Doutores arquitectos

A minha avozinha, que viveu até aos 94 anos, achava que toda a gente que tinha um curso devia ser doutor. Por isso, nunca dizia “advogado” ou “arquitecto” – dizia sempre “doutor advogado” ou “doutor arquitecto”.

A importância do “dê-érre” está bem patente na campanha institucional das “Novas Oportunidades”.

Nessa campanha, vemos, por exemplo, Carlos Queiroz a aparar a relva de um campo de futebol, Pedro Abrunhosa a indicar os lugares numa sala de espectáculos e Judite de Sousa como empregada de uma papelaria.

Supostamente, estas três “figuras públicas” não teriam singrado na vida se não tivessem terminado os respectivos cursos.

Quer dizer que teríamos perdido um treinador mediano, um artista limitado e uma jornalista banal.

Ou será que teríamos perdido um excelente aparador de relva, um óptimo arrumador de cinema e uma formidável empregada de papelaria?

Que merda de fixação é esta pelos graus académicos?

Terá alguma coisa a ver com o facto do engenheiro técnico Sócrates não estar inscrito na Ordem dos Engenheiros e toda a gente dar muita importância a isso – ou é, apenas, uma campanha publicitária falhada?

Se todos formos doutores, quem nos recolhe o lixo, desentope os canos, asfalta as ruas, apara a relva ou vende os jornais?

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3 thoughts on “Doutores arquitectos

  1. O que faz falta em Portugal são bons técnicos. E esses foram arrumados na minha geração com esta mania que toda a gente tinha que ter muitos estudos, para contrariar a imagem de Portugal, o país dos analfabetos. Acontece que continuamos com muitos analfabetos, com ainda mais “analfabrutos” e com muitos licenciados a procurar trabalho nas caixas do Jumbo, onde são sistematicamente recusados por excesso de formação.

    As escolas profissionais deveriam ser muito mais apelativas e o acesso í s mesmas muito mais simplificado.

  2. Esperto foi o marocas. Não se cansou, tirou o curso com um dézito e claro, dedicou-se í  política. Fez uma linda carreira, sim senhor. Estou mesmo convencido que perdemos um excelente lavador de roupa suja.
    No caso de SSócrates, desenrascou-se com uma bach e como todo o xico esperto comprou um canudinho.
    Ganhámos um mau coveiro perdemos um excelente pedreiro.

  3. O Estado com esta campanha pretende aumentar o número de pessoas com escolaridade, no entanto, esquece-se que continuamos a ter pessoas com um baixo nível de literacia.
    Em suma, é só canudos para a UE ver.

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