“Terra Amarga”, de Joyce Carol Oates (2010)

—Joyce Carol Oates (1938), é uma escritora norte-americana, autora de diversas novelas, peças de teatro e colectâneas de contos, e que, por várias vezes, fez parte das listas para o Nobel da Literatura.

Este Terra Amarga é um conjunto de dezasseis contos que têm em comum o luto, a perda e a violência das emoções.

Não são histórias fáceis e valem, sobretudo, pelo ambiente que Oates consegue criar com a força das suas palavras.

—A última história, que dá o título í  colectânea (Sourland) é, simultaneamente, erótica e violenta, contando-nos a história de Sophie, uma viúva de  meia-idade que, pouco depois da morte do marido, aceita ir ter com um homem que mal conhece, desfigurado por uma explosão e que vive numa cabana perdida no meio da floresta gelada do Minnesota.

Perturbadoras histórias, no mínimo…

Edição Sextante, 2014, tradução de Susana Baeta.

“O Motorista de Autocarro que Queria Ser Deus”, de Etgar Keret (2008)

Foi o título do livro que me despertou a atenção, claro.

—Mas confesso que as histórias de Keret são, no mínimo, estranhas.

Etgar Keret é um escritor israelita, nascido em 1967, conhecido como autor de histórias curtas, novelas e argumentos para televisão.

O Motorista de Autocarro que Queria Ser Deus é o título da primeira história desta colectânea que, originalmente, se intitula Missing Kissinger, que é a quarta história.

Claro que o título escolhido para a edição portuguesa não é inocente.

—Por vezes, a escrita de Keret faz lembrar os Contos do Gin Tónico, do Mário-Henrique Leiria, mas só por vezes.

Um exemplo:

A história Atravessar Paredes, começa assim:

“Ela tinha um daqueles olhares, meio desiludido, meio quero-lá-saber! Como alguém que descobre ter comprado leite magro por engano e não tem força para ir trocá-lo.”

Outro, tirado do início da história Exclusividade:

“Foi exactamente nessa altura que deitei abaixo uma parede. Os jornalistas são todos umas putas e eu deitei abaixo uma parede”.

Não há dúvida que são inícios prometedores mas, depois, a coisa perde-se um bocado.

A edição é da Sextante e a tradução, do hebraico, é de Lúcia Liba Muczick.

“Humidade”, de Reinaldo Moraes (2005)

—Reinaldo Moraes nasceu em São Paulo há 67 anos e ficou conhecido, por cá, graças ao romance Pornopopeia, que li há uns anos e de que não gostei particularmente.

Achei-o vulgar e cansativo, no que í s descrições de orgias sexuais dizia respeito, e muito difícil de ler, devido ao brasileiro muito fechado.

Porém, antes de publicar o romance, Moraes tinha lançado este livro de contos, Humidade, e acho que a sua escrita descabelada e pornográfica se adequa muito mais aos contos que a um romance de 600 páginas.

—Esta colecção de contos é, no entanto, um pouco heterogénea, no que respeita í  qualidade: há dois muito bons, há alguns menos bons e há outros perfeitamente dispensáveis.

No entanto, os contos Sildenafil e Humidade, valem o livro.

O conto Sildenafil (princípio activo do Viagra), é todo escrito em discurso directo; é uma conversa entre um marido e sua mulher, na cama, ela tentando que ele a coma, finalmente, depois de muito tempo de jejum sexual.

Em Humidade, Liminha, um informático banal, consegue engatar a Mariana, uma mocetona linda de morrer, boa como o milho, como nós diríamos, mas que se quer manter virgem até ao casamento e, pelos vistos, mesmo depois do casamento.

Mais do que as histórias propriamente ditas, o que torna este livro muito divertido, é a linguagem que Moraes usa.

Posso dar muitos exemplos.

Na história que dá título ao livro, o tal Liminha, depois de mais uma tampa da namorada, exclama:

Ah, replicou o Liminha mentalmente, se a tua mãe não fosse aquela catedral obtusa de gordura e carolice você não seria a neurótica que é e estaria a sentir, agora, uma Foz do Iguaçu de porra apaixonada escorrendo por essas pernas magníficas, depois de uma noite de sexo insano, minha flor…

No conto Festim, Fátima Márcia, que tenta caçar um ricalhaço, vai de táxi para uma festa na mansão do futuro marido:

No táxi, FM, como ela também gostava de ser chamada, foi idealizando lindos e mancebosos exemplares de homo erectus dispostos a adentrar com aguda sensibilidade sua fratura ontológica e encher de sentido seu ser-aí.

E só mais um exemplo, que podiam ser muitos mais. Este é retirado da História í  Francesa, em que um conde já entradote, casado com uma princesa muito mais jovem, gostaria que ela lhe lambesse um determinado sítio, mas não tem coragem para pedir:

Não contente em alojar o estrongalho na pandoreba ainda despreparada da moxa, o conde, ao mesmo tempo, introduziu-lhe um salivado índex no olho do rebulho, sem deixar de bolinar-lhe as balonetas bicudas e dar-lhe trabalho í  lâmbia, que o escolado conde atiçava com a sua própria lâmbia assanhada e babilenta.

Vale a pena o tempo que se perde a decifrar o português!…

“Manual para Mulheres de Limpeza”, de Lucia Berlin (1977-1999)

—Lucia Berlin nasceu no Alasca em 1936, publicou os seus primeiros contos aos 24 anos, foi enfermeira, telefonista, mulher da limpeza, professora de escrita criativa, viveu em várias cidades dos EUA, no México e no Chile, foi casada três vezes, teve quatro filhos, uma mãe e um aví´ alcoólicos, ela própria foi alcoólica e submeteu-se a várias desintoxicações, foi publicando os seus contos em diversas revistas, reuniu-os em vários livros que nunca tiveram grande aceitação, senão depois da sua morte, em 2004, no dia em que completava 68 anos.

Hoje em dia, é considerada uma das grandes escritoras norte-americanas, sobretudo de short stories e, de facto, este foi um dos melhores livros que li nos últimos tempos.

As histórias de Lucia Berlin têm pessoas reais dentro e são retratos do dia-a-dia, enriquecidos pela experiência de uma mulher que trabalhou em hospitais, deu aulas na Universidade, atendeu telefonemas, trabalhou como mulher-a-dias e teve uma vida cheia.

Num dos contos, Lucia, enquanto enfermeira, fala nas mortes dos doentes e, no que respeita í  morte de doentes ciganos, escreve algo que eu também já presenciei e que demonstra que os ciganos são iguais em toda a parte:

“Os ciganos são mortes boas. Eu acho… as outras enfermeiras não, e os seguranças também não. Há sempre dezenas deles que exigem estar com o moribundo, que o beijam e abraçam, a desligar e a estragar os televisores e os monitores e o resto dos aparelhos. A melhor coisa nas mortes ciganas é eles nunca mandarem calar os miúdos.

Os adultos clamam e choram, mas todas as crianças continuam a correr e a brincar e a rir, sem que lhes seja dito que devem estar tristes ou mostrar-se respeitosas.”

O presente volume, junta histórias de vários livros de Lucia (edição Alfaguara, com tradução cuidada de Rita Canas Mendes, com notas muito a propósito).

Aconselho vivamente.

“Um Copo de Cólera”, de Raduan Nassar (1978)

raduan-nassarRaduan Nassar (Pindorama, 1935) é um escritor brasileiro que este ano ganhou o Prémio Camões, o que fez com que as editoras se lembrassem dele.

A Companhia das Letras editou este Um Copo de Cólera, um texto que Nassar terá escrito em 15 dias, por volta de 1970, mas que só veio a público em 1978.

Trata-se de um conto, pequena novela, minúsculo romance, de qualquer modo, um texto escrito de supetão, como um grito ou um manifesto, sobretudo o capítulo mais longo, denominado, correctamente, O Esporro.

um-copo-de-colera-raduan-nassar-capaDepois de uma noite tórrida de amor e sexo, um casal zanga-se e lança-se num “bate-boca” violento.

Vale pelo ritmo, pelas palavras, pelo domínio da língua, embora seja um texto típico dos anos 70-80 do século passado, quase sem pontuação, como era, então, moda (recordo O Outono do Patriarca, do Gabriel Garcia Marquez, publicado em 1975).

Preciso ler mais coisas de Nassar para formar uma opinião.

“Ronda das Mil Belas em Frol”, de Mário de Carvalho (2016)

Entre Janeiro e Maio de 1986, fiz parte da equipa do programa de rádio Uma Vez por Semana, da responsabilidade do José Duarte.

Uma Vez por Semana – o seu programa sexual, foi algo de único na rádio portuguesa; parte da equipa do Pão Com Manteiga decidiu dedicar-se í  sexualidade, uma vez por semana, entre as 11 da noite e a uma da manhã e, í  meia-noite, convidávamos os ouvintes a experimentarem uma das posições para o acto.

Em resumo: um fartar de rir.

Da equipa fazia parte o Mário de Carvalho que, já nessa altura, era um daquele marotos que parecem que não partem um prato.

rondaVinte anos depois, Mário de Carvalho publica este Ronda das Mil Belas em Frol, um conjunto de pequenos textos malandrecos que me fazem lembrar os textos que ele escreveu para aquele programa radiofónico da extinta Rádio Comercial.

Mário de Carvalho conhece a nossa língua como ninguém e usa-a – digo mesmo que abusa dela.

Poderia citar inúmeros exemplos, mas deixo aqui estes:

“Era minha incumbência garantir o fulcro daquele intenso circuito de mó. Ia o eixo sendo inclinado num vértice complacente, conforme solicitado por tal arco ou pelo contrário, em inversões bruscas, para as quais eu, o fulcro, contava pouco. Irrompia do meio de mim, ombros no chão, um cone projectado, abrindo em leque até que desse”.

Ele há maneira mais elegante de descrever uma foda?

Há – e Mário de Carvalho é perito nisso.

Outro exemplo, este relacionado com uma senhora muito concentrada em si própria:

A senhora serpeava, estorcia-se, molezas a dar a dar, relance torvo, mas todos os revolteios e sonoridades eram concentrados em si própria.”

A riqueza da nossa língua, a abundância de sinónimos e de imagens, espraiam-se nestas pequenas histórias de macho latino, a quem não escapam casadas, solteiras, jovens ou balzaquianas.

Eis como é descrita a principal atracção das senhoras:

“Não há mais elegante delineio da Natureza que aquela abençoada fenda, sulcada em macios conchegos, figurando duas mãos que rezam, unidas ao alto, entrada de catedral, gasalho de mistério”.

Lê-se em três tempos.

“Todos os Contos”, de Clarice Lispector (2015)

todos-os-contosClarice Lispector nasceu na Ucrânia em 1920, mas emigrou para o Brasil com apenas 2 anos. casada com um diplomata, viveu em diversos países, mas sempre se considerou brasileira; faleceu no Rio de Janeiro, com 57 anos, vítima de cancro do ovário.

Considerada uma das mais importantes escritoras brasileiras do século XX, é autora de vários romances, livros infantis e muitos contos.

Este livro reúne todos os contos de Lispector, desde os primeiros, publicados em 1942, até a dois inacabados, que nunca tinham sido publicados.

Alguns destes contos são, na verdade, textos muito pessoais, em tom confessional; sobretudo os últimos, falam muito na morte.

Como se diz na introdução, os contos vão revelando o envelhecimento da autora, desde os verdes 20 anos até í  idade madura e as histórias neles contidas reflectem isso mesmo.

Para ler aos poucos (são mais de 500 páginas e dezenas de contos…).

“Um cisne selvagem e outros contos”, de Michael Cunningham (2015)

O autor de As Horas decidiu reescrever alguns contos de fadas e duendes e saiu-se muito bem.

cisne celvagemEste Um Cisne Selvagem, com ilustrações de Yuko Shimizu, lê-se de uma penada e sempre com um sorriso nos lábios.

í€ medida que vamos lendo as histórias, vamos reconhecendo as personagens e os truques de fantasia que conhecemos na infância: a Bela Adormecida, a Bela e o Monstro, as maçãs envenenadas, o feijoeiro mágico, os gigantes, os anões e as bruxas.

São onze pequenos contos, que terminam com um felizes para sempre, como todas as histórias de encantar.

Vale a pena.

“Música para aguardente”, de Charles Bukowski (1983)

Ora aqui está um livro que deve ser lido aos poucos, já que, todo de seguida, de certeza que acaba por aborrecer.

charles-bukowskiCharles Bukowski (1920-1994) escreve sobre personagens desesperados, desiludidos da vida, mortos-vivos que se arrastam pelas noites de Los Angeles, de bar em bar, do motel andrajoso para a corrida de cavalos e daqui para outro bar com cheiro a mofo.

As  cerca de trinta histórias reunidas neste volume, datado de 1983, cheiram a álcool e a tabaco e a linguagem explícita torna-as ainda mais cruas e feias e porcas e más.

Exemplo (página 184):

musica para aguardente“Os cães corriam de um lado para o outro e a Honeysuckle continuava de pé, no meio do quarto, com o papagaio ao ombro. Ela era morena, talvez italiana ou grega, muito magra, com papos debaixo dos olhos; tinha um ar trágico, gentil e perigoso, acima de tudo trágico. Pousei o whiskey e a cerveja na mesa e todos avançaram na sua direcção. O H.R. começou a sacar as caricas das garrafas de cerveja e eu comecei a sacar o lacre ao whiskey. Uns copos poeirentos apareceram por ali, juntamente com vários cinzeiros. Através da parede í  nossa esquerda ribombou subitamente uma voz masculina: «Sua puta do caralho, quero que comas a minha merda!».

Sentámo-nos e eu distribuí o whiskey. O H.R. passou-me um charuto. Eu tirei-o da embalagem, mordi a ponta e acendi-o. 

– Que achas da literatura moderna? – perguntou-me o H.R.

– Não gosto muito dela.”

Outro exemplo (página 225):

“Leslie sentou-se com um scotch com água. Na rádio estava a passar Copeland. Bem, Copeland não era grande coisa, mas era melhor do que Sinatra. Temos de aceitar o que a vida nos dá e temos que tentar fazer com ela o melhor que pudermos. Era o que velho dele lhe dizia. Que se foda o velho dele. Que se fodam todos os fanáticos por Jesus. Que se foda Billy Graham e que vá levar no pacote.

Bateram í  porta. Era Sonny, o puto louro que vivia do outro lado do pátio. Sonny era meio homem e meio pila e estava baralhado. A maior parte dos tipos com pilas grandes tinham problemas quando a foda acabava. Mas Sonny era mais simpático do que a maioria; era meigo, era gentil e tinha alguma inteligência.”

E é este o tom de todas as histórias que, na sua grande maioria não têm propriamente um fim, mas são apenas descrições de bebedeiras, engates e coisas que acontecem a esta malta.

No mínimo, curioso…

“O Assassinato de Margaret Thatcher”, de Hilary Mantel (2014)

Hilary Mantel (n. Thompson, GB, 1952) ganhou por duas vezes o Man Booker Prize, o que é um feito inédito.

assassinatoIsso e mais o título sugestivo do livro fez com que o comprasse.

Trata-se de uma colectânea de onze contos, o último dos quais dá título ao livro. Um eventual militante do IRA entra no apartamento de uma cidadã de Windsor, cuja janela dá para um local onde Thatcher há de passar, com o intuito de a assassinar a tiro.

Mas, como acontece nas restantes dez histórias, nada de especial acontece. O gozo das histórias é a escrita de Mantel, já que as histórias propriamente ditas não têm nada de especial.

Dispensável.