25 de Abril Sempre!

No jornal República de 22 de julho de 1973, podia ler-se:

“…Os Bombeiros de Algés fizeram 70 anos. o dr. Afonso Marchueta (governador civil de Lisboa) deslocou-se a Algés:

«Afirmo que a opção está feita ““ optamos nós, os verdadeiros portugueses, pela segurança, intangibilidade e perenidade da nossa Pátria; optamos pela política de Marcelo Caetano, a única que nos inspira confiança; optamos por Américo Tomás, esse amigo dos portugueses, que é verdadeiro símbolo da Pátria e digníssimo expoente da raça»

No mesmo jornal, no dia 31 de julho de 1973:

“…O Diário de Notícias rescindiu o contrato com o Paris-Match, conhecida revista de esquerda (sublinhado meu), em sinal de protesto contra a publicação de uma reportagem sobre Moçambique (leia-se sobre o massacre de Wyriamu, acrescento eu)”

E só mais uma do mesmo jornal, a 13 de agosto de 1973:

“…O engenheiro Santos e Castro, governador geral de Angola, falou em Sá da Bandeira, durante um almoço que lhe foi oferecido pelo presidente do município local:

Â«É assim que se vive sob a Bandeira Portuguesa: na paz, no respeito mútuo, no orgulho de uma autêntica independência, no trabalho para um futuro melhor. O resto, não é connosco, pertence í  confusão do mundo ou é, aqui ou ali, sinal de perturbação estéril ou gosto exagerado pelas palavras»

Era assim Portugal. Um país pequenino, isolado do mundo. Há quem queira a ele regressar.

25 de Abril Sempre!

Uma boa maneira de comemorar os 48 anos do 25 de Abril consiste em visitar a exposição “…Proibido por Inconveniente”, com materiais das censuras no Arquivo Ephemera.

As gerações mais novas não fazem ideia do que era a censura. Nada era publicado nos jornais, revistas, panfletos, livros sem passar, primeiro, pela Censura ““ Censura que, muitas vezes, proibia a publicação.

Quando hoje ouvimos alguém dizer que antigamente não acontecia nada disto, não havia tantos crimes, não havia corrupção, devíamos mostrar a esse alguém os boletins produzidos pela Censura, onde podemos ver as notícias que eram cortadas ““ notícias consideradas inconvenientes para o regime do Estado Novo. Portugal queria parecer um país bem-comportado, onde todos se respeitavam, onde não havia violência, nem corruptos.

Salazar dizia que “…só existe aquilo que o público sabe que existe” e por isso, a Censuras evitava que o público soubesse coisas que poderiam ser prejudiciais para a imagem do regime.

Na exposição da Ephemera, os exemplos são muitos.

Transcrevo, por exemplo, uma folha manuscrita sobre o livro “…Os mortos chegam mais tarde”, da autoria do escritor e pintor Rogério de Freitas (1910-2001).

Diz assim:

“…Meu caro Nazaré: Saiu há dois dias, editado pela Europa-América, o livro “…Os Mortos Chegam Mais Tarde”, de Rogério de Freitas, que é a coisa mais infame e mais anti-militarista que até hoje se publicou em Portugal.

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É de mandar já apreendê-lo e se fosse possível meter o malandro na cadeia.”

Portanto, não se proibia o livro como se prendia o seu autor!

Mas os exemplos são aos milhares: “…A Missão”, de Ferreira de Castro é um livro de contos. O censor não gostou do segundo conto, “…A Experiência”, porque contém a “…crónica de uma casa de toleradas, descrição pormenorizada de sua vida dia a dia ou hora a hora… o conto é essencialmente anti-social, ainda mais do que imoral, pelo que julgo que o livro deve ser proibido”.

José Rabaça escreveu o livro “…Virá Amanh㔝, mas o capitão Luiz Deslandes não gostou e escreve “…o autor, inculto, sem imaginação e mal intencionado, escrevinhou uma série de historietas, cheias de palavrões e minguadas de gramática a que dá o modesto título de «contos»… Por enquanto, penso que deve ser totalmente proibida esta publicação”.

Este capitão Luiz Deslandes era, pelos vistos, um especialista em literatura porque, em relação ao livro de Dostoievsky, “…Os Irmãos Karamazov”, decide pela sua proibição porque «o romance e o autor são bastante conhecidos entre as classes mais cultas do nosso país para ser desnecessária a sua tradução. As classes menos cultas julgo não tirarem qualquer vantagem na sua leitura.

Como a tradução deste romance implica a sua divulgação, entendo ser o mesmo de proibir.»

Outro autor vítima da censura foi José Vilhena (1927-2015), prolífico escritor de pequenos livrinhos provocadores, editor da revista Gaiola Aberta, cujo conteúdo, textos e desenhos eram todos da sua autoria. Vilhena era um provocador e as suas histórias, sempre com teor sexual, visavam atacar os grandes senhores, os administradores, os bispos, os políticos e a Censura não podia com ele. Nesta exposição da Ephemera, uma das vitrinas é quase toda dedicada aos seus livros proibidos, como este “…A Branca de Neve e os 700 Anões”, acerca do qual o censor major José da Sousa Chaves, dizes:

“…este livro cínico e despudorado revela uma ousadia que se bem pode qualificar de desafio í s Autoridades, pois que abertamente as ataca e apresenta textos em que todos os assuntos indesejáveis são largamente exibidos.

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Assim, faz abertamente propaganda comunista, achincalha com diatribes dissolventes a Família, a ordem social e a religião católica, é escrito com linguagem desbragada, tem passagens da mais baixa obscenidade, ilustrações imorais e, tão maciça é a sua inconveniência, que ocioso se torna fazer citações.

Julgo portanto que este livro não pode deixar de ser proibido de circular no País.”

Não vale a pena mostrar mais exemplos.

Resta dizer, mais uma vez, que Fascismo, nunca mais!

25 de Abril Sempre!

Dias de democracia!

A comunicação social anuncia que hoje atingimos os 17 500 dias em democracia ““ exactamente o mesmo número de dias que passámos em ditadura.

No que me diz respeito, há muito tempo que os dias em democracia ultrapassaram os dias em ditadura. Com efeito, vivi menos de 8 mil dias em ditadura, mas chegou-me porra!

Os jornais sublinham as diferenças entre o país do tempo da outra senhora, e o país que cresceu após o 25 de abril.

Chamam a atenção, sobretudo, para os números da mortalidade infantil e para os quilómetros de auto-estrada.

A mortalidade infantil era, em 1973, de 44,8 crianças por cada mil nascimentos, enquanto em 2020, foi de 2,4. Estes números merecem ser esmiuçados para serem mais bem compreendidos. Estes números querem dizer que, antes do 25 de abril, morriam cerca de 44 crianças por cada mil que nasciam e que, hoje em dia, morrem “…apenas”, menos de três!

Quanto í s autoestradas, em 1973, o número de quilómetros era de 66 km, enquanto, em 2020, ultrapassava os 3 mil quilómetros.

A comunicação social destaca, ainda, as alterações nas relações familiares, realçando o facto de, em 1973, um homem que matasse a sua esposa, apanhando-a em pleno adultério, era apenas desterrado para fora da comarca por seis meses, enquanto hoje, pode levar com 25 anos de cadeia. Por outro lado, o adultério praticado pela mulher podia significar oito anos de cadeia, enquanto hoje, deixou de ser crime, evidentemente.

Mas eu destacaria ainda outra coisa: o fim da guerra colonial.

Eu estava na calha para bater com os costados em ífrica e só não fui porque fui conseguindo passar de ano e assim prosseguir o meu curso de Medicina e, quando o terminei, em 1977, já a guerra tinha acabado.

Mesmo assim, não se safei de fazer uma tropa fandanga, com seis semanas de recruta patética nas Caldas, e mais quase ano e meio como médico no Hospital Militar de Évora.

Portanto, viva o 25 de abril carago!

25 de Abril sempre!

Quando, com 20 anos, comecei a coleccionar, num dossier, recortes do jornal República, não sabia quase nada.

Não sabia, por exemplo, que em breve começaria a colaborar com o jornal, com textos mais ou menos humorísticos, influenciados pelo Mário-Henrique Leiria.

Não sabia, também, que, graças a esses textos, conheceria o ílvaro Guerra e que, depois do 25 de Abril, ele me convidaria para uma experiência como jornalista na RTP, que durou até acabar o curso de Medicina, entre junho de 1974 e dezembro de 1977.

Não sabia, nem poderia imaginar, que, 47 anos depois, ao ler alguns desses recortes ficaria incrédulo: mas que país era aquele?

Ao folhear o grosso dossier repleto de recortes, todos de 1973, tenho dificuldade em escolher um que seja representativo da tristeza de país em que vivíamos.

Podia escolher aquele em que o presidente Américo Tomaz dizia que «é necessário evitar, a todo o custo, o caos em que a civilização ocidental se está precipitando. (…) Temos de nos manter permanentemente em estado de alerta e prontos a imitar Cristo”.

Ou ainda aqueloutro, em que o chefe do governo, Marcello Caetano dizia «pus um travão ao processo de liberalização em Portugal apenas porque o futuro está seriamente ameaçado pela difusão de ideias anarquistas e socialistas».

Acabei por escolher este recorte, também de agosto de 1973. Podemos ler afirmações de Natália Tomaz, esposa do presidente, do próprio presidente e ainda do inefável governador civil de Lisboa, Afonso Marchueta. Poucos se lembram desta gente, nomeadamente, muitos dos democratas formados í  pressa que andam por aí a dar vivas í  liberdade, mas, no fundo, desejam ardentemente que se estabeleçam limites para essa mesma liberdade.

Hoje mesmo, nas declarações de alguns dirigentes partidários, no final das comemorações do 47º aniversário do 25, ouvi palavras semelhantes. Aquele Francisquinho do CDS, por exemplo, afirmou que quer libertar Portugal do jugo socialista, coitado…

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Fascismo, nunca mais!

25 de Abril Sempre!

Em novembro/dezembro de 1973 estávamos em plena crise petrolífera, por causa da guerra israelo-árabe.

As filas para as bombas de gasolina eram a regra e só podíamos pí´r 20 litros por bomba. A 21 de novembro, os jornais noticiavam que a velocidade máxima tinha sido estabelecida nos 100 km/hora na autoestrada (ah! ah! ah!), que terminava ali para os lados de Aveiras de Cima, e 80 km/hora fora das localidades.

No entanto, a principal notícia ficava escondida e tinha a ver com os estudantes universitários.

Um decreto-lei determinava que as Universidades podiam recusar a matrícula a estudantes.

E porquê?

Porque tinham tido más notas? Porque não tinham conseguido a média necessária para entrar na Universidade?

Parece que não.

As Universidades podiam recusar a inscrição de estudantes que “justificadamente fossem considerados como prejudiciais í  disciplina dos estabelecimentos”. (notícia de 25/11/1973)

Cerca de um mês depois, a 12.12.1973, o jornal República noticiava que a Faculdade de Letras tinha suspenso dez alunos e que no Instituto Superior Técnico, dois estudantes tinham sido presos depois da polícia ter invadido a sala de alunos.

E ainda há quem queira 300 salazares!…

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25 Sempre!

Em outubro de 1973 houve eleições para a Assembleia Nacional.

Concorreram a Acção Nacional Popular (ANP) e… a Acção Nacional Popular.

A Comissão Democrática Eleitoral (CDE), que congregava diversas forças da Oposição, desistiu antes do acto eleitoral, considerando que as eleições não eram democráticas.

Foi o último acto eleitoral antes do 25 de Abril de 1974, a última farsa permitida pelo sardónico Marcelo Caetano, que tinha prometido uma abertura democrática, que nunca aconteceu. No entanto, alguma liberdade de imprensa foi permitida, durante a campanha eleitoral.

Foi graças a essa ténue abertura, que foi possível publicar, no suplemento Fim de Semana do jornal República, estas pequenas “piadas”, sobre as eleições, a que chamámos “O Maumento Eleitoral” (claro que a ANP era a Lista A… e não havia mais nenhuma lista candidata…; três das curtas cenas foram ilustradas por um tipo que assinava Patrício e que, sinceramente, nunca conheci pessoalmente…)

Tudo isto parece um pouco patético e até infantil, mas era a única maneira de passar pelas malhas da censura e, digo-vos muito sinceramente, na altura fiquei espantado como aquele suplemento do República veio a público.

O Maumento Eleitoral

1º Voto

Um cavalheiro entra numa loja:

– Bom dia, eleições?

– Não temos.

2º Voto

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3º Voto

Em frente í  urna. um cidadão:

– Eu vinha votar, mas posso ter a certeza de que o sigilo do meu voto será mantido?

– Certamente! Passe para cá o seu voto na Lista A!

 

4º Voto

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5º Voto

– Já contaram os votos do Barreiro?

– Não. As urnas foram a enterrar!

 

 

 

 

 

 

 

 

6º Voto

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Conversas em Família nunca mais! 25 de Abril sempre!

E é por isso que, para mim, o 25 de Abril será sempre recordado!

Ora tomem lá alguns excertos da Conversa em Família, do Presidente do Conselho, Marcello Caetano, de 4 de Julho de 1972 (recordo que esta Conversa era transmitida pela RTP, canal único de televisão; o sr. Presidente estava sentado num cadeirão, ao lado de uma lareira e falava-nos em tom professoral e condescendente, como qualquer ditador bom, por oposição ao ditador mau, o que tinha caído da cadeira):

Desde que o Senhor Almirante Américo Thomaz se presta ao sacrifício de continuar a exercer a Presidência da República, onde, dom tanta dignidade e devoção, tem servido os supremos interesses do País, só temos de agradecer a Deus o não sermos forçados a difíceis opções.”

Sobre a guerra colonial:

“Guerra colonial?
O sentido da frase é só um: chamou-se assim í s campanhas outrora sustentadas por uma potência para submeter um território ao seu domínio, combatendo a rebelião das populações ou anexando países em estado primitivo.
Ora é fácil de ver que nada disso se verifica no Ultramar português.
Os territórios das províncias ultramarinas estão em paz e ninguém neles contesta a sua integração na Nação portuguesa.
Percorre-se a Guiné, anda-se pela vastidão da terra angolana, desloca-se quem quer que seja de lés a lés de Moçambique e não encontra populações revoltadas.
A vida decorre, por toda a parte, tranquila e normal, num ambiente de trabalho e de entendimento exemplares.
…e se a paz está perturbada, isso deve-se í s guerrilhas que sem o apoio político, financeiro e militar de potências estrangeiras, teriam desaparecido há muito”.

E Marcello sabia como se deviam construir as sociedades africanas:

“As sociedades africanas têm que ser construídas fraternalmente pelos brancos e pelos pretos, fornecendo uns a sua experiência e tecnologia, e dando os outros os elementos válidos da sua cultura.”

As Conversas em Família foram alguns dos momentos mais tristes de uma ditadura saloia, pobre, isolada e envergonhada.