Cancer made in USA

Hugo Chávez pensa que descobriu a pólvora!

Perante o facto de diversos líderes da América Latina estarem em luta contra o cancro, Chavez interroga-se.

Foi o camarada Fidel a começar, o que é normal, já que ele é o líder espiritual e ideológico da esquerda latino-americana. Cancro do cólon. Renunciou ao cargo de chefe de Cuba, e entretém-se, na sua convalescença eterna, a experimentar fatos de treino.

Seguiram-se: a Presidenta Dilma, com um linfoma aparentemente debelado, Fernando Lugo, do Paraguai, também com linfoma, o próprio Chavez, com cancro da próstata, Lula da Silva, com cancro da laringe e, finalmente, Cristina Kirchner, da Argentina, com cancro da tiróide.

Diz Chávez: «seria assim tão estranho que os EUA tivessem desenvolvido uma tecnologia para espalhar o cancro e isso só se descubra dentro de 50 anos?».

í“ palerma – isso já eles inventaram há décadas!

Chama-se bomba atómica e provocou milhares de cancros nos japoneses!

Dez anos depois

Dez anos depois, os acontecimentos do 11 de Setembro, em Nova Iorque, transformaram-se em mais um fait-divers.

As televisões nacionais mudaram-se para Manhattan e transformaram tudo em “motivo de reportagem”.

E vemos o primo da amiga que era namorada do bombeiro que faleceu na queda das Twin Towers a ser entrevistado, mais o português emigrado que assenta tijolos na nova torre, mais o outro que esteve numa das torres horas antes do primeiro avião ter atravessado a estrutura.

O significado do ataque ao coração do capitalismo acaba por ser relegado para enésimo plano, enquanto diversas equipas de reportagem aproveitam para se passear pela Times Square, pela 5th Avenue, pelo Central Park, reportando insignificâncias.

A RTP, que tem não-sei-quantos milhões de prejuízo, enviou para Manhattan, pelo menos três equipas de reportagem e hoje, í  hora do almoço (e í  noite também, certamente) os telejornais foram transmitidos directamente de Nova Iorque!

Mas que merda é esta?!

Então não estamos em crise?

Afinal ainda há dinheiro para enviar todas esta maltósia para a terra do Uncle Sam?

Mas o que é que aconteceu de novo, que mereça tamanha cobertura jornalística por parte de um país periférico, a braços com uma crise económica do caraças?

Cambada de saloios novos ricos!

P.S. – E ontem no Congresso do PS, aquela cena do jornalista da Sic a mostrar os bastidores jornalísticos ao António José Seguro? Orgulhoso, dizia-lhe que ali trabalhavam 53 profissionais! 53 profissionais para cobrir o congresso do PS? Só da Sic? Se a RTP e a TVI, o DN e o Público, a TSF e a Antena Um, etc e tal, enviaram o mesmo número de pessoas, serão mais os profissionais da informação que os congressistas!

“O Céu É Dos Violentos”, de Flannery O’Connor (1960)

Flannery O’Connor morreu em 1964, aos 39 anos, vítima de lupus. Tinha apenas publicado dois romances e uma série de contos e ganho diversos prémios. O National Book Award foi-lhe concedido a título póstumo, em 1972, pela colectânea dos seus contos.

“The Violent Bear It Away” é o seu segundo romance e é uma história estranha, negra, fechada sobre si própria.

Ao ler o romance, não pude deixar de pensar na luta entre os criacionistas e os evolucionistas, que tantos ódios desencadeia nos EUA.

—O romance narra a história de Tarwater, um jovem de 14 anos. O seu tio-aví´, um lunático que se julga um profeta enviado por Deus, raptou-o, ainda bebé, e cuidou dele, ensinado-o a tornar-se, também, um profeta.

Vivem os dois isolados numa casa, no campo. Certo dia, o velho morre subitamente e o rapaz, incapaz de abrir uma cova suficientemente funda para enterrar o aví´, deita fogo í  casa com o aví´ lá dentro. Depois, foge para a cidade, em busca do seu tio, irmão da sua mãe. Este é um professor que renegou a religião, só aceitando a ciência. Vive só, depois de a mulher o ter deixado, a ele e a um filho, que é atrasado mental.

O professor recebe Tarwater de braços abertos. Quer tirar-lhe da cabeça todas as ideias místicas que o velho lá implantou e mostrar-lhe que a ciência tudo explica. No entanto, o rapaz é intratável, não aceitando sequer vestir roupas novas.

A linguagem da escritora é, ao mesmo tempo, lírica e rebuscada: “o rastilho podia ser um pau ou uma pedra, o desenho de uma sombra, o andar absurdo e geriátrico de um estorninho a atravessar o passeio”.

O retrato destas personagens obcecadas pela religião e pela culpa, dá uma ideia de uma certa América que, de certo modo, ainda se mantém nos dias de hoje.

O livro foi publicado em 1960 e está datado. Hoje em dia, um miúdo de 14 anos não passa de um fedelho. Tarwater, pelo contrário, é já um homem, fuma os seus cigarros e bebe o seu whisky.

O modo como a escritora falar dos personagens de raça negra, perdão, dos afro-americanos, também não seria bem aceite, hoje em dia: “Estava prestes a sentar-se quando, mais adiante, num espaço varrido pelo vento í  beira da estrada, viu uma cabana de pretos. (…) Os pretinhos ficaram a observá-lo até ter saído daquele lugar e ter desaparecido pela estrada abaixo”.

No final do livro, Tarwater afoga o primo imbecil, depois de o baptizar e, mais tarde, parece que é violado por um homem que lhe dá boleia, mas a escritora apenas o sugere.

A culpa, sempre a culpa. E a respectiva expiação…

Como a morte de Bin Laden pode contribuir para a santificação de João Paulo 2

Li hoje, no jornal, que só falta um milagre para João Paulo 2 passar de beato a santo.

Confesso que percebo pouco desta mecânica católica, mas o massacre das reportagens televisivas e das páginas dos jornais permitiram-me adquirir uma série de conhecimento inúteis sobre o modo como um beato se pode tornar santo.

E é assim: João Paulo curou a enfermeira francesa Marie Simon-Pierre, que sofria de doença de Parker. (passou a sofrer de doença de Scheaffer, mas isso agora não vem para o caso…)

Por esse motivo, foi-lhe concedida a condição de beato.

Agora, para que o Papa polaco possa tornar-se santo, é preciso que lhe seja atribuído outro milagre.

Está-se mesmo a ver que a morte de Bin Laden vem a calhar.

Há dez anos que os States andavam a trás do barbudo e nada. Acabaram por descobri-lo a uma hora de carro de Islamabad.

É ou não é um milagre?

Basta que Ratzinger faça um telefonema a Barak Obama e lhe proponha um negócio irrecusável: Bento 16, que tem uma relação especial com God, garante que Obama é reeleito presidente se os States declararem que a morte de Bin Laden foi o segundo milagre de João Paulo 2.

Ficam todos contentes: Obama volta a ser presidente, João Paulo torna-se santo e Bin Laden, mártir, vai juntar-se í s cinquenta virgens, mesmo junto ao Grande Profeta.

PS – Os americanos dizem que o corpo de Bin Laden foi atirado ao mar, seguindo as regras muçulmanas, isto é, os tubarões que estraçalharem o corpo do homem, estavam com a cabeça virada para Meca.

“The Life of David Gale”, de Alan Parker (2003)

—Kevin Spacey é um actor de poucos espalhafatos e gosto dele por isso. Já fez algumas patetices mas também já fez filmes notáveis (“American Beauty”, por exemplo). Neste filme, encarna David Gale, um professor universitário do Texas, que é militante contra a pena de morte. Numa festa, onde bebe demais, é tramado por uma aluna sedutora que, depois de se enrolar com ele, na casa de banho, com mútuo consentimento, o acusa de violação.

A partir desse episódio, a vida do professor dá uma volta, torna-se alcoólico e acaba por ser acusado da violação e morte da líder do movimento anti-pena de morte (Laura Linney).

A três dias da sua execução pede para ser entrevistado por uma jornalista (Kate Winslet), a quem vai contar a sua história (quase) toda.

E ficamos a saber como David Gale levou a sua militância anti-pena de morte ao extremo.

O filme é escorreito, Alan Parker é um realizador experiente e com muitos êxitos na carreira, Winslet não sabe ser má actriz e só o título em português destoa (“Inocente ou Culpado?”… patetice…)

“U Turn”, de Oliver Stone (1997)

—Bobby Cooper (Sean Penn) vai a caminho de Las Vegas para pagar uma dívida a um gangster quando o seu Ford Mustang se avaria, perto a uma pequena cidade perdida no deserto de Arizona, chamada Superior.

Aí, nessa cidade, Cooper vai-se envolver com uma série de personagens loucas, que o levam de um azar para outro: o mecânico louco (Billy Bob Thornton), a rapariga que se quer meter debaixo dele (Clare Dane) e o seu noivo psicopático (Joaquin Phoenix), a mestiça (Jennifer Lopez) que vive amantizada com o próprio pai (Nick Nolte) e o xerife (Powers Boothe) que conduz o carro da polícia sempre com uma garrafa de whisky na mão.

Parece um filme talhado para que cada um dos actores construa um bom boneco. O material é bom e alguns conseguem-no, caso de Billy Bob Thornton, que é um mecânico porco, louco e oleoso muito convincente e Joaquin Phoenix, que faz um eficaz psicopata sempre í  procura de uma boa sova.

Sean Penn faz o que costuma fazer bem,isto é, o papel de um looser com cara de obstipado e a Lopez vai para a cama com três deles, é o que ela sabe fazer bem (?)

E o deserto do Arizona fica sempre bem em qualquer filme…

Telegramas sortidos

Esta história da Wikileaks, que já enjoa, vai enjoar durante muito tempo – mais tempo do que a história da falta de açúcar (quantoÂ í  falta de afecto, nem vale a pena falar…)

Com mais de 200 mil telegramas roubados, haverá pano para mangas e sempre que os jornais estiverem sem assunto, podem sempre ir ao sítio do Assange e arranjam, de certeza, um telegramazito para fazer a primeira página.

No fundo, isto tem uma vantagem: fala-se menos da dívida soberana, que era outra história que já cheirava mal (sabem a como está a taxa de juro agora? se tivesse ultrapassado os 7% sabiam…).

Agora, no meio daqueles telegramas todos, descobriram um sobre a pobre da Maddie. Que o embaixador britânico disse ao americano que a polícia inglesa tinha descoberto provas contra os pais da miúda.

E depois? Isto é alguma novidade?

Não é, mas é o suficiente para mais umas quantas primeiras páginas e reportagens de 20 minutos nos telejornais.

Bocejo…

Vão ver que ainda vão descobrir um telegrama com o nome da mãe do filho do Cristiano Ronaldo, outro com a morada actualizada do Bin Laden e ainda outro com a cura do cancro…

PS – Assange é um apelido com sonoridade francesa e “singe” é “macaco” em francês. Por outras palavras, o fundador da Wikileaks é um grande macaco!

“Blow”, de Ted Demme

—George Jung foi o homem que, na década de 70 do século passado, estabeleceu o mercado de cocaína nos Estados Unidos.

Será que este tipo merece um filme biográfico? Pelos vistos, parece que sim e logo com Johnny Depp a encarnar essa personagem.

Filho de um casal desavindo, de um pai honesto, mas pobre, e de uma mãe dona-de-casa que queria sempre mais do que a vida lhe dava, George Jung iniciou-se no tráfico de droga com a canabis, na Califórnia e, a pouco e pouco, foi subindo no negócio, acabando por lidar pessoalmente com Pedro Escobar, transportando a coca para os States.

O filme arrasta-se um pouco, perdendo-se em pormenores e dando uma imagem de coitadinho a Jung, que acaba aldrabado pelo seu sócio, enganado pela mulher (Penélope Cruz), escorraçado pela mãe e condenado a muitos anos de prisão (parece que sai em 2015). Coitadinho do traficante…

Destaque para as fatiotas de Depp, fatos completos, com colete e tudo, vermelho vivo ou com motivos psicadélicos. Enfim, eram os anos 70-80 e o gajo era traficante de coca…

Cheira-me a que este filme se fez porque muita malta lá de Hollywood foi cliente de Jung…

“Suttree”, de Cormac McCarthy

—Cornelius Suttree habita numa casa flutuante, no rio Tennessee, perto de Knoxville. É ele o protagonista deste romance, datado de 1979, cheio de personagens estranhos, marginais, excêntricos, criminosos e pobres que, no entanto, mantêm um certo código de conduta, onde não falta a solidariedade, apesar do individualismo feroz de todos eles.

É um romance denso e foi difícil chegar ao fim. Ao contrário do despojamento, por exemplo, da “A Estrada“, este “Suttree” tem passagens muito complexas.

Um exemplo, entre muitos:

«Coisas antigas estranhamente novas, a cidade vista com um olhar clarividente. A repetição das imagens da própria urbe, qual enxurrada, devastara-a, e ele via agora, erectas e sem atavios sobre a planície aluvial morta, formas mais sinistras, a cidade das suas memórias tão fantasmagórica como ele mesmo e a sua pessoa reduzida a uma silhueta entre as ruínas, esgravatando artefactos ressequidos como um obscuro paleoantropóide no meio das ossadas de acampamentos arrasados onde não resta ninguém para dar voz ao que sucedeu.» (pág. 260)

Não deve ter sido fácil traduzir este livro. O tradutor, Paulo Faria, conta, no seu Prefácio, que visitou Knoxville, para melhor se inteirar do ambiente onde “Suttree” se desenrola e diz que a descrição que Mccarthy faz desta cidade já foi comparada í  Dublin de James Joyce, em “Ulysses” ou a São Petersburgo de Dostoiévski, em “Crime e Castigo”.

Outro exemplo:

«Suttree ouviu risos e sons de festa rija. Com a clarividência de um louco, viu a natureza perecível da sua carne. Meretrizes com seus indumentos desgraciosos chamavam-no de pequenos alpendres na noite, vestidas de andrajos berrantes, qual panóplia de bonecas extraídas de um sonho obsceno. E pelos estreitos caminhos, por entre a chuva e os relâmpagos, veio uma trupe de esquálidos foliões, carregando aos ombros, sobre varas, um dragão alado numa jaula e ainda outras feras alquímicas, quimeras e cacodemónios trespassados por chuços de caçar javalis, e uma farmacopeia de condimentos infernais a adornar um tabuleiro transportado por duendes, com um gnomo encanecido como porta-estandarte, a gritar imprecações torpes pelo orifício que lhe fazia as vezes de boca, e um flautista flauteando uma flauta de osso de borrelho e trazendo í  cinta um frasquinho de vidro contendo um qualquer combustível fumegante que chocalhava lá dentro, viscoso como azougue.» (pág. 299 e 300)

E a linguagem é sempre assim, lírica e rebuscada, mesmo para descrever as cenas mais prosaicas:

«De cabelo negro, as pernas raiadas de fuligem, coxas rijas sob o vestido fino, movia-se com uma espécie de obscenidade lírica. Faltava-lhe um dente da frente e, quando sorria, enfiava a ponta da língua no hiato. Quando o bar fechou, rolaram pelas ruas no banco traseiro de um táxi e ele afagou-lhe um seio na palma da mão e ela enfiou-lhe a língua na boca. Ele afastou-lhe as coxas húmidas e nuas com a mão, o calor molhado a empastar tudo o que ali sentia sob o dedo, na comissura forrada de seda.» (pág. 260)

McCarhy é natural de Knosville e este deve ser o romance mais autobiográfico do autor de “Este País Não é Para Velhos“.