“Música para aguardente”, de Charles Bukowski (1983)

Ora aqui está um livro que deve ser lido aos poucos, já que, todo de seguida, de certeza que acaba por aborrecer.

charles-bukowskiCharles Bukowski (1920-1994) escreve sobre personagens desesperados, desiludidos da vida, mortos-vivos que se arrastam pelas noites de Los Angeles, de bar em bar, do motel andrajoso para a corrida de cavalos e daqui para outro bar com cheiro a mofo.

As  cerca de trinta histórias reunidas neste volume, datado de 1983, cheiram a álcool e a tabaco e a linguagem explícita torna-as ainda mais cruas e feias e porcas e más.

Exemplo (página 184):

musica para aguardente“Os cães corriam de um lado para o outro e a Honeysuckle continuava de pé, no meio do quarto, com o papagaio ao ombro. Ela era morena, talvez italiana ou grega, muito magra, com papos debaixo dos olhos; tinha um ar trágico, gentil e perigoso, acima de tudo trágico. Pousei o whiskey e a cerveja na mesa e todos avançaram na sua direcção. O H.R. começou a sacar as caricas das garrafas de cerveja e eu comecei a sacar o lacre ao whiskey. Uns copos poeirentos apareceram por ali, juntamente com vários cinzeiros. Através da parede í  nossa esquerda ribombou subitamente uma voz masculina: «Sua puta do caralho, quero que comas a minha merda!».

Sentámo-nos e eu distribuí o whiskey. O H.R. passou-me um charuto. Eu tirei-o da embalagem, mordi a ponta e acendi-o. 

– Que achas da literatura moderna? – perguntou-me o H.R.

– Não gosto muito dela.”

Outro exemplo (página 225):

“Leslie sentou-se com um scotch com água. Na rádio estava a passar Copeland. Bem, Copeland não era grande coisa, mas era melhor do que Sinatra. Temos de aceitar o que a vida nos dá e temos que tentar fazer com ela o melhor que pudermos. Era o que velho dele lhe dizia. Que se foda o velho dele. Que se fodam todos os fanáticos por Jesus. Que se foda Billy Graham e que vá levar no pacote.

Bateram í  porta. Era Sonny, o puto louro que vivia do outro lado do pátio. Sonny era meio homem e meio pila e estava baralhado. A maior parte dos tipos com pilas grandes tinham problemas quando a foda acabava. Mas Sonny era mais simpático do que a maioria; era meigo, era gentil e tinha alguma inteligência.”

E é este o tom de todas as histórias que, na sua grande maioria não têm propriamente um fim, mas são apenas descrições de bebedeiras, engates e coisas que acontecem a esta malta.

No mínimo, curioso…

“O Filho”, de Philipp Meyer (2013)

philipp meyerPhilipp Meyer nasceu em New York em 1974, estudou em Baltimore, foi mecânico de bicicletas e paramédico, entre outras coisas, até que, em 2009, publicou Ferrugem Americana.

Quatro anos depois, publicou este The Son, um verdadeiro épico sobre o Oeste americano, um romance que te agarra do princípio ao fim, contando a história de uma família de colonos, os McCullough.

A história, que começa nos finais do século 19, quando os colonos dizimam os índios, e acaba nos nossos dias, é-nos contada por três elementos da família, um de cada geração.

o filhoSem dúvida que os relatos mais interessantes são de Eli McCullough. Numa noite, a casa onde vivia com os pais, a irmão e o irmão, junto í  fronteira com as terras dos índios, é atacada pelos comanches. Todos são mortos violentamente e ele é tomado como escravo, vivendo os anos seguintes com os índios, aprendendo os seus usos e costumes. Mais tarde, quando os comanches são praticamente dizimados, regressa ao convívios dos brancos e torna-se ranger, combate depois no exército sulista, na guerra da sucessão e, finalmente, estabelece-se com um rancho, que há-de tornar-se num verdadeiro império quando se descobre petróleo no Texas.

Gostei bastante de ficar a conhecer muitas coisas sobre os comanches de que nunca tinha ouvido falar, apesar de tantos filmes de cowboys e revistas do Mundo de Aventuras.

Por exemplo: para os comanches, o bisonte era como o porco é para nós – aproveitava-se tudo.

«Os bisontes abatidos eram desmanchados onde caíam, embora “desmanchados” não seja a palavra certa; os Comanches eram como cirurgiões. A pele era cortada cuidadosamente ao longo da coluna, pois a melhor carne e os tendões mais compridos ficavam mesmo por baixo, e depois era tirada ao animal. (…) O estí´mago era removido, a erva tirada lá de dentro e o restante suco de imediato bebido como tónico, ou aplicado no rosto por aqueles que tinham furúnculos ou erupções cutâneas. O conteúdo dos intestinos era espremido entre os dedos e os próprios intestinos assados ou comidos crus. Os rins, o sebo dos rins e o sebo ao longo dos lombos também eram comidos crus enquanto o animal continuava a ser desmanchado, embora por vezes fossem ligeiramente assados, juntamente com os testículos do macho. (…) Se houvesse pouca água, as veias do animal eram abertas e o sangue bebido antes de ter tempo para coagular. O crânio era fendido, os miolos mexidos numa pele não curtida e igualmente ingeridos… (…) O estí´mago era lavado, seco e usado como reservatório de água. (…) A língua, a bossa, as costelas laterais e as costelas da bossa eram todas cortes de eleição e eram guardadas para churrasco. (…)»… e assim continua por mais alguns parágrafos, com uso para os ossos, a bexiga, o pericárdio, etc.

Para além de muito bem escrito, este calhamaço de 636 páginas (edição Bertrand, tradução de Fernanda Oliveira), ajuda-nos a perceber como foi a chacina dos índios, a expulsão dos mexicanos e até a explicar como o petróleo mudou a face da América e do mundo.

Aconselho vivamente.

Acontecimento do ano: a porra do Soriano

ATENí‡íƒO: Este texto não deve ser lido por jovens efebos, virgens indefesas e pupilos do exército.

Não, o acontecimento do ano não foi a prisão do Sócrates, o estoiro do BES, a condenação de Duarte Lima ou a detenção de Paulo Portas, perdão, Paulo Portas não é para aqui chamado porque, na verdade, ele nem sabe bem o que é um submarino…

E também não, o homem do ano não é Cristiano Ronaldo, nem o Papa Francisco, nem Carlos do Carmo, muito menos o vírus ébola.

O acontecimento do ano e o homem do ano são, simultaneamente, o espião cubano Gerardo Hernandez e o facto de ele ter engravidado a sua mulher, Adriana, que vive em Havana, apesar de estar preso e condenado a prisão perpétua, nos Estados Unidos!

Podem verificar a notícia aqui: http://odia.ig.com.br/noticia/mundoeciencia/2014-12-23/gravidez-de-cubana-foi-uma-das-condicoes-para-acordo-historico.html

poesiaO facto de Gerardo, nos EUA, ter conseguido engravidar a mulher, em Havana, trouxe-me í  memória um poema de Guerra Junqueiro (1850-1923), que faz parte da Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica, selecção de Natália Correia; este notável livro saiu, pela primeira vez, em 1965, mas foi logo apreendido pela PIDE – como era possível que escritores tão importantes como Guerra Junqueiro, Almeida Garrett, até Camões, tivessem escrito estas ordinarices!

Consegui, em 1973, um fac smile desse livro e passei algumas horas a copiá-lo, transcrevendo na minha velha e saudosa Olivetti…

Finalmente, em 1999, a editora Antígona-Frenesi teve a boa ideia de reeditar o livro.

Resumindo: a história do espião cubano fez-me lembrar o poemas A porra do Soriano, de Guerra Junqueiro, que é assim:

Eu canto do Soriano o singular mangalho!
Empresa colossal! Ciclópico trabalho!
       Para o cantar inteiro e o cantar bem
precisava de viver como Matusálem
        Dez séculos!

                               Enfim, nesta pobreza métrica
cantemos essa porra, porra quilométrica,
donde pendem os colhões de que dão ideia vaga
as nádegas brutais do arcebispo de Braga.

Sim, cantemos a porra, o caralho iracundo
que, antes de nervo cru, já foi eixo do Mundo!
          Mastro do Leviathan! Eminência revel!
          Estando murcho foi a torre de Babel!
          Caralho singular! É contemplá-lo!
                                                                        Â É vê-lo
teso! Atravessaria o quê?
                                             O Sete-estrelo?
Em Tebas, em Paris, em Lagos, em Gomorra
juro que ninguém viu tão formidável porra!

          É uma porra, arquiporra!
                                                        Â É um caralhão atroz
que se lhe podem dar trinta ou quarenta nós
e, ainda assim, fica o caralho preciso
para foder, da Terra, Eva no Paraíso!

Assim deve ser o do Gerardo que, dos States, engravidou Adriana, em Havana.

Abençoado!

“Belos Cavalos”, de Cormac McCarthy (1992)

cormac-mccarthyConheci Cormac McCarthy com A Estrada (2006) e fiquei logo adepto da sua escrita.

Logo a seguir, o nome deste escritor norte-americano foi muito badalado graças ao filme dos irmãos Coen Este País Não É Para Velhos.

Li o livro primeiro e confesso que, tanto o livro como o filme me desiludiram um pouco. Já escrevi porquê.

Posteriormente, li Filho de Deus (1973) e Suttree (1979) e o quadro começou a compor-se.

Cormac McCarhty nasceu em 1933, mas vive há muitos anos no Texas, em Santa Fé e os seus livros são, no fundo, livros de cowboys.

Belos CavalosEste Belos Cavalos (All The Pretty Horses) é claramente um western, embora a acção decorra na segunda metade do século 20.

O herói é John Grady Cole, um jovem adolescente que ainda não completou 17 anos mas tem a maturidade de um homem feito, graças í  vida dura que leva.

John Grady passa praticamente todo o livro em cima de um cavalo, excepto durante o período em que está preso numa miserável prisão mexicana.

Grady e um amigo decidem deixar a sua terra natal e cavalgar até ao México, onde arranjam trabalho como domadores de cavalos selvagens. Depois, tudo lhes acontece.

No final, qual poor and lonesome cowboy, John Grady despede-se do amigo e vai-se embora, em direcção ao horizonte.

«Onde fica a tua terra? perguntou

Não sei, disse John Grady. Não sei onde fica. Não sei o que acontece í s terras.

Rawlins não respondeu.

Até í  vista, parceiro, despediu-se John Grady.

Seja, até í  vista.

Ficou ali de pé, a segurar o cavalo enquanto o cavaleiro dava meia volta e viu-o trotar para longe e mergulhar aos poucos na linha do horizonte.»

Gostei.

“Deixa o Grande Mundo Girar”, de Colum McCann (2009)

Colum McCann nasceu em Dublin em 1965, mas vive em Nova Iorque, onde dá aulas de escrita criativa.

Deixa o Grande Mundo GirarEm 2009 publicou este Let the Great World Spin e, com ele, ganhou o National Book Award.

É um livro notável, emotivo, uma alegoria í  tragédia do 9/11 que, apesar de ser muito “americana”, toca-nos a todos.

O livro narra diversas histórias que têm um elo comum: o facto do funânbulo francês, Phillipe Petit, ter passado de um torre gémea para outra, equilibrando-se sobre o cabo de aço, a 7 de agosto de 1974.

Este facto verídico atravessa as histórias de um grupo de prostitutas de Bronx, de dois irmãos irlandeses, um deles padre, de um juiz e da sua mulher, que perderam um filho na guerra do Vietnam e de outras personagens, cujas vidas, banais, belas e dramáticas, como todas as vidas, acabam por ter algo a ver com aquele facto insólito e extraordinário: o de alguém se atrever a passear no espaço, entre as duas torres do World Trade Centre.

Gostei muito e aconselho.

 

 

A NSA espiou em Portugal

Edward Snowden confirmou que a agência norte-americana também espiou no nosso país, devassando telefonemas, mails e sms.

Eis alguns dos sms interceptados pela NSA:

1 – “Telmo: Leninha logo qd xegar a kasa vou te komer toda! 😄”

“Lena: Promeças, promeças!!!😍”

2 – “Vanessa: Tás a donde?”

“Márcio: Aki porra!”

3 – “Claudia: mano a mãe pargunta o ke keres para o jantar”

“Bruno: komida!”

A NSA desistiu de interceptar mais sms portugueses porque se confundiam com os polacos.