Saiu o novo semanário dirigido por José António Saraiva. Chama-se Sol e está a ser levado ao colo pela comunicação social em geral, com referências em todos os telejornais, entrevistas ao director, publicidade agressiva.
Sou um dependente de jornais. Aliás, sou a única pessoa que eu conheço que compra jornais todos os dias desde, pelo menos, há cerca de 30 anos. E sublinho que conheço muitas pessoas.
Já li o primeiro número do Sol e digo, está bem, saúdo o nascimento de um novo semanário que compita com o Expresso, mas…
“Mas“, aliás, devia ser o nome do novo semanário.
Era um bom título.
A conjunção adversativa “mas” define o espírito português.
“A vida corre-me bem, mas podia ser melhor”, “o tempo está bom, mas aposto que vai chover amanhã”, “a comida está boa, mas falta-lhe um pouco de sal”, “o colesterol baixou, mas os triglicéridos estão altos”, “o puto teve boas notas, mas ainda não sabe que curso vai seguir”…
Há sempre um mas…
E o Sol publica, logo na primeira página, um Manifesto cheio de mas.
Vinte e seis mas!
Diz que é “apartidário mas não apolítico, isento mas não indiferente, rigoroso mas não burocrático, sereno mas não amorfo, ponderado mas não indeciso, responsável mas não previsível”, etc, etc.
Parece que, afinal, os adjectivos, em português, têm pouco significado.
Não é suficiente, por exemplo, dizer que o jornal é claro – é preciso acrescentar: “mas não superficial”.
Não é suficiente afirmar que o jornal é directo – cumpre sublinhar: “mas não simplista”.
Afinal, dizer que o Sol é um jornal “irreverente” obriga í frase seguinte: “mas não inconsciente”.
Não me agrada muito um jornal com tantos mas.
Mas, afinal, que tipo de jornal é este?
Desfolhei as suas 96 páginas e quase nada me surpreendeu: as mesmas notícias sobre a paupérrima politiquice nacional, uma sondagem irrelevante sobre quem foi o melhor presidente da república, um aspecto gráfico de gosto muito duvidoso, uma tentativa de agradar a gregos e a troianos, com assuntos muito sérios e trivialidades de revista cor-de-rosa, um espaço preenchido por Margarida Rebelo Pinto (o que raio terá esta senhora para nos dizer?), uma página verdadeiramente decepcionante de Marcelo Rebelo de Sousa, escrita como se fosse um blogue (que me interessa a mim o que o Marcelo faz, dia a dia?) – e a primeira página, então, é mesmo pobre. Como título-choque, os responsáveis do Sol escolheram o título: “Isaltino tem casa apreendida”. Quem é o Isaltino? Que me interessa a mim que um obscuro presidente da Câmara de um concelho minúsculo como Oeiras, tenha uma casa apreendida? É isto que os responsáveis do jornal consideram como notícia que mereça a primeira página do primeiro número de um novo semanário que se pretende “surpreendente mas não sensacionalista”.
Depois de ter ouvido, na RTP, Marcelo Rebelo de Sousa dizer, no seu comentário semanal, dizer que o objectivo do Semanário era levar Cavaco a primeiro-ministro e ter ouvido, hoje, no Telejornal, o tal Isaltino, dizer que o Sol tem como objectivo levar Marques Mendes a primeiro-ministro, começo a desconfiar do nobre intuito de A.J. Saraiva de fundar um jornal que seja uma alternativa ao Expresso. Aliás, no seu primeiro editorial, Saraiva ataca a decisão do governo de fechar maternidades, dizendo que foi um erro porque o interior vai ficar ainda mais desertificado. Nem uma palavra para o facto de essas maternidades, de facto, não terem as condições mínimas de segurança, nem uma palavra para o facto de não fazer sentido existirem maternidades a distarem 30 ou 50 km, ambas com pouco pessoal, ambas mal equipadas e que é muito mais seguro ter apenas uma maternidade bem equipada e com pessoal suficiente. Saraiva não tem autoridade para dar opiniões sobre uma coisa que desconhece em absoluto!
Será que Saraiva sabe que, se a maternidade não estiver devidamente equipada, aumenta o risco de morte neo-natal e de complicações graves para a mãe? Que é mais seguro transportar a grávida para um centro devidamente equipado, mesmo que este fique a 50 km do local de residência da futura mãe? Ou será que Saraiva pensa, como muitos portugueses, que deve existir uma maternidade em cada aldeia que, como não há obstetras em número suficiente (nem nunca haverá), poderá ter, ao serviço, uma senhora curiosa, que ajuda ao parto, como também ajuda nos abortos?
Basta que Saraiva imagine uma grávida que viva na Fonte da Telha e que comece com dores de parto a meio de uma manhã de domingo, em Agosto. Será que ele sabe quanto tempo é que essa grávida demorará a chegar ao Hospital Garcia de Orta, em Almada, tendo que percorrer a estrada até í Costa da Caparica, cheia de veraneantes, com carros parados nas bermas, tudo entupido. Essa grávida, demorará mais tempo a chegar a Almada do que uma grávida de Elvas demorará a chegar a Badajoz, para parir o seu bebé. A solução será construir uma maternidade na Fonte da Telha?
Em resumo, para primeiro número, o Sol desiludiu-me. Claro que, como é a primeira vez, pode ser que a coisa melhor. A nossa primeira queca é, habitualmente, um fracasso e, depois, a gente vai melhorando. O problema é que os fundadores deste jornal são já homens batidos. Tinham obrigação de fazer melhor.
Enfim… um novo semanário que, de certo modo, não me entusiasmou… mas, para a semana, pode ser que seja melhor…
Eu ainda não li o Sol masnão me agradou a primeira página, nem a publicidade que escolheram e nem o A.J.Saraiva numa entrevista dizer que o Expresso, a semana passada, não tinha vendido jornais e sim DVDs – a dor de cotovelo não lhe fica nada bem. A Margarida R.P. aescrever no Sol só se assemelha ao linguajar do Isaltino, no Telejornal (também o vi) que a certa altura, indignado, dizia a propósito da tal casa estar apreendida e mais dos favores ao empreiteiro: É uma falsa mentira!
Tinha mais coisas para me indignar mas já estou a achar um abuso o tamanho do meu comentário. :)
Extingue-se [i]O Independente[/i] [b]mas[/b] nasce um novo [i]sol[/i]!
Este Sol, também nasce para todos?
Bem observado.
JMC
Coiso: Você faz uma análise muito simplista (iria a dizer pouco inteligente)do problema maternidades. Não ignora por certo que a raíz do problema não é a “segurança das mães” mas sim o corte na despesa pública da saúde.
Quanto ao Sol, ainda não li. Vou deixar a poeira assentar e daqui por 3 ou 4 semanas vou ver como é. O Expresso tem-me vindo, gradualmente a desiludir.
E que tal fazerem uma visita ao meu jornal online ?
Não é o Sol mas tem notícias.
Não tem reputação mas tem rigor.
Não fala das casas do Isaltino ou a fuga ao fisco do Peixinho mas procura acompanhar o caminhar de um mundo no qual também vivemos.
Para To Silva: claro que a minha análise é pouco inteligente. A segurança das mães é, sem dúvida, óptima, em maternidades sem condições. Dá-se, ao povinho, a sensação de que tudo corre bem: uma maternidade em cada concelho. O problema, depois, é que não existem recursos para que todas essas maternidades honrem o nome que têm… Mas enfim: voc~e deve sentir-se mais seguro se souber que há um SAP, uma maternidade, um hospital e um centro de transplantes a 10 minutos de casa. Depois, não se admire…