McCartney III (2020)

A desculpa é a seguinte: Paul McCartney esteve confinado por causa da covid 19 e decidiu gravar um disco, em que toca todos os instrumentos, tal como já tinha acontecido no disco de 1970, o primeiro a solo, depois do fim dos Beatles, e no de 1980.

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Portanto, este é o McCartney III, o terceiro disco em que o ex-Beatle canta, faz os coros, toca todos os instrumentos e produz o disco.

Temos de dar algum desconto, porque o homem tem 78 anos e, com o passado que tem, pode fazer o que lhe apetece, mas o disco é banal e ouve-se sem nenhum sobressalto.

Como ele diz, na canção Seize the Day, “…dinossaurs and Santa Clauss will stay indoors tonight”.

É o que apetece, quando se ouve este disco, ficar em casa.

Por que raio este ancião lançou mais um disco?

Porque pode.

Acredito que lhe deve ter dado muito gozo, mas… o que já foi, não volta a ser…

“Epidemias e Sociedade”, de Frank M. Snowden (2019)

Aqui está um livro oportuno e que todos os “…especialistas” televisivos deviam ler, antes de fazerem os seus comentários alarves sobre a pandemia do coronavírus.

Frank M, Snowden é o pseudónimo do professor de História da Medicina da Faculdade de Yale, de seu nome Andrew Downey Orrick (N. 1946).

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O livro começou como um curso de licenciatura na Universidade de Yale, tentando responder í s preocupações sobre as epidemias emergentes, caso do ébola, gripe das aves e SARS. As aulas destinavam-se a alunos de Medicina e a cientistas em post-graduação.

Snowden pegou nessas aulas e transformou-as neste excelente calhamaço de quase 700 páginas, abordando as três epidemias da peste, a varíola, a influência da febre amarela, da disenteria e do tifo nas grandes derrotas de Napoleão, as correntes médicas de Paris, o movimento sanitário e a teoria dos germes, as epidemias de cólera, a tuberculose, a malária na Sardenha, a poliomielite, o VIH/sida, a SARS e o ébola.

Apesar do livro ter sido lançado antes do aparecimento do novo coronavírus, Snowden, de certo modo, já previa o aparecimento de uma nova pandemia e alertava para o facto de o mundo, apesar de todos os ensinamentos do passado, não estar preparado para a enfrentar.

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Uma imagem com texto, livro

Descrição gerada automaticamenteO autor acrescentou uma pequena introdução, já este ano, onde diz, nomeadamente que “…como todas as pandemias, a do covid 19 não é um acontecimento acidental e aleatório”.

Snowden faz questão de contextualizar todas as pandemias, mostrando-nos que todas têm contornos sociológicos bem definidos, atacando, quase sempre, as classes mais pobres. Por outro lado, a luta contra as pandemias tem sido, quase sempre, titubeante, por razões económicas, ideológicas e políticas.

Cito apenas três ou quatro passagens do livro, apenas para mostrar o tom do texto.

Sobre a varíola nos Estados Unidos:

“…Devemos acrescentar aqui o facto de que as mortes espontâneas dos americanos nativos foram í s vezes reforçadas por genocídios intencionais. O precedente foi estabelecido pelo oficial do exército britânico, Sir Jeffery Amherst, que introduziu o genocídio na América do Norte quando deu deliberadamente cobertores infectados com varíola aos nativos americanos, para os «reduzir».

Sobre a tuberculose e o medo que ela provocou, quando a epidemia se espalhou no final do século 19:

“…os bancos esterilizavam as moedas e o Departamento do Tesouro retirava as notas antigas e emitia substitutas não contaminadas. De acordo com o Laboratório de Pesquisa de Nova Iorque, os testes determinaram que as moedas de penny sujas apresentavam uma média de vinte e seis bactérias vivas cada uma e as notas sujas, setenta e três mil.

As barbas e os bigodes deixaram de ser preferência, depois de terem estado na moda durante a maior parte da segunda metade do século XIX. As bactérias poderiam aninhar-se entre os bigodes e cair no prato de outra pessoa, ou passar de lábios durante um beijo”.

Com a erradicação da varíola e o quase desaparecimento da poliomielite, mais o advento dos antibióticos, as autoridades de saúde de todo o mundo pensaram que tinham ganho a guerra contra as doenças infecciosas:

“…em 1992, o governo federal dos Estados Unidos atribuiu apenas 74 milhões de dólares para a vigilância das doenças infecciosas, enquanto os funcionários da saúde pública davam prioridade a outras preocupações, como as doenças crónicas, u usio do tabaco, a geriatria e a degradação do ambiente.”

Quanto í  recente epidemia do ébola e a falta de preparação dos países africanos para a enfrentar, Snowden dá uma valente chapada nos liberais:

“…Um tal grau de falta de preparação resultou de uma combinação de circunstâncias, que ainda se verificam hoje. Uma é o tratamento da saúde como uma mercadoria no mercado, em vez de ser um direito humano. Bem antes da erupção do ébola, as decisões do mercado evitaram que a ífrica Ocidental tivesse as ferramentas para enfrentar a emergência. As farmacêuticas priorizaram o tratamento das doenças crónicas das nações industrializadas, onde se pode ter lucros, em detrimento do desenvolvimento de drogas e vacinas para as doenças infecciosas dos pobres.”

Portanto, estamos perante uma obra fundamental para perceber as pandemias, incluindo a do coronavírus.

O livro foi editado por cá em outubro passado, pelas Edições 70. A tradução é de Alexandra Cardoso, Pedro Vidal e Rui Santos. A este triunvirato apenas tenho de chamar a atenção para a página 470, onde se diz “…esplenomegália, um doloroso inchaço do pâncreas”.

Não é. Esplenomegália é o aumento do volume do baço…

Alguém levantou uma pedra..

E de lá começaram a sair lacraus há muito escondidos.

Santana Lopes, Cavaco Silva e até Passos Coelho.

Gostava de saber o que o PPC diria a esses queixinhas que andam para aí, choramingando por causa das medidas do estado de emergência.

Agora com o seu novo look descapotável, Passos Coelho parece querer voltar í  ribalta.

Quando o PSD se estatelar nas autárquicas, estará pronto para triturar o Rui Rio e regressar, triunfante, para gáudio do Vent$ra…

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Cada vez mais o cão morde no homem

A comunicação social, em geral, adopta, cada vez mais, esta atitude de procurar sempre a defesa das minorias, o que poderia ser uma coisa digna de aplauso, mas que acaba por ser uma posição irritante.

O exemplo mais recente desta atitude centra-se no combate í  pandemia.

Ninguém estava preparado para o covid 19.

Quando se fizerem as contas, no final de mais esta pandemia, ninguém se poderá vangloriar de ter antecipado o problema e de o ter enfrentado com notável sucesso.

Ao longo destes meses, a comunicação social tem enchido a boca com o exemplo da Suécia. Hoje, o rei dos suecos declarou publicamente que o país tinha falhado, no que respeita combate contra o covid, sobretudo nesta segunda onda.

Outro exemplo que a comunicação social levou aos píncaros, nomeadamente a Dona Sandra Felgueiras, da RTP, foi o da República Checa. Também já passou í  história, perante o aumento do número de casos.

Por cá, os jornais e as televisões partiram sempre do princípio de que o SNS é uma merda e que a ministra da Saúde é uma incompetente e que a directora-geral da Saúde, uma tonta. Os hospitais estiveram sempre í  beira da ruptura, os doentes estiveram sempre a morrer por falta de diagnósticos, nunca houve testes suficientes, as medidas foram sempre insuficientes ou, pelo contrário, foram a mais, os ventiladores eram poucos, depois eram suficientes, mas faltava-lhes um adaptador para o oxigénio (gostava de saber se os jornalistas fazem ideia do que é um ventilador, quanto mais uma cena para o oxigénio…).

O Público e a RTP conduziram um inquérito sobre a avaliação que os portugueses fazem do trabalho das autoridades, no que respeita ao combate ao covid.

Anunciaram, em parangonas, que 17% dos inquiridos classificavam como mau ou muito mau o desempenho da ministra Marta Temido; no entanto, mais de 80% disseram que o trabalho dela foi razoável, bom ou muito bom.

Idêntico raciocínio fez a comunicação social em relação a António Costa ou Graça Freitas, ou seja, as opiniões positivas ou razoavelmente positivas foram escamoteadas, em favor da minoria das opiniões negativas.

Mas, no que respeita í  vacina contra o covid, a atitude da comunicação social é ainda mais preconceituosa.

Os jornalistas, em geral, ignoram que Portugal é um dos países do Mundo com taxas mais elevadas de vacinação ““ e que essa vacinação é feita, toda, nos nossos Centros de Saúde. As nossas equipas de enfermagem vacinam contra o tétano, poliomielite, tosse convulsa, parotidite, sarampo, rubéola, meningite, etc, há décadas.

E como são ignorantes neste campo, os jornalistas encheram a boca com os alemães, que estão a preparar pavilhões para vacinações em massa, como quem diz, vêem como eles são bons e nós somos uma merda?!…

Afinal, parece que a Pfizer não vai ser capaz de fornecer o número de doses que previa, pelo que, a nós, Portugal, cabem 9 750 doses, para já. Para as nossas enfermeiras, vacinar 9 750 pessoas vai ser como limpar o cu a meninos.

Ontem mesmo, os jornais embandeiravam com a notícia de que a França e a Alemanha iam começar a vacinação a 27 de dezembro. Afinal, parece que TODOS os países da União Europeia vão começar nesse dia. Portugal TAMBÉM!

Finalmente, no tal inquérito do Público e da RTP, perguntava-se se os portugueses estavam dispostos a ser vacinados contra o covid.

Três em cada quatro responderam que sim, mas isso era mau, em termos de notícia. Pois se estava estabelecido, pelos órgãos de comunicação social, que a campanha de vacinação ia correr mal, que não havia pessoal suficiente, que os centros de saúde não seriam capazes de cumprir a tarefa ““ era preciso dar uma ideia diferente da opinião geral dos inquiridos.

Por isso, noticiou-se que um em cada quatro portugueses não pretende ser vacinado para já…

Ora, porque não vão dar banho ao cão?…

A fome é negra!

Ao terceiro dia de greve de fome, exigimos uma reunião com o Presidente da República.

Estamos fortes e unidos e esta luta é para levar até ao fim.

Decidimos não ingerir nada a não ser água ou chá com açúcar.

Ao quarto dia de greve de fome percebemos que o Presidente tem mais coisas importantes para tratar, mas exigimos a presença do Primeiro-Ministro.

Continuamos fortes e unidos, mas com um ratinho no estí´mago…

Nada nos fará desistir da nossa luta!

Ao quinto dia de greve de fome não queremos que digam que somos inflexíveis e, em vez do Primeiro-Ministro, aceitamos uma reunião com o ministro da Economia.

Apesar de continuarmos fortes e unidos, estamos esganados de fome; um de nós teve que ir ao hospital levar um soro e regressou ainda mais forte e determinado.

Ao sexto dia de greve de fome, sonhámos com um Big Mac e aceitámos uma reunião com o presidente da Câmara. Confesso que até aceitávamos um vereador, ou mesmo um presidente da Junta.

Vamos todos comer croquetes!

“Em Português Nos (Des)Entendemos”, de João Carlos Brito (2020)

Mais um livrinho curioso que se lê de uma penada.

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O seu autor, licenciado em Línguas e Culturas Modernas, lista aqui uma série de regionalismos, termos de calão e linguagem corrente e fornece uma possível explicação para cada um.

Por vezes, a explicação que o autor dá pareceu-nos um pouco fantasiosa ou demasiado enviesada, mas enfim, não deve ser fácil descobrir por que raio os habitantes do Porto chamam jeco ao cão, ou os do Ribatejo digam que cramunhar é o mesmo que fazer muito barulho.

O livro não pretende ser exaustivo, razão pela qual, nos vários termos usados pelos do Porto, não aparece, por exemplo, o célebre cimbalino. Para já não falar nos termos que o autor escolheu para Lisboa, e onde não figuram dar de frosques, chatear o Camões, dar corda aos sapatos e muitos outros.

O autor dividiu o livro em capítulos e cada capítulo refere-se a uma região do país.

Ficámos a saber, por exemplo, que, no Minho, um cachecol é cochiné; em Trás-os-Montes, bodalhice é uma porcaria; no Porto, aloquete é um cadeado; nas Beiras, apichar é avivar o lume; no Ribatejo, afonicar é estragar; no Alentejo, uma pessoa simples é um parrascano; no Algarve, feniscadinho é um tipo muito magro; na Madeira, chinesa é um chávena de café com leite; e nos Açores, ministra é uma mesa de cabeceira.

“Olive Kitteridge”, de Elizabteh Strout (2008)

Elizabeth Strout (Portland, Maine, 1956), ganhou o Prémio Pulitzer com este romance, mas, na sua carreira, tem já mais alguns best-sellers. Em Portugal, para além deste, tem publicados “…Tudo é Possível” e “…O Meu Nome é Lucy Barton”.

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Olive Kitteridge foi professora de matemática em Crosby, uma pacata povoação próxima de Portland, no Maine. É uma mulher grande, que engordou depois da menopausa, mas, sobretudo, é uma mulher mal humorada, sempre zangada com o mundo.

Toda a gente em Crosby conhece Olive e o seu mau feitio; é casada com Henry, o dono da farmácia local ““ um homem simpático, o oposto da mulher.

A narrativa começa quando ambos estão í  beira da reforma e continua até pouco depois da morte de Henry.

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Cada capítulo conta-nos uma história que, de algum modo, está relacionada com Olive, embora ela nem sempre participe directamente na história.

Há a história da pianista alcoólica, do ex-aluno de Olive que se quer suicidar, da mãe destroçada pelo crime do filho, e mais.

Olive tem dificuldade em aceitar o facto do seu filho ter casado com uma mulher que ela detesta e se ter mudado para a Califórnia. Cristopher quis fugir de uma mãe autoritária e azeda.

É com este ambiente que a narrativa evolui, sempre com muito interesse.

A tradução é de Tânia Ganho e a edição da Alfaguara e eu recomendo.

“O Que o Cão Viu”, de Malcolm Gladwell

Malcol Gladwell nasceu em Inglaterra em 1963, cresceu no Canadá e vive actualmente em Nova Iorque, sendo colunista da revista The New Yorker.

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Este curioso livro reúne alguns dos seus ensaios publicados naquela revista ““ ensaios muito variados, desde por que razão há muitas variedades de mostarda e apenas uma de ketchup, o que é que o inventor da pílula não sabia sobre a saúde das mulheres, os perigos da informação a mais, a mamografia e o poderio aéreo, por que associamos o génio í  precocidade, etc.

Gladwell pega em um ou dois exemplos práticos para, depois, nos explicar a sua opinião sobre o assunto em discussão, socorrendo-se, sempre, da opinião de diversos especialistas e de estudos científicos publicados.

Na página 299, por exemplo, é citado um estudo muito curioso:

“…No início da década de 1970, um professor de psicologia da Universidade de Stanford, chamado David L. Rosenhan, juntou um pintor, um estudante universitário finalista, um pediatra, uma dona de casa e três psicólogos. Pediu-lhes que fossem a diferentes hospitais psiquiátricos com nomes falsos e se queixassem de que andavam a ouvir vozes.”

De resto, estes voluntários deveriam responder a todas as perguntas sem mentir e manter comportamentos normais. Estiveram internados, em média, 19 dias, e houve um que ficou quase dois meses internado.

Rosenhan dirigiu-se depois aos hospitais visados e explicou que estava a fazer uma experiência e que, em breve, voltaria a enviar voluntários que se fingiriam doentes.

Dessa vez, dos 193 admitidos nos hospitais, 41 foram considerados saudáveis ““ mas, mais uma vez, os hospitais enganaram-se, já que Rosenham não tinha enviado ninguém.

É com experiências deste género, surpreendentes, que Gladwell ilustra os seus ensaios, o que os torna interessantes, mesmo quando o tema é pouco atractivo.