O Marques era guarda-freio há quarenta anos.
Hipertenso, diabético, obeso, com um colesterol a trepar e apneia do sono, estava deserto que chegasse a reforma. E ela estava mesmo para breve.
Com pena do homem, os seus superiores colocaram-no na carreira 28, a que está na moda, a que vai da Estrela í Graça, passando pela Baixa e por Alfama.
Fizeram mal.
O Marques detestava a confusão dos turistas e mal sabia falar português, quanto mais exprimir-se em línguas estrangeiras.
Disseram-lhe que era apenas durante umas semanas. Só até í reforma.
Ainda por cima, o Marques mantinha aquele bigode republicano, de pontas retorcidas, que ficava tão bem com o amarelo do 28…
O homem lá aceitou, com a esperança de que fossem apenas algumas semanas, como prometido.
No primeiro dia ficou logo arrependido. O 28 era uma confusão de brasileiros, ingleses, alemães, franceses e outras nacionalidades de que ele nunca tinha ouvido falar; perguntavam-lhe coisas e mais coisas e ele respondia com um encolher de ombros porque não percebia patavina.
E depois havia os carteiristas, que até tinham passe e tudo e, de vez em quando, a polícia, para os afugentar.
Ao fim da primeira semana de trabalho no 28, o Marques estava farto e pediu transferência de carreira.
Disseram-lhe que era só mais uma semana. Estavam í espera de um guarda-freio novo, que estava a acabar um curso acelerado de línguas e que estava também í espera que o bigode crescesse, para ficar como o do Marques. Dava um toque very tipycal…
Contrariado, o Marques voltou ao trabalho.
Logo a meio da manhã, ali para os lados do Martim Moniz, sentiu uma picada no peito. Devia ser a tensão arterial a subir. Ainda por cima, tinha-se esquecido de tomar os comprimidos da manhã.
Ali perto do Chiado, a picada acentuou-se. Uma turista magricela, perguntou-lhe qualquer coisa. No meio daquela algaraviada, percebeu a palavra “…assembleia”. É ali em baixo, respondeu o Marques.
E não disse mais nada.
A dor no peito era como uma mão a apertar; aumentou com tal intensidade que o Marques caiu sobre a o freio do 28.
E foi por isso que o eléctrico parou…