi pregador

* Se deus tivesse um pouco mais de calma e gastasse, pelo menos, mais vinte dias a fazer o mundo, talvez isto fosse mais bem feitinho

* Como a sua mulher fosse estéril, Abraão dormiu com a serva – que assim se tornou a precursora das barrigas de aluguer

  • in Pão com Manteiga – março 1988

Fenómenos Estranhos

Indivíduos estranhos (excerto)

* Em Frankfurt existe um homem tão míope que precisa de óculos para dormir.

* Em Sydney é conhecido o caso daquele homem tão pequeno que tem de subir a um banco para atacar os sapatos.

* Em Liverpool todos conhecem o caso do homem tão magro que a gravata lhe fica larga nos ombros.

* Algures no Utah existe um senhor que, sempre que coça a cabeça, se acende uma luz no joelho esquerdo. Não precisa de pilhas.

* Em Nova Deli há uma mulher de ascendência anglo-britânica que tem uma boca tão pequena que só consegue alimentar-se de esparguete.

* Pelo contrário, em Kampala, há uma outra mulher com uma boca tão grande que consegue comer um melão inteiro de uma só dentada, desde que feche um bocadinho a boca.

* Em Antuérpia viveu um homem que tinha as duas orelhas do mesmo lado da cabeça. Felizmente para ele, do outro lado tinha o nariz.

* Perto de Pequim habita um camponês tão velho que assistiu ao próprio nascimento.

Fenómenos estranhos (excerto)

* Um cientista dinamarquês conseguiu, ao fim de 5 anos de trabalho penoso, demonstrar que, afinal, as estátuas dos gigantes da ilha da Páscoa, não se movem. Como se sabe, era aceite que essas estátuas se deslocavam cerca de 6 milímetros por ano, em direcção ao mar e, quando atingissem as águas, o ayatollah Khomeiny aceitaria escrever uma peça de teatro com Miguel Esteves Cardoso. Khadafi forneceria as anfetaminas. No entanto, o notável cientista dinamarquês – um tal Sjorgen qualquer coisa – esteve 5 anos sentadinho na ilha da Páscoa, vigiando as estátuas dia e noite, e afirma peremptoriamente, que elas não se mexeram.

* Gregory Stewart, hortelão de Ohio, afirma ter ouvido uma das suas couve-flor proferir, em tom profético, «you Bloody bastard!». Verificou-se, mais tarde, que eram os tomates de Stewart que falavam e o norte-americano foi acusado de praticar ventriloquia em vegetais, sem a devida autorização do sindicato.

* Extraordinário fenómeno de telequinésia na 7ª Avenida, em Nova Iorque. Todo o conteúdo de uma ourivesaria foi deslocado pela força mental de um extra-sensorial para o interior de uma carrinha a diesel que, por sua vez, se deslocou pelos seus próprios meios, para bem longe dali.

* Em Abbiate Guazzone, subúrbio da pequena cidade de Tradate, a alguns quilómetros de Varese, em plena Lombardia, isto é, Itália, sem tirar nem pôr, Bruno Facchini, um homem de 40 anos e dois filhos, decidiu ir à retrete após uma valente tempestade. A retrete situava-se do outro lado do pátio e Facchini teve que se deslocar cerca de 10 metros. Quando regressava a casa, após ter satisfeito as suas mais elementares necessidades, viu um reflexo, uma cintilação que cortava a obscuridade do seu pátio. Tinha deixado a lâmpada fosforescente da cozinha acesa.

* Em Aveiro, a senhora de Castro Sintra afirma ser capaz de influenciar a saída das cartas numa jogatana de poker. Partiram-lhe dois braços.

* Na Nova Cantuária é encontrado um túmulo de um homem que, segundo os primeiros estudos, teria falecido há mais de 3 mil anos. O corpo estava intacto, as roupas praticamente novas e o próprio morto confirmou, depois de muito instado, que morrera há uma porrada de anos.

* Dois ovnis aterram em Alverca, mas ninguém vê.

Fenómenos estranhos em Portugal (excerto)

* Em Avintes, uma galinha pôs um ovo cosido com esse.

* Em Ourique, existe uma árvore genealógica com 3 metros de altura

* Em Sernancelhe nasceu uma pata com um erro genético nas vogais.

* Em S. Bento existe uma fonte geralmente bem informada que nunca deu água. Apenas mete.

* Em Viana do Castelo o sr. Rebordão tem tomates do tamanho de melões no seu quintal. Já foram fotografados e tudo.

* Em Tomar, perto do rio Nabão, foi encontrado um gambuzino com o dobro do tamanho habitual e ainda mais verde.

* Na Amareleja existe um barbeiro tão desajeitado que só faz a barba aos outros. A ele, corta-se

* Na Amadora, um gato tentou suicidar-se e só conseguiu à oitava tentativa.

Mais fenómenos estranhos

* Andar com os dois pés no chão ao mesmo tempo

* ter caspa na cabeça dos dedos

* ter umbigo na barriga das pernas

* voar nas asas do nariz

* fazer o ninho atrás da orelha e pôr ovos no sovaco

* ir para a cama com todas as meninas dos olhos

* usar soutien nos peitos dos pés

* atirar tudo para trás das costas das mãos

* estar pelos cabelos, sendo careca

* atar os nós dos dedos

* subir ao alto da cabeça

* meter a mão na consciência e sujá-la

* morrer e ir para o céu da boca

* pôr supositórios pelo rabo do olho

* ter o coração aos saltos em altura

* sofrer de dores na bacia e ser operado ao bidé

* jogar andebol no pavilhão auricular

* ter um olho de vidro martelado

* curar a bebedeira do intestino grosso

* ter as costas largas e só entrar em casa de lado

* lavar os dentes com a pasta de executivo

* ensebar o couro cabeludo

* usar pêra no queixo e nêspera nas orelhas

* ter as maçãs do rosto com bicho

* ter uma corda na garganta e engoli-la

* despir o sobretudo e vestir o realmente

* estender o cabelo escorrido

* tomar o pulso com um copo de água

* ter garrafas de tinto na caixa dos pirolitos

* colocar lentes de contacto nas pupilas do sr. Reitor

* pôr óleo nos maxilares para não ranger os dentes

* bocejar com a boca de incêndio

* engolir em seco debaixo de água

* usar suíças na Alemanha

* dormir ao ralenti e constipar-se devagarinho

* beber uma cervejinha e comer os caracóis do cabelo

* ter a cara cheia de pés de galinha, a cabeça cheia de bicos e pôr ovos pelos ouvidos

* ser analfabeto, ter nariz aquilino e chamar-se Ribeiro

* ser um testa de ferro e enferrujá-la numa noite húmida

  • Programa Pão com Manteiga – 2 de janeiro de 1983

Futebol – modalidade multifacetada

Quando o guarda-redes rechaça com os punhos – é boxe

Se o avançado executa um pontapé de bicicleta – é ciclismo

Se o guardião mergulha aos pés do adversário – é natação

Se o avançado dispara à queima-roupa – é assassínio

Se fuzila o guarda-redes – é carrasco

Se dispara sem preparação – é assassínio involuntário

Quando a bola bate na barra – é galo

Se passa por baixo das pernas do guarda-redes – é frango

Se bate duas vezes na barra e não entra – é vaca

Se o avançado está à mama – é a zoologia completa

Se a bola pinga sobre a baliza – há molho

Se os avançados fazem tabelinha – é bilhar

Quando o jogador chuta na relva – é desprezo pelos espaços verdes

Quando atira para a terra de ninguém – é um perdulário

Quando o avançado surge isolado na grande área – é a solidão

Quando o defesa corta – há sangue

Quando o defesa se corta – é maricas

Se o jogador se agarra muito à bola – é fanático

Se passa em profundidade – é escafandrismo

Quando o avançado se interna no campo adversário – está doente

Se se agarra muito à linha – é alfaiate

Se o guardião defende in extremis – é latim

Se o defesa alivia de qualquer maneira – é porcalhão

Se o defesa, atento, está sempre em cima do adversário – é a dor nas costas

Quando o avançado centra solicitando a cabeça de um companheiro – é um sanguinário

Se o guardião oferece o corpo à bola – é um depravado

Se o jogador vai a todas – é um garanhão.

Anúncios Pão com Manteiga

* Evite o roubo – junte-se a nós. Nunca roubamos colegas.

* Monte Gordo – que o magro não aguenta

* Drogaria – se não fosse proibido. Assim, tenho medo da polícia

* Andar Baixa – faz mal à espinha; endireite essas costas

* Dá-se 5 000$00 – a quem der 10 000$00. Negócio absolutamente limpo. Lavo sempre as mãos antes de receber a massa

* Furos para água – orifícios para vinho, buracos para cerveja, aberturas para leite, covas para laranjada. Fazemos orçamentos.

* Parede vende-se – pintada de verde, sem buracos de pregos. Tem apenas um quadro pendurado

* Bom Andar – tudo depende dos sapatos. Use o nosso calçado e verá como andará bem

* Quinta Compro – sexta vendo. Sou um inconstante

* Paio Pires – Mortadela Amaral, Presunto Silva, Bacon Oliveira, Salsichas Borsalino. Carnes das melhores proveniências

* BMW, DKW, VW – Pltr rtgsls  ldkjhd lslkjdh

* Andar na Pontinha – é perigoso; mantenha o equilíbrio!

* Sementes – levas porrada! É muito feio mentir.

  • in revista Pão com Manteiga, diverso números, 1981/2

A Cara

Sinónimos: rosto, face, tromba.

Breve explicação: um homem sem cara não é um verdadeiro homem. Provavelmente não será também uma mulher. A cara é, portanto, uma das partes mais importantes do corpo humano e justifica-se que nos ocupemos dela nesta primeira lição.

Localização: a cara localiza-se um pouco acima do pescoço, mas não muito. Apenas o suficiente para não se confundir com o tórax.

Conteúdo: é muito variável de pessoa para pessoa. No entanto, determinados constituintes existem na esmagadora maioria dos humanos, nomeadamente a boca e o nariz.

A boca trata-se de uma abertura logo acima do queixo, rodeada por duas faixas mais ou menos vermelhas, a que chamamos lábios. Note-se que a boca pode estar aberta ou fechada e possui uma propriedade fundamental, que poderá ser facilmente comprovada pelo leitor atento. Para tal, pegue num pedaço de pão com cerca de 8 centímetros e tente introduzi-lo no nariz, nas orelhas e assim sucessivamente.

Não conseguiu, não é verdade?

Pois tente agora enfiá-lo na boca.

Que tal? Entrou, não foi?

E, mesmo sem dar por isso, o leitor desatou a fazer movimentos com os dentes, para cima e para baixo, e acabou por engolir o pão. Experimente com o pão barrado com manteiga. Mais agradável ainda, hem? Pois é a isso que se chama comer. Já sabia, com certeza… Nem sempre se pode ser original…

Bom, acima da boca está o nariz. O nariz é um apêndice com alguns centímetros de comprimento e dois orifícios. Trata-se de um órgão muito útil, mesmo imprescindível. Assim, o nariz serve para nos assoarmos, mas, sobretudo, para metermos o dedo no nariz.

Como é do conhecimento geral, sem nariz não se poderia meter o nariz onde não se é chamado, não se poderia torcer o nariz, a mostarda nunca nos subiria ao mesmo. Serve também para levar murros e é muito utilizado quando está nevoeiro; nestas alturas, medimos um palmo à frente do nariz e se não enxergarmos coisa nenhuma, confirma-se que está nevoeiro.

Além da boca e do nariz, a cara pode ainda possuir dois olhos, com as respectivas sobrancelhas e duas orelhas – mas nem sempre. Pouco se sabe quanto à utilidade dos olhos, embora muita gente os utilize para ver.

A expressão “comer com os olhos” deve ser banida, uma vez que ficou provado que é com a boca que se come. Tal como no nariz, também se dão murros nos olhos ou, de preferência, deita-se-lhes poeira.

Das orelhas, conhecem-se apenas duas utilidades: ou servem de abano, se forem grandes, ou se faz o ninho atrás delas. De resto, são inestéticas e desprovidas de interesse.

Função: falámos do conteúdo da cara e da utilidade de cada uma das suas partes. Mas a cara propriamente dita, como um todo, merece uma referência à parte.

Como se sabe, existem vários tipos de caras, nomeadamente, a cara de parvo, a cara de mau, a carantonha, a cara de pau, a cara de poucos amigos, e a vida, que está cara. Por vezes, a cara serve para se transformar em bolo. O leitor talvez não acredite, mas se fizer mais uma pequena experiência, comprovará que não o estamos a enganar. Esta experiência pode realizá-la na cara de um amigo seu, ou na sua própria cara, em frente a um espelho, não necessitando de nenhum material especial. Basta, de facto, de dar uma série numerosa de socos no nariz e nos olhos (cf. Referências anteriores a estes dois órgãos). Como vê, tem a cara feita num bolo. Aproveite e coma-o. Com a boca, claro. É para isso que ela serve, como já aprendeu no início desta lição.

Conclusão: mas nestas coisas de anatomia, as aparências iludem muito. É

 frequente, por exemplo, que um tipo com cara de poucos amigos, tenha um fígado impecável. Aliás, quem vê caras, não vê corações, como se sabe…

  • in Revista pão com Manteiga, nº1, junho 1981

A Água

A água é um dos líquidos mais úteis ao homem e sem ela a nossa economia chegaria à ruína. Aliás, já anda lá perto…

Felizmente, apesar da seca que assola o país real (porque o outro, o país imaginário, já é uma seca desde o tempo do Eça de Queiroz, pelo menos), apesar da seca, dizíamos, a água encontra-se facilmente. Basta procurá-la, por exemplo, nos rios, mares, oceanos, lagos, lagoas, albufeiras, riachos, ribeiras, poços, charcos, pântanos, sargetas, fontes, nuvens e, por vezes, também nos canos, não é pal?

Sem água, seria o desemprego, as indústrias arruinar-se-iam. Note-se, por exemplo que, sem água não haveria submarinos, banheiras, bidés, lavatórios, torneiras, paquetes, navios, bisnagas, garrafas, boias, nadadores-salvadores, fatos de banho, âncoras, pescadores, minhocas, linguados, safios e outros peixes, algas, alforrecas, corais,  ilhas, quedas de água, cascatas, cataratas, arquipélagos, porta-aviões, borrifadores, chuveiros, canos, desentupidores, canalizadores, estações elevatórias, o homem da Atlântida, piscinas, pranchas de saltos, barbatanas, termas, mangueiras, bombeiros, o deserto deixava de fazer sentido, ninguém tinha sede, não teria piada nenhuma atravessar o Canal da Mancha a pé ou ir a Cacilhas de mota, não haveria chuva, nem chapéus de chuva, nem aguaceiros, nem gabardinas, nem galochas, cargas de água, trombas de água, até mesmo o desporto perderia várias modalidades, a natação, o polo aquático, a pesca submarina, não haveria naufrágios, maremotos, inundações. Enfim, vendo bem, talvez até fosse bom que não houvesse água!

Mas há água!

Pior ainda, existem diversas qualidades de água. E nem sempre no estado líquido. Com efeito, encontramos a água no estado sólido, sob a forma de gelo ou água mineral. No estado líquido, citemos a água-ardente, que é “um fogo que arde se beber”, como já dizia Camões; a água-pé, que me dispenso de comentar porque não gosto de conversas baixas; a água-rasca, espécie de água de má qualidade, utilizada para tirar manchas de tinta; a água-mole, utilizada para furar pedras duras – processo que requer muita persistência; a água destilada, que se obtém correndo 3 mil metros com um copo de água na mão – a meio do percurso, o copo começa a suar e a água destila; a água potável, armazenada em potes; a água lisa, para lavara a Mona; a água salgada, com a qual se preparam as lágrimas dos portugueses; a água doce, para bolos e outras guloseimas, etc…

Antigamente, também se fabricava a chamada água de colónia, mas como os novos métodos de exploração dos países do 3º mundo, a sua denominação mais correcta será água das ex-colónias.

Ah! e a água benta, que é a água da chuba, quando batida pelo bento.

  • in Pão com Manteiga, Rádio Comercial, 20-09-1981