“Crossing Over”,de Wayne Kramer

—Gostei bastante deste “pequeno” filme, com ar de ter um “low budget” e que, sem grande alarde, aborda um tema interessante: os imigrantes  que procuram, nos EUA, a terra prometida.

O protagonista da história é Harrison Ford, no papel de um polícia de fronteira, solitário, mas não empedernido. Ele interessa-se pelas histórias de via, quase sempre difíceis, dos imigrantes dos vários continentes que procuram, na Califórnia, um lugar para começar uma vida nova.

E acompanhamos o caso da jovem australiana que não hesita em ir para a cama com um funcionário do SEF lá do sítio (Ray Liotta), em troco da autorização de residência. E a história da adolescente muçulmana que, por escrever uma redacção em que tenta perceber a atitude dos “terroristas”, acaba por ser expulsa do país, juntamente com a mãe. E a história do outro australiano que se faz passar por judeu para conseguir trabalho numa escola judia e a consequente autorização de residência. E a história dos jovens coreanos que, uma vez instalados na sociedade americana, não hesitam em assaltar as lojas dos seus próprios conterrâneos. E as histórias dos mexicanos, que atravessam a fronteira uma, duas, três vezes, de um modo quase obsessivo.

Embora o filme não tenha nada de especial, conta-nos histórias verosímeis, sem tomar uma posição, deixando ao espectador a liberdade para formar a sua opinião.

“Casais Trocados”, de John Updike

—Publicado em 1968, a acção de “Couples“, de John Updike, decorre no início dos anos 60 e é pontuada por alguns acontecimentos da política norte-americana, nomeadamente, a crise dos mísseis de Cuba, o assassínio de Kennedy e a indigitação de Jonhson.

A história desenvolve-se em Tarbox, uma pequena localidade costeira de Massassuchets, onde uma série de casais vivem uma intensa vida social, com constantes jantares e festas e jogos de ténis. Nos intervalos, vão para a cama uns com os outros, trocando de pares com algum í -vontade, contrariando o puritanismo protestante reinante, embora mantendo uma capa de respeitabilidade.

Esta aparente liberdade sexual tornou-se mais fácil com o advento da pílula e as jovens mulheres, donas-de-casa ociosas, não se ensaiam muito para experimentarem os dotes sexuais dos maridos das amigas.

O principal herói, é Piet Hanema, um descendente de holandeses, frequentador da igreja, que detém uma pequena empresa de construção e renovação de edifícios e que, í  conta de ir lá a casa ver o que se pode fazer a esta porta empenada ou ao telhado que está partido, vai papando as mulheres dos seus amigos, acabando por engravidar uma delas. Para conseguir uma interrupção da gravidez, oferece a um dentista local, que se encarregaria do acto, uma noite com a sua própria mulher. O dentista aceita e a mulher de Piet também…

A linguagem de Updike é rebuscada e, de repente, crua. Parece que a sua descrição dos actos sexuais, pouco frequente na literatura dos anos 60, acabou por dar mais notoriedade ao livro e Updike foi capa da Time, por isso.

De facto, Updike tanto pode fazer descrições líricas do firmamento, da praia e dos paiús, como esta: 

“Cercava-o o trilar monótono dos grilos. A noite límpida ameaçava gear. A cascata rígida das estrelas parecia ter sofrido um empurrão lateral: Vega, rainha do céu de Verão, já não reinava no zénite, tendo cedido o seu lugar í  pálida Deneb e a uma constelação esfumada em forma de casa.”

Como pode usar uma linguagem explicíta, no que toca ao sexo, como esta pequena passagem:

“Ela puxou-lhe os cabelos, Vem cá para cima. «Vem para dentro de mim». E ele verificava, espantado, ele que ainda na véspera penetrara Foxy Whitman, que não havia cona como a de Angela, nenhuma era tão licorosa e cheia. (…) Tens uma cona celeste.”

É pena que a edição que comprei (Editorial Inova), seja tão pouco cuidada. Alguns erros de tradução são tão gritantes que existem frases que não fazem qualquer sentido e mais parecem erros tipográficos (serão?).

Apesar de ser um romance um pouco datado, vale a leitura.

24 – 7ª temporada

—O argumento da série 24 está cada vez mais inverosímil.

Na 7ª temporada, os EUA têm que enfrentar um bando de patetas, provenientes de um país imaginário, Sangala, comandados por um general improvável, chamado Zuma e que têm a brilhante ideia de invadir a Casa Branca.

Caso aquilo não resulte, têm, por trás, uma organização tentacular, que possui armas biológicas e que vai largá-las no metro de Washington, a fim de matar milhares de norte-americanos, provavelmente para obrigar a presidente dos EUA – desta vez uma mulher, que parece uma dona de casa desesperada – a renunciar, se é que é isso que eles querem, porque nunca se chega a perceber.

Tony Almeida que, afinal, não morreu, colabora com os maus, porque se quer vingar de um país que sempre serviu, mas que o lixou ou, então, quer-se vingar do homem que será responsável pela morte da mulher, Michelle, e que é o cérebro da tal organização, ou talvez não.

No meio de tudo isto, Jack Bauer passa um terço da série a morrer, depois de ter inalado gás cheio de H1N1 ou algo parecido, sempre a chutar dopamina para as veias para evitar as convulsões, sempre a sussurrar, em vez de falar, e com um trejeito na boca que lhe deve ter dado caimbras.

Confuso? Mais ficarão, depois de verem a 7ª temporada de 24 – uma série que já foi das melhores mas que, a partir da 5ª temporada se assemelha, cada vez mais, a um filme de acção de segunda categoria.

Salvam-se alguns bons momentos de Jack Bauer, como aquele em que, amarrado a uma mesa cirúrgica, depois de ter sido sedado e de lhe terem feito uma punção medular na coluna cervical (!), e apesar de ter apenas duas horas de vida, estar cheio de convulsões e movimento atetósicos, consegue libertar-se, cortar o pescoço a um dos médicos com um bisturi, matar o outro com um golpe de karate e partir o pescoço ao terceiro!

Aguardemos pela 8ª série, na qual Bauer, de cadeira de rodas, vence um exército inteiro enquanto sussurra qualquer coisa ininteligível.

Nopenhaggen 2009

Existe um certo paralelismo entre a vacina contra a gripe A e o aquecimento global.

Ambos têm defensores acérrimos e muita gente contra.

A vacina contra a gripe A começou por ser mal apresentada ao público. Com vergonha de confessar que fabricar uma vacina contra o H1N1 é semelhante a fabricar uma outra contra qualquer tipo de vírus da gripe, os laboratórios e as autoridades mundiais de saúde (OMS incluída), deram a entender que a pandemia ia matar milhões de pessoas, a menos que a indústria conseguisse fabricar uma vacina. Os governos, temendo sublevações da população mas, sobretudo, temendo as críticas da comunicação social, pressionaram a indústria e prometeram que comprariam milhões de doses. E a vacina surgiu, quase de um mês para o outro. No fundo, ela já estava preparada para o H1N5 – foi só modificá-la um pouco mas, a impressão que ficou na opinião pública, transmitida pela comunicação social, foi que a vacina foi fabricada í  pressa.

O resultado foi que muita gente, médicos incluídos, rejeitaram a vacina, com medo dos eventuais efeitos secundários.

Aqui, em Portugal, os meios de comunicação social passaram a ideia de que a vacina podia  matar fetos na barriga das mães. Impunemente. Até hoje, nenhum responsável de nenhum órgão de comunicação social foi responsabilizado pelo facto de transmitir informações erróneas sobre a vacina. Aquelas três grávidas tiveram morte fetal por que sim. Nada teve que ver com a vacina. Apenas os jornalistas fizeram essa assumpção.

Em resumo: a opinião pública, jornalistas e muitos médicos incluídos, falaram sobre a vacina contra a gripe A sem nada saberem sobre ela, deram apenas a sua opinião pessoal, sem nenhuma base científica, apenas pelo “ouvir dizer”, como se ouve dizer que a porteira do nosso prédio se anda a deitar com o carteiro.

Passa-se o mesmo com o aquecimento global.

Toda a gente, jornalistas incluídos, tem uma opinião sobre o aquecimento global: o planeta está a aquecer e, em 2050, as Maldivas vão desaparecer da face do planeta. Claro que a maior parte das pessoas que, hoje em dia, têm uma opinião sobre isto, não estarão vivas em 2050 – o que quer dizer que não poderão confirmar se é verdade, ou não, que o planeta vai aquecer de tal modo, que as calotes polares vão derretr e o nível do mar vai subir não-sei-quantos-metros.

É que a posição da comunicação social é, no caso da vacina da gripe, no sentido de dar maior ênfase aos eventuais (e falsos) efeitos secundários, do que í s óbvias vantagens e, no caso do aquecimento global, adoptar a ideia de que é inexorável e de que, daqui a alguns anos, as ilhas do Pacífico vão desaparecer.

Depois, quando sabemos que os EUA, o Brasil, a Índia, a China e a ífrica do Sul são os responsáveis pelo acordo (frágil) de Copenhaga, interrogamo-nos: afinal, o aquecimento global será assim tão intenso? será que os dirigentes destes 5 grandes países se estão mesmo borrifando para o degelo das calotes? Será que as Maldivas e Vanuatu vão mesmo desaparecer ou, como me pareceu ser sugerido, alguns países em vias de desenvolvimento tentam aproveitar-se desta história para receber mais ajudas internacionais, depois gastas pelas mulheres dos seus dirigentes, quando viajam até í  Europa para virem comprar roupa de marca?

Em resumo: Hopenhaggen transformou-se em Nopenhaggen mas – podem crer – amanhã, toda a comunicação social, em Portugal, apenas falará do Benfica-Porto.

E, se calhar… ainda bem…

“Frost/Nixon”, de Ron Howard

nixonAo contrário de “Milk”, este filme de Ron Howard conseguiu prender a minha atenção do princípio ao fim, apesar de abordar um episódio muito específico da história recente dos EUA, episódio que desconhecia em absoluto.

Já depois de ter resignado, Richard Nixon (Frank Langella) é convidado para uma entrevista por um entertainer de segunda categoria, David Frost (Michael Sheen), conhecido por apresentar programas de entretenimento muito superficiais.

Nixon exigiu 600 mil dólares pela entrevista e Frost tentou, em vão, encontrar quem o patrocinasse. Decidiu, então, avançar sozinho, como produtor independente e vender, depois, a entrevista í s grandes cadeias de televisão.

Com a ajuda de dois ou três assessores, conseguiu o que ninguém conseguira: levar Nixon a admitir que actuara com intenção no caso Watergate.

Com um bom ritmo e diálogos excelentes, este “Frost/Nixon” foi uma agradável surpresa.

“A Vida e as Aventuras do Rapaz Relâmpago”, de Bill Bryson

rapazrelampagoÉ sempre um prazer ler um livro de Bill Bryson.

Embora seja mais conhecido pelos seus livros de viagens, Bryson escreve sobre quase tudo – aliás tem um livro chamado “Breve História de Quase Tudo”.

E escreve sempre de um modo muito divertido.

Este livro aborda a América da década de 50, do século passado, a década da prosperidade norte-americana e, também, a década em que Bill Bryson, nascido em 1951, cresceu.

Os pais de Bryson eram jornalistas no Register de Des Moines, no Iowa – o pai, jornalista desportivo, a mãe, de temas femininos e, pelos vistos, a infância do futuro escritor foi feliz e despreocupada.

No livro, Bryson relembra esses tempos, sempre com muitos e curiosos pormenores estatísticos.

Na década de 50, na América “éramos felizes e indestrutíveis. Não precisávamos de cintos de segurança, de airbags, de detectores de fumos, de água engarrafada, nem da manobra de Hemlich. Não eram necessárias tampas í  prova de crianças nos medicamentos. Passeávamos sem capacete quando andávamos de bicicleta, e sem joalheiras e cotoveleiras quando andávamos de skate. Sabíamos, sem que precisassem de nos lembrar por escrito, que a lixívia não era um refresco e que, quando exposta a um fósforo, a gasolina tendia a entrar em combustão. Não nos precisávamos de preocupar com aquilo que comíamos, pois quase todos os alimentos eram benéficos: o açúcar dava-nos energia, a carne vermelha tornava-nos fortes, o gelado proporcionava-nos ossos saudáveis, o café mantinha-nos alerta e produtivos”.

Tempos felizes, esses, onde até o tabaco era aconselhado pelos médicos…

Mas também existiam modas irritantes, como o aeromodelismo (e só a malta com mais de 50 anos, sabe do que estou a falar). “O modelismo tinha fama de ser muitíssimo divertido mas, na verdade, não passava de uma provação misteriosa que tínhamos de enfrentar de tempos a tempos, como parte do processo de juventude. Os modelos pareciam sempre divertidos, é verdade. As ilustrações nas caixas representavam aviões de combate de um pormenor maravilhoso (…). Mas, quando chegávamos a casa e abríamos a caixa, o conteúdo revelava ser de um cinzento-chumbo, ou de um verde-azeitona uniforme, consistindo talvez em sessenta mil partes minúsculas, algumas pouco maiores do que um protão, todas ligadas de uma qualquer forma orgânica e inseparável a varetas de plástico semelhantes a palitos de coquetel. Os tubos de cola, em contraste, eram enormes, do tamanho de seringas de pasteleiro. Por muito pouca força que se empregasse, vomitavam sempre pelo menos meio litro de uma gosma viscosa transparente cujo único instinto era aderir a qualquer objecto estranho – um dedo humano, os cortinados da sala, o pêlo de um animal de passagem – e transformar-se num fio infinitamente comprido.”

Tantas vezes que isto me aconteceu, no início da minha adolescência, até desistir, definitivamente de construir modelos de aviões, ou barcos, ou automóveis.

Bryson é dois anos mais velho do que eu, e enfrentou a possibilidade de ir para guerra do Vietnam um pouco antes de eu enfrentar a possibilidade de ir para a guerra colonial. Em ambos os casos, o que nos safou foi estudar.

Diz ele: “Em 1968, um quarto dos jovens americanos estava nas forças armadas. Quase todos os outros frequentavam a escola, estavam na prisão ou eram o George W. Bush”.

Impagável, este Bryson!

Viagra para os talibans

Segundo o Washington Post, os agentes secretos norte-americanos estão a oferecer comprimidos de Viagra aos chefes tribais afegãos, em troca de informações sobre os taliban.

De repente, fez-se luz no espírito da CIA!

O que os afegãos precisam não é de bombas, porrada e mau viver!

Do que eles precisam é de drogas da felicidade: fluoxetina (Prozac), para se sentirem felizes e Viagra, para manterem o pau feito e poderem comer as virgens, antes de chegarem ao paraíso.

Mas há aqui algo que não bate certo: quem precisa de Viagra tendo tanta papoila mesmo í  mão?…

“Dead Man”, de Jim Jarmusch

—Imagens a preto e branco do Oeste americano, como nós o imaginamos e como, de facto, ele é.

Um contabilista de Cleveland (Johnny Depp) viaja de comboio, atravessando oi continente americano. Aceitou um emprego numa metalúrgica kafkiana, numa pequena cidade lamacenta e obscura, cheia de bebâdos e prostitutas.

Envolve-se com uma delas e ambos são apanhados, na cama, por um antigo namorado dela. Quase sem querer, o contabilista, de nome William Blake, mata o ex-namorado, mas também é baleado, junto ao coração.

Ferido de morte, foge da cidade. Desmaiado, é recolhido por um índio (Gary Farmer), que se chama a si próprio Nobody.

É com este índio que William Blake vai fazer uma longa viagem até ao Oceano ou, se quisermos, até ao outro mundo.

Filme estranho, aparentemente absurdo, mas hipnótico. Datado de 1995,  é composto por pequenas cenas, interrompidas com fade-out, faz com que fiquemos presos ao écran esperando a cena seguinte, embora saibamos que nada de especial vai acontecer porque, ao fim e ao cabo, Blake já está morto, quase desde o início do filme…