Há um tipo, chamado Alberto Gonçalves, que se intitula sociólogo, que tem direito a uma página inteira do Diário de Notícias, todas as semanas.
Gostava de saber porquê.
O homem vomita desprezo por tudo que lhe cheire, ainda que vagamente, a esquerda; critica tudo e todos, como se vivesse no alto de uma torre de marfim, imune ao que se passa í sua volta; é um daqueles tipos que raramente se engana e nunca tem dúvidas.
Por mera curiosidade, li algumas das suas crónicas. Depois, fartei-me. Achei que os seus argumentos eram infantis; faziam-me lembrar as bocas que oiço no restaurante onde almoço todos os dias, bocas daqueles tipos que nunca fizeram nada de relevante, mas têm uma opinião importantíssima e definitiva sobre tudo.
Os meses foram passando e a crónica do Gonçalves continuava, semana após semana.
Rendendo-me í minha ignorância, googlei o nome da criatura. Seria algum autor extraordinário que eu desconhecia? Parece que não.
E até parece que há por aí muito boa gente que pensa como eu.
E, no entanto, o homem continua a encher, todas as semanas, uma página do DN.
E devem pagar-lhe por isso!…
Hoje, por exemplo, escreve esta infantilidade sobre a selecção:
«os jogadores da selecção são um exemplo para os jovens. Sem dúvida. Qualquer sujeito que não estudou, confiou na habilidade para os pontapés, conseguiu um emprego raro e fartamente remunerado no Real Madrid ou no Chelsea, aplica os rendimentos em automóveis de luxo, é incapaz de produzir uma frase em português corrente e enfeita o físico com jóias e tatuagens e penteados belíssimos constitui o modelo que os pais conscenciosos devem impor í descendência. De resto, a alternativa passa pelas Novas Oportunidades ou, erradicadas estas, pelo Impulso Jovem, que também promete.»
Este texto nem parece de um sociólogo.
O homem fala de jogadores de futebol, mas podia falar de estrelas pop, músicos rock, ténistas, e não só. Um futebolista tatuado e com brincos, que ganhe muito dinheiro, merece ser criticado, mas um músico pop (Gonçalves adora alguns), com penteado exótico e brincos de diamantes, tem uma profissão meritória? Pressente-se uma pontinha de inveja, não?
E depois, como o tiro ao Sócrates é um dos desportos preferidos do homem, tem que falar nas Novas Oportunidades, como se o Ronaldo quisesse acabar o liceu e, para dar uma de independência política, faz uma referência ao Impulso Jovem.
Que independente que ele é, caramba!
Mas o primarismo do especialista vem mais í superfície quando ele pretende comentar algo mais “político”.
Vejamos o que ele escreve sobre aquele episódio infeliz em que o porta-voz da extrema-direita grega agride uma deputada comunista, em directo, na televisão:
«“Agressão de neonazista evidencia na Grécia a violência da extrema-direita”, eis a manchete do portal brasileiro globo.com sobre os tabefes que um deputado do partido Chryssi Avhi distribuiu durante um debate televisivo a uma colega comunista. É engraçado como meses de agressões nas ruas de Atenas e outras cidades ainda não conseguiram evidenciar a violência da extrema-esquerda. Para cúmulo, selvagem que seja, o valente “neonazista” em causa agiu sozinho. Os selvagens que atacam propriedade alheia e gente avulsa agem em matilha, o que, mesmo sem as máscaras que í s vezes usam, torna a identificação difícil ou impossível. Decerto são tímidos. E sem motivo: no mínimo, arriscavam-se í glorificação na imprensa internacional, por simbolizarem a indignação que habita os corações gregos. Pois é, quando o ódio frequenta a ideologia correcta, a opinião pública e publicada chama-lhe indignação. Mas, não se enganem, também é ódio.»
O sociólogo critica-se a si próprio: ele faz parte da opinião pública e publicada e, com este texto, tenta desculpar a atitude do porta-voz da extrema-direita grega que, em directo, na televisão, deu três grandes estaladas numa deputada comunista. Para Gonçalves, o energúmeno foi um herói, porque não tapou a cara com máscaras e o que ele fez está desculpado pelo simples facto dos militantes da extrema-esquerda, mascarados e, portanto, cobardes, terem partido montras e provocado mortes, actuando em matilha.
Gonçalves é um pouco paranóide, na medida em que pensa que a imprensa internacional glorifica a acção indignada da extrema-esquerda e critica os tabefes da extrema-direita.
O que será, na opinião da criatura, a imprensa internacional?
Tentar desculpar um atitude irresponsável (ainda por cima, o herói, que actuou sem máscara, depois das estaladas, até fugiu e se escondeu da polícia…) com as manifes violentas que aconteceram em Atenas é de um primarismo que não se coaduna com um tipo que se diz sociólogo.
Por isso, pergunto: por que carga de água este gajo tem direito a uma página semanal no DN?