Entre 1974 e 1977 fui jornalista. Com carteira profissional. Trabalhei na redacção do Telejornal da RTP. Naqueles tempos conturbados do post-25 de Abril, fui sub-chefe de redacção, responsável pela última edição do Telejornal, que ia para o ar já depois da meia-noite.
A 28 de Outubro de 1977, já com o curso de Medicina terminado, deixei a profissão. Organizaram-me um jantar de despedida, no restaurante “O Jacinto“. Presentes cerca de 50 jornalistas da RTP (Hélder de Sousa, Cesário Borga, José Eduardo Moniz, Adriano Cerqueira, Mário Cardoso, Avelino Rodrigues, Nuno Vasco, Bessa Tavares, Pedro Luís de Castro, Sarsfield Cabral, Carlos Albuquerque e muitos outros.
Fiz um discurso, claro.
Do alto dos meus 24 aninhos, zurzi nos jornalistas, como correias de transmissão do Poder.
O discurso terminava com esta frase:
“Espero que um dia destes, os jornalistas constituam uma espécie em vias de extinção. Paulatinamente, serão substituídos pelos mensageiros da correspondência colectiva”.
De certo modo, estava a antecipar as redes sociais, e não podia adivinhar que elas poderiam ser tão más ou piores que os jornalistas…
Tudo isto vem a propósito do título de primeira página do Expresso de ontem.
Os tipos da página Os Truques da Imprensa Portuguesa têm desmontado, com eficácia, coisas semelhantes, mas elas não param!
Portanto, segundo o título do Expresso, António Costa deu 1200 milhões de euros ao PCP e ao Bloco de Esquerda!
Mas onde é que isto já chegou?!
Os partidos da chamada geringonça já negoceiam milhões entre eles?
Logo no subtítulo, ficamos a saber que desses 1200 milhões, metade vai para os pensionistas que, como toda a gente sabe, são todos do PC ou do Bloco…
Vejamos então o que diz a notícia, no interior do jornal:
“As cedências do Governo aos partidos de esquerda vão custar cerca de 1200 milhões entra 2016 e 2019. Este valor corresponde ao acréscimo de despesa (ou diminuição da receita) acumulado durante os quatro anos de legislatura perante o que estava originalmente previsto pelo PS. É um montante que corresponde a cerca de 0,5% do PIB mas que, na prática, acaba por não ter grande impacto orçamental já que está diluído por vários anos e, além disso, o crescimento económico tem batido as expectativas iniciais.”
Se um tipo ler só o título, fica indignado com o facto do Costa andar agora a dar milhões aos parceiros da geringonça e depois, afinal:
- O dinheiro é para os portugueses, independentemente de quem votam;
- Os 1200 milhões são distribuídos ao longo de quatro anos
- O impacto desse montante no PIB é desprezível
Sendo assim, qual é a grande manchete do Expresso de ontem?
Porra nenhuma!