Quem diria que Umberto Eco, agora com 83 anos, tinha um sentido de humor tão apurado e era capaz de escrever uma sátira tão bem esgalhada.
É que depois de títulos, digamos, tão sisudos como O Nome da Rosa, O Pêndulo de Foucault ou O Cemitério de Praga, eu não estaria í espera de um Número Zero tão bem disposto e que se lê de uma penada (também são só 160 páginas e eu, ultimamente, só tenho lido tijolos de 600 páginas, no mínimo!)
O Número Zero é sobre um jornal, chamado Amanhã, financiado por um Comendador, que pretende editar apenas números zero, com notícias e artigos que possam ameaçar certas pessoas importantes, a quem o Comendador queira influenciar.
Nas primeiras páginas do livro, Eco denuncia os truques que a comunicação social utiliza para nos implantar determinadas opiniões. Claro que o jornalista não pode e não deve emitir uma opinião, mas pode sempre entrevistar um popular que emite essa opinião por ele.
Os diálogos entre os vários jornalistas da redacção são bem divertidos, como este, por exemplo:
«No seu artigo sobre as prostitutas usa expressões como fazer um cagaçal, encanzinamento, conversa de merda e põe em cena uma putéfia que diz vai levar no cu»
«Mas é assim», protestou Constanza. Agora todos usam palavrões, mesmo na televisão, e dizem caralho, inclusive as senhoras.»
«O que faz a alta sociedade não nos interessa. Nós devemos pensar nos leitores que têm ainda medo dos palavrões.»
Um dos jornalistas, entretanto, está a investigar a possibilidade de Mussolini não ter sido assassinado e estar ainda vivo, quem sabe, na Argentina e tudo isso envolveria uma teoria da conspiração gigantesca. O desenvolvimento desta história acabará por levar ao fim do jornal e, sinceramente, cheira-me que Eco queria mesmo contar esta história mas, como não dava para fazer uma romance, envolveu-a na história do jornal.
Número Zero é uma pequena novela que se lê rapidamente e com prazer.
Uma pequena nota para um erro frequente em português, mas que não se devia ver num livro.
Está na página 52 e seguintes:
«Porque crescem as bananas nas árvores», em vez de “por que crescem as bananas nas árvores”. Esta confusão entre “porque” e “por que” repete-se mais de vinte vezes! É obra!