Jornalismo paroquial

Corre na net um mail que tenta retratar a comunicação social portuguesa. Corre assim, em resumo:

“Como seria noticiada hoje em Portugal a história do Capuchinho Vermelho…
TELEJORNAL – RTP1
: “Boa noite. Uma menina chegou a ser devorada por um lobo na noite de ontem… mas a actuação de um caçador evitou uma tragédia”
JORNAL DA NOITE – SIC:
“Vamos agora dar-lhe conta de uma notícia de última hora. Uma menina foi literalmente engolida por um lobo quando se dirigia para casa da sua avó! Esta é uma história aterradora mas com um final feliz… o Sr. telespectador não vai acreditar mas, esta linda criança foi retirada viva da barriga do lobo! Simplesmente genial!”
JORNAL NACIONAL – TVI: “… onde vamos parar, onde estão as autoridades deste país?! A menina ia sozinha para a casa da avó a pé! Não existe transporte público naquela zona? Onde está a família desta menina? E a Comissão de Protecção de Menores? Tragicamente esta criança foi devorada viva por um lobo. Em épocas de crise, até os lobos, animais em vias de extinção, resolvem aparecer?? Isto é uma lambada na cara da actual governação portuguesa.
CORREIO DA MANHíƒ:
“Governo envolvido no escândalo do Lobo”
JORNAL DE NOTICIAS:
“Como chegar í  casa da avozinha sem se deixar enganar pelos lobos no caminho”
Revista MARIA:
“Dez maneiras de levar um lobo í  loucura na cama”
LUX:
“Na cama com o lobo e a avó”
EXPRESSO:
Legenda da foto: “Capuchinho, í  direita, aperta a mão do seu salvador”. Na reportagem, caixa com um zoólogo explicando os hábitos alimentares dos lobos e um imenso infográfico mostrando como Capuchinho foi devorada e depois salva pelo lenhador.
PíšBLICO:
“Lobo que devorou Capuchinho Vermelho seria filiado no PS”
SOL: “Gravações revelam que lobo foi assessor político de grande influência”

Esta ideia é já antiga, pegar numa notícia e dar-lhe as várias versões, conforme o órgão de comunicação que dá a notícia. Claro que, logo aqui, há uma incongruência: se é uma notícia, não devia haver diferentes maneiras de a transmitir, se a comunicação social fosse, de facto, independente.

Só que não é.

E, na nossa paróquia, a comunicação social é cada vez menos independente. E cada vez mais saloia, no mau sentido da palavra.

A propósito do tornado que varreu a região de Tomar, assisti hoje, no telejornal da SIC, a reportagens patéticas. Sexagenários a dizerem coisas definitivas como «nunca vi nada assim», velhotas, com lágrimas nos olhos, dizendo que «o bidro caiu-me de ximo da minha cabexa» e  massacres de reportagens mostrando, em detalhe, a destruição de oficinas, de telhados, de postes de electricidade, como se todo o país estivesse envolto em caos. E o telejornal arrastando-se, de quintal em quintal, de telhado em telhado – se estes jornalistas se mudassem para o Nebrasca ou para o Arkansas, o telejornal duraria 5 horas, no mínimo, para poder descrever, em pormenor, os danos causados por um tornado.

Mas o que mais me irritou nesta cobertura jornalística, foi a reportagem de uma loira, directamente de Casais, no concelho de Belmonte.

A loira comentou (não noticiou) a visita do ministro da Administração Interna, Rui Pereira, í  região. Que o ministro não tinha levado dinheiro, nem sequer promessas, que ninguém lhe tinha ligado nenhuma, que as pessoas continuaram a arranjar o que o tornado estragou e nem olharam para o ministro, que não acreditam que ele ajude, que ele tentou atirar as responsabilidades do pagamento dos prejuízos para a Câmara e eu, que até acho que o Rui Pereira é um ministro arrelampado e deslocado, que parece fazer um grande esforço para perceber o que se passa, embora raramente perceba o que o rodeia, fiquei com pena do homem. Quer dizer: o tipo foi lá para se inteirar dos estragos e a loira queria que ele levasse já o livro de cheques, para dar dinheiro í queles tipos todos? E, ainda por cima, a jovem repórter loira, de casaco da Desigual, garantiu que a população de Cascais tinha ficado desiludida com a visita do ministro!

Sim, a população de Cascais!

Tão loira é a repórter que decidiu rebaptizar a localidade de Casais, juntando-lhe um “cê”.

No Nebrasca, esta gaja estaria a trabalhar no The West Nebraska Oberserver, na secção de correio sentimental…

3 thoughts on “Jornalismo paroquial

  1. “lobo que devorou capuchinho vermelho seria filiado no ps”. notícia independente: lobo (de quatro patas) classificado em 16º melhor dos seus pares.notícia menos dependente: lobo (de quatro patas)classificado em 3º pior dos seus pares.

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