Mais vale cultivar mirtilos do que casar com um ministro

A comunicação social anda alvoroçada com a endogamia ou o nepotismo do governo de António Costa.

Ora, segundo os dicionários, endogamia é o “enlace matrimonial entre pessoas que pertencem ao mesmo grupo familiar, social, étnico, religioso”; ou ainda, “reprodução com alta frequência de cruzamento entre indivíduos que apresentam consanguinidade

Quanto a nepotismo, define-se como “valimento de que gozavam junto de certos papas os seus sobrinhos ou parentes“, ou, por extensão, “favoritismo excessivo dado a parentes ou amigos por pessoa bem colocada”.

Dizer que os ministros e ministras consanguíneos se andam a reproduzir com alta frequência, ou que estão a ser favorecidos por certos papas, parece-me excessivo…

Tudo isto começou pelo facto do António Costa ter nomeado a filha do ministro Vieira da Silva, Mariana, como ministra da Presidência e da Modernização Administrativa, para além do facto de já existir, no governo, marido e mulher, nas pessoas de Eduardo Cabrita, ministro da Administração Interna, e Ana Paula Vitorino, ministra do Mar.
Os jornalistas escavaram e descobriram que a mulher de Pedro Nuno Santos, novo ministro das Infraestruturas, é directora-geral de qualquer coisa e que, neste governo, os exemplos de relações familiares se multiplicam, havendo namoradas de secretários-gerais, mulheres a dias que já trabalharam na casa de alguns directores gerais, primos de adjuntos que se casaram com ex-namoradas de actuais ministros e até, ao que parece, sogras e genros, tios e tias, madrinhas e muitos padrinhos.
A mesma comunicação social que encheu primeiras páginas com a passagem de testemunho de Belmiro de Azevedo para o seu filho Paulo, ou a de Américo Amorim para a sua filha Paula, escandaliza-se, agora, com a filha do ministro e esposa do ministro.
Ainda por cima, Pedro Nuno Santos, desculpou-se, numa carta, dizendo que tudo isto era natural, que conhecia a sua mulher desde os tempos da Juventude Socialista, que faziam trabalho político em conjunto, muitas horas por dia e que, naturalmente, se tinha apaixonado por ela.
Claro que está a ser gosado com abundância.
A mim, parece-me natural que os ministros nomeiem familiares da sua confiança para os ajudar nas suas tarefas, desde que esses familiares tenham habilitações para as funções que vão desempenhar.
Seria estranho que Pedro Nuno Santos, sendo casado com uma mulher capaz de exercer as funções para que foi nomeada, preferisse que tivessem nomeado outra pessoa qualquer.
Entretanto, o Tribunal Constitucional decidiu arquivar o processo por incompatibilidade em que era visado João Paulo Rebelo, secretário de Estado da Juventude e Desporto, por ter acumulado com este cargo, durante 22 meses, a gerência de uma empresa familiar de produção de mirtilos.
Ora, se produzir familiarmente mirtilos não é incompatível com fazer parte do Governo, deixem lá os membros desta grande família socialista nomearem-se uns aos outros.
Só se estraga uma família…

í‚ngelo Canabis Correia

Este í‚ngelo nunca me enganou!

Nos anos 80 do século passado, quando í‚ngelo era ministro da Administração Interna do governo de Pinto Balsemão, muito brincámos com ele no Pão Com Manteiga, Programa da Rádio Comercial, todos os domingos, das 10 í s 13 (ou das 13 í s 10, para quem nos ouvia em sentido contrário…).

í‚ngelo Correia era um ministro um pouco tosco, que coleccionava saliva nas comissuras labiais e cujas afirmações eram motivo de chacota.

E nós escrevíamos diálogos deste tipo:

A – í“ sócio.

B – Diz lá.

A – O ministro í‚ngelo Correia…

B – Quem?…

A – O novo ministro da Administração Interna…

B – Não sei quem é…

Mas o que é certo é que í‚ngelo lá se foi safando e, depois de ministro, foi muitas coisas, tendo feito parte da administração de diversas empresas, nomeadamente, Vidago, Melgaço e Pedras Salgadas, Lisboagás, Portgás, Phillips Portuguesa, Terti, Cipol, Turtistrela, Figeuira Paraindustria, GDP Distribuição, Alltwoit, Burgo Fundiários, Pavilis, Drink-In, Transinsular, Totta Urbe e Solidal. Presidiu í  Associação Nacional das Empresas Operadoras Portuárias e í  Associação de Empresas de Segurança Privada. participou na criação do PPD, ao qual aderiu em maio de 1974. Foi deputado í  Assembleia Constituinte e í  Assembleia da República (1976-1985), onde presidiu í s Comissões Parlamentares de Defesa Nacional, Assuntos Europeus, Poder Local, Regiões e Ambiente e Economia, Finanças e Plano. Foi também presidente da Delegação Parlamentar Portuguesa í  Assembleia Parlamentar da NATO.

Mas o ponto alto da sua carreira foi a 9 de Junho de 1994, quando foi feito Comendador da Ordem Militar de Cristo.

Mais recentemente, exerceu os cargos de presidente dos Conselhos de Administração do Grupo Fomenvest e da Lusitaniagás e de vogal do Conselho de Administração da Fundação Ilídio Pinho. É presidente da  Câmara de Comércio e Indústria írabe Portuguesa e cí´nsul honorário do Reino Hashemita da Jordânia.

Com este currículo tão rico e diversificado, o que faltava a í‚ngelo Correia?

Canabis, claro!

Diz o DN:

“O fundador do PSD, ex ministro da Administração Interna, em tempos considerado mentor de Passos Coelho e agora “ministro sombra” de Rio para a defesa confirmou ao DN ter adquirido 40% da Terra Verde, a primeira empresa a obter licença de produção de canábis em Portugal. O empresário reconhece que até há pouco tempo “canábis para mim era dos tipos que fumavam droga.”

Ai Angelito… a quem queres enganar?…

Só tu sabes o que tens nesse cachimbo!…

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Os desdentados de Setúbal

O jornal regional Sem Mais trazia, esta semana, uma notícia preocupante.

—Diz o bastonário da Ordem dos Médicos Dentistas que a falta de dinheiro afasta a população dos consultórios e, por essa razão, 13% da população do distrito de Setúbal não tem um único dente!

Quer dizer que, em cada 100 setubalenses, 13 são desdentados. Mas desdentados como deve ser, isto é, sem um único dente. Resta saber a percentagem dos que têm apenas um dente para segurar a placa, ou dos que têm dois ou três dentitos – o que, no fundo, é quase a mesma coisa.

No caso dos dentes, não se pode aplicar aquele ditado – “vão-se os anéis, fiquem os dentes”.

A malta de Setúbal prefere ficar com os anéis e está-se lixando para os dentes.

Mas não são só os setubalenses a poderem orgulhar-se de ter a boca vazia de dentes. Basta ver as reportagens dos telejornais, em que elementos da população são entrevistados na rua, como testemunhas de mais um incêndio, ou a propósito da vizinha que foi esmurrada pelo ex-marido, ou sobre a mais recente vaga de calor. E é vê-los a exibir um único incisivo inferior, muitas vezes podre, ou sorrindo para a câmara, sem caninos superiores e inferiores, com uma espécie de balizas laterais, onde caberia uma bola de hóquei.

Uma excelente medida eleitoralista do António Costa – além dos passes a 40 euros, que tanto irritam a Oposição – seria oferecer próteses dentárias a todos os desdentados.

Isso é que seria um verdadeiro murro nos dentes do Rui Rio…

Bifexit

Em Junho de 2016, os britânicos votaram a favor da saída da União Europeia.

A esse movimento original – já que foi a primeira nação a querer sair da UE – decidiram chamar Brexit. Os anglo-saxónicos sempre tiveram jeito para dar nomes í s coisas.

Estamos em março de 2019, quase três anos depois do referendo, e os ingleses não conseguem sair da União Europeia.

Em vez de Brexit temos Britstuck.

Os ingleses sempre deram ares de emproados, com a sua monarquia, a sua moeda própria, as suas séries da BBC. Nunca gostaram muito de misturas com os europeus do continente e, na verdade, nunca se sentiram como fazendo parte da Europa.

A Grã-Bretanha sempre teve a mania das grandezas, até pelo nome. Enquanto o palerma do Trump “wants to make America great again”, a Britain sempre foi Great, ao contrário da Bretanha francesa que, por oposição, tem que ser pequena.

No entanto, tirando o Churchill, a Diana e os Beatles, poucos mais nomes sabemos de cor. Todos os outros, são irlandeses (Samuel Beckett, Oscar Wilde, James Joyce, Bernard Shaw…)

Aqui, em Portugal, era costume apelidarmos os ingleses de “bifes”, talvez porque preferissem carne, em vez de peixe – o que não deixa de ser curioso, já que, vivendo numa ilha, seria natural que gostassem mais de peixe.

Mas essa particularidade já demonstrava uma certa bizarria no comportamento – consubstanciada agora com esta dificuldade em sair de um sítio onde nunca quiseram estar.

A pobre da Theresa May já se submeteu a três votações naquele parlamento que nem lugar tem para todos os deputados, e quye é liderado por um tipo que grita “ORDER!” e usa gravatas ridícdulas, e perdeu sempre.

Conseguiu, agora, que a UE prolongasse o prazo da saída por mais um mês, mas o resultado vai ser o mesmo: os deputados britânicos querem sai da Europa, mas não querem sair da Europa.

É pena os Monty Python já estarem reformados… quantos  sketchs fariam eles í  conta deste Bifexit!…

“A História de uma Serva”, de Margaret Atwood (1985)

Só agora me dispus a ler este romance de Margaret Atwood (Otawa, Canadá, 1939), escritora sobejamente conhecida, com inúmeras obras publicadas, entre elas, O Assassino Cego (Booker Prize de 2000).

—E só agora o decidi ler porque, mais de trinta anos depois da sua publicação, a sua autora decidiu escrever um segundo livro, que deverá ser uma espécie de continuação do primeiro, e esse facto foi largamente noticiado e acabou por me despertar a curiosidade.

Confesso que o livro não me entusiasmou por aí além. No que respeita a distopias, O Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley (1931) e 1984, de George Orwell (1949), estabeleceram níveis difíceis de atingir, muito menos de superar.

No entanto, a história que Atwood inventou está bem urdida e deixa-nos alguma água na boca, na medida em que muita coisa é sugerida, mas pouca coisa é revelada. Por exemplo, como é que os Estados Unidos se transformaram naquela bizarra República de Gileade, onde ficam as colónias, terá havido uma catástrofe nuclear, etc.

—O mais curioso do livro acaba por ser a “semelhança” entre essa República de Gileade e a actual administração de Donald Trump. E coloco muitas aspas na semelhança, evidentemente. No entanto, o puritanismo evangélico, um certo desprezo pelas mulheres, a crença na supremacia dos brancos – tudo isso cheira í  América de Trump.

No fundo, Margaret Atwood inventou uma espécie de Daesh cristão, décadas antes do próprio Daesh.

Vale a pena ler, quanto mais não seja para podermos ler a sua sequela, a editar já este ano.

Tavares pobre

Há um restaurante muito famoso na Rua da Misericórdia (também conhecida como Rua do Mundo, por razões que a malta de hoje não percebe) – restaurante esse que se chama Tavares, mas que é conhecido como Tavares Rico. O adjectivo “rico” juntou-se ao Tavares por razões óbvias, desde sempre, desde a sua inauguração em 1784. É rico pela decoração, pelos lustres, pelos preços e requinte dos comeres e dos beberes, pelos frequentadores.

Há também um jornalista chamado Tavares, muito famoso na terra dele, que é Portalegre e, por isso mesmo, foi escolhido para organizar as comemorações do 10 de Junho deste ano, pelo Presidente Marcelo.

Assina João Miguel Tavares e eu chamar-lhe-ia Tavares Pobre.

Pobre pelos temas que escolhe para a sua coluna da última página do Público, pobre pela argumentação que usa e que é tristemente fraca, limitada, pobre, numa palavra.

Além desta coluna destacada (acho que é semanal), o Tavares (pobre) faz também parte do Programa Governo Sombra, da TVI e da TSF, onde tem, todas as semanas, a possibilidade de explanar as suas ideias e argumentos. Pobres, quase sempre.

Claro que, por vezes, Tavares acerta. Como é um dos nossos tudistas (especialista em tudo), dá opiniões sobre tudo e mais alguma coisa – o que aumenta as possibilidades de, de vez em quando, dizer coisas acertadas.

Agora, Tavares anda muito preocupado com o facto de, no Governo do Costa, haver muitas relações familiares: há um ministro casado com uma ministra, há um ministro que é pai de uma ministra, parece que também há primos e primas e, talvez amantes.

Na crónica de hoje, Tavares debruça-se sobre o facto de a mulher do novo ministro Pedro Nuno Santos, Catarina Gamboa, ter sido nomeada chefe de gabinete do secretário de Estado adjunto e dos Assuntos Parlamentares.

No fundo, Tavares acha isto um escândalo, propondo que, no futuro, o símbolo do PS passe a ser um punho, uma rosa e “um bonito bouquet matrimonial”.

É uma piada, claro, porque Tavares é muito engraçado, tendo carreira certa na stand up comedy quando deixar de trabalhar nos jornais.

Parece que o ministro Pedro Nuno Santos decidiu explicar-se, quanto ao facto de a mulher ter sido nomeada chefe de gabinete, explicando que a conhece dos tempos da Juventude Socialista e que se apaixonou por ela porque, como é natural, passavam muito tempo juntos.

Tavares percebe isso e acrescenta que isso também acontece com os jornalistas. E escreve: “passei os primeiros oito anos da minha carreira a trabalhar no Diário de Notícias, e se não tivesse já namorada quando para lá entrei seria difícil não acabar enrolado com alguém da redacção”.

Este é um argumento que deve deixar a mulher do Tavares em brasa. Afinal, no fundo – e como Freud explicaria lendo o texto do Tavares – o homem teve ganas de se enrolar com alguém lá da redacção e só não o fez porque já tinha namorada. Pobre Tavares!…

E Tavares acrescenta: “tirando o tempo que estamos a dormir, passamos o dia todo com aquelas pessoas. Qual é o espanto dos jornalistas casarem com jornalistas e os políticos com políticos? Mas sabem o que é que se dizia (e ainda se diz) dos jornalistas? Que não conhecem o mundo para além das redacções. Que perderam a ligação í s pessoas comuns. Que vivem em circuito fechado. Que essa forma de vida é limitada, pobre e pouco saudável.”

Claro que Tavares não corre este risco porque, apesar de passar a vida entre as redacções e os estúdios de televisão, não está casado com uma política.

O que Pedro Nuno Santos devia fazer era obrigar a mulher a ficar em casa a cuidar das coisas domésticas, assim como Vieira da Silva, se fosse um pai como deve ser, obrigaria a filha a cuidar da família, em vez de se meter em políticas.

Tavares ficaria assim mais feliz.

E pobre.

“21 Lições para o Século XXI”, de Yuval Noah Harari (2018)

Depois de lermos, com muito agrado, o primeiro livro deste historiador israelita, Sapiens, avançámos para este, que é o seu terceiro livro, e ainda gostámos mais.

—O livro está dividido nas seguintes partes: O Desfio Tecnológico, o Desafio Político, Desespero e Esperança, Verdade e Resiliência.

Cada uma destas partes, encerra diversos capítulos, num total de 21.

Já tinha escrito um texto a propósito de uma passagem deste livro, em que Harari fala dos nacionalismos – está aqui.

Mas todo o livro é citável…

Na impossibilidade de transcrever todo o livro, vou salientar aqui alguns trechos que me tocaram mais.

“Não tenho a menor ideia de como será o mercado de trabalho em 2050. É relativamente consensual que a aprendizagem automática e a robótica irão mudar quase todas as áreas profissionais – da produção de iogurte ao ensino do yoga.”

(pag. 41 – Capítulo Trabalho – Quando fores grande, talvez não tenhas profissão)

“A seguir, combinamos o algoritmo com sensores biométricos e o algoritmo, agora, fica a saber de que modo cada frame do filme influenciou o nosso ritmo cardíaco, a nossa tensão arterial e a nossa actividade cerebral. Enquanto vemos, por exemplo, Pulp Fiction, de Quentin Tarantino, o algoritmo pode reparar que a cena da violação suscitou em nós uma levíssima e quase imperceptível excitação, que quando Vincent dispara sem querer para a cara de Marvin isso nos faz rir com sentimentos de culpa, e que não percebemos a piada do «Big Kahuna Burger» mas que nos rimos na mesma para não parecermos estúpidos. Quando forçamos o riso, usamos músculo  e circuitos cerebrais diferentes dos que accionamos quando algo nos faz rir de verdade.”

(pag. 77; Capítulo Liberdade – A Big Data está de olho em ti)

“Em 2011, irrompeu um escândalo quando o jornal ultraortodoxo de Brooklyn Di Tzeitung publicou uma fotografia oficial do governo de Obama mas apagou digitalmente a secretária de Estado Hillary Clinton. O jornal explicou que se viu forçado a fazê-lo devido í s «leis de castidade judaicas». Deu-se um escândalo parecido quando o HaMevaser apagou Angela Merkel de uma fotografia tirada numa manifestação contra o massacre do Charlie Hebdo, não fosse a sua imagem despertar pensamentos libidinosos nas mentes dos leitores devotos. O editor de um terceiro jornal judeu ultraortodoxo, Hamodia, defendeu esta política, explicando que «estamos a seguir milhares de anos de tradição judaica».

(pag. 123 – Capítulo Civilização – Só existe uma civilização no mundo)

“Há mil anos, se adoecêssemos, o sítio onde vivíamos era decisivo. Na Europa, o padre local provavelmente dir-nos-ia que tínhamos provocado a ira de Deus e que, para recuperarmos a nossa saúde, deveríamos doar qualquer coisa í  Igreja, fazer uma peregrinação a um local sagrado e rezar com fervor a Deus, pedindo-lhe perdão. Ou, por outro lado, a bruxa da aldeia podia explicar-nos que estávamos possuídos por um demónio e que ela podia expulsá-lo com cânticos, danças e o sangue de um galo preto.
No Médio Oriente, os médicos formados í  luz das tradições clássicas podiam explicar-nos que os nossos quatro humores corporais estavam em desequilíbrio e que podíamos harmonizá-los seguindo um dado regime alimentar e tomando poções fedorentas. Na Índia, os peritos ayurvédicos avançariam as suas próprias teorias sobre o equilíbrio entre os elementos corporais, conhecidos como doshas, e recomendar-nos-iam um tratamento de ervas, massagens e posturas de yoga. Médicos chineses, xamãs siberianos, curandeiros africanos, terapeutas ameríndios – todos os impérios, reinos e tribos tinham as suas próprias tradições e os seus respectivos peritos (…). A única coisa comum í s práticas medicinais europeias, chinesas, africanas e americanas era o facto de, em todos esses lugares, pelo menos um terço das crianças morrer antes de atingir a idade adulta e a esperança média de vida se situar abaixo dos 50 anos.”

(pag. 133 – Capítulo Civilização – Só existe uma civilização no mundo)

“Então, como deve o estado lidar com o terrorismo? Um combate contra-terrorista bem-sucedido deve fazer-se em três frentes. Primeiro, os governos devem concentrar-se em acções clandestinas contra as redes terroristas. Em segundo lugar, os meios de comunicação não devem perder a perspectiva, evitando a histeria. O teatro do terror não consegue viver sem exposição mediática. Infelizmente, os meios de comunicação oferecem-na de graça, relatando obsessivamente ataques terroristas e inflacionando o seu perigo, uma vez que as peças jornalísticas sobre terrorismo aumentam muito mais as vendas do que as peças sobre diabetes ou poluição atmosférica.”

(pag. 197 – Capítulo Terrorismo – Não entrar em pânico)

“E quanto í  bestialidade? Já participei em diversos debates públicos e privados sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo e há quase sempre um espertalhão que pergunta: «Se permitimos o casamento entre dois homens, por que não permitir o casamento entre um homem e uma ovelha?». Do ponto de vista secular, a resposta é evidente. As relações saudáveis requerem profundidade emocional, intelectual e até espiritual. Um casamento que não tenha esta profundidade vai deixar o indivíduo frustrado, só e psicologicamente atrofiado. Enquanto dois homens podem certamente satisfazer as necessidades emocionais, intelectuais e espirituais um do outro, um relacionamento com uma ovelha não pode.
(…) E o que dizer de uma relação entre um pai e sua filha? São ambos seres humanos, então qual é o mal? Bom, vários estudos psicológicos já demonstraram que esse tipo de relação inflige um dano imenso e geralmente irreparável nos filhos. Além disso, reflectem e intensificam tendências destrutivas nos pais. A evolução moldou a psique do Sapiens de modo que as relações românticas não se misturem com as relações parentais. Assim, não precisamos de Deus ou da Bíblia para nos opormos ao incesto – basta lermos os estudos psicológicos sobre o assunto.”

(pag. 240 – Capítulo Secularismo – Reconhecer a nossa sombra)

“O poder do pensamento grupal é tão inexorável que é difícil romper com a sua influência mesmo quando as perspectivas em causa parecem bastante arbitrárias. Assim, nos EUA, os conservadores de direita tendem a importar-se menos com coisas como a poluição e as espécies em vias de extinção do que os progressistas de esquerda, motivo pelo qual o Louisiana tem leis ambientais muito mais permissivas do que o Massachussetts. Estamos habituados a esta situação, pelo que damos como banal, mas, na verdade, é surpreendente. Seria de pensar que os conservadores se importariam muito mais com a conservação da velha ordem ecológica e com a protecção das suas terras, as suas florestas e os seus rios ancestrais. Por sua vez, seria de esperar que os progressistas estivessem muito mais abertos a mudanças na natureza, especialmente se o objectivo fosse acelerar o progresso e aumentar a qualidade de vida dos seres humanos. No entanto, uma vez estabelecidas as directrizes partidárias quanto a um tema, devido a várias particularidades históricas, torna-se normal para os conservadores desvalorizarem as preocupações com rios poluídos e com o desaparecimento de aves, ao passo que os progressistas de esquerda tendem a recear qualquer alteração í  velha ordem ecológica”.

(pag. 256 – Capítulo Ignorância – Sabemos menos do que julgamos)

Vale a pena ler.

 

 

O Juiz

Ficou mesmo satisfeito com aquela sentença.

Deu-lhe muito trabalho; obrigou-o a consultar a Bíblia e o Alcorão, mas fundamentou a sua decisão com frases elaboradas e certeiras. Pelo menos, era o que ele achava. O marido tinha dado uns socos na mulher, tinha-lhe partido a cana do nariz e deslocado a articulação temporo-maxilar, mas era compreensível: ele tinha-a apanhado em flagrante, a beijar o rapaz do talho, com língua e tudo!

Um homem não pode tolerar ser enganado assim pela própria mulher com quem está casado.

Mas enfim, se calhar, ele devia ter tido mais cuidado… os socos foram muitos e com força talvez excessiva. Condenou-o a seis meses de pena suspensa.

E voltou para casa com a sensação de ter feito justiça.

Quando entrou em casa, a Lurdes, sua esposa, estava sentada no sofá da sala, a ler o jornal e percebeu logo, pela sua cara, que ia haver discussão.

Isto é que são horas de chegar, gritou ela.

Desculpou-se com a complexidade da sentença, mas ela não quis saber.

Vai mas é fazer o jantar que estou cheia de fome! – vociferou a D. Lurdes, e atirou-lhe com o cinzeiro, não lhe acertando por pouco.

E não te esqueças de apanhar essas beatas do chão, ouviste?!

O juiz meteu a cabeça entre os ombros, colocou o avental e encaminhou-se para a cozinha, com uma lágrima ao canto do olho direito…

  • in “Histórias (ainda) Mais Desgraçadas”, a publicar este ano

“A Favorita”, de Yorgos Lanthimos (2018)

A rainha Ana, de Inglaterra, que reinou apenas entre 1702 e 1707, é interpretada por Olivia Colman e esse desempenho valeu-lhe o óscar por melhor actriz.

—Ana foi uma rainha fraca e doente; consta que sofreu 17 abortos, pelo que não teve nenhum herdeiro e da sua fraca saúde se aproveitava Lady Sarah (Rachel Weisz) que, segundo o filme, acabava por tomar decisões pela rainha.

Além de lhe usurpar o poder, Lady Sarah também partilhava a cama da rainha. Só que entre ambas acaba por se intrometer Abigail (Emma Stone), uma ex-dama, caída em desgraça mas que, graças í s suas manhas e, mais uma vez, í s fraquezas da rainha, consegue subir de criada a Lady, passando, também, pela cama da rainha.

E é neste triângulo amoroso que se vai desenrolando a história, tendo, como pano de fundo, uma guerra com a França e a disputa entre os tories e os whigs.

O desempenho das três actrizes é óptimo, a história está bem contada, a decadência da corte inglesa está bem demonstrada e o realizador consegue fazer um filme histórico sem cair na produção BBC-like, como poderia ter acontecido.

Gostei.

Cozinho para as eleições

Este título do Público fez-me espécie:

“Cataplana de Costa foi mais vista do que arroz de Cristas”

Conheço cataplanas de tamboril e de marisco e arroz de ervilhas ou de cenoura, mas nunca tinha ouvido falar de cataplana de Costa, muito menos de arroz de Cristas.

Fui investigar.

Parece que existe um programa de televisão, chamado Programa da Cristina, que tem muito sucesso. Descobri que essa tal Cristina, de apelido Ferreira, é uma mulher que subiu as pulso, tendo passado de feirante a apresentadora de televisão em poucos anos, auferindo agora um ordenado de jogador de futebol (gosto muito do verbo auferir…).

Descobri até que o próprio Presidente Marcelo telefonou í  tal Cristina, a dar-lhe os parabéns pelo programa – coisa que nunca fez comigo, ao longo de todos estes anos de dedicação í  escrita. Mas enfim, continua a haver filhos e enteados…

Esse tal Programa da Cristina é diário e há umas semanas foi lá a líder do CDS, Assunção Cristas, e cozinhou, em directo, um arroz de atum.

Fiquei mais descansado.

Afinal o arroz não era de Cristas, era de atum.

Dias depois, o primeiro-ministro, António Costa, também foi ao programa e cozinhou uma cataplana de peixe.

Tudo explicado!

Ora, o Público relatava na notícia com aquele título que, enquanto o arroz de Cristas foi visto por 493 mil pessoas, a cataplana do Costa foi vista por 745 mil pessoas.

Não chega í  maioria absoluta, mas anda lá perto…

Se a Cristina for esperta, leva ao seu programa o Rui Rio, para cozinhar uma francesinha, o Jerónimo de Sousa, para fazer umas pataniscas e a Catarina Martins, para preparar um prato vegan, í  escolha.

Quanto ao Santana Lopes, se fosse ao tal programa, teria que se contentar com restos…