Que é feito dos jornalistas?

A greve dos motoristas de matérias perigosas pí´s a nu, mais uma vez, a falência de uma profissão que já foi das mais prestigiadas: o jornalismo.

Hoje, í  hora do almoço, os primeiros 40 minutos do jornal da Sic foram todos ocupados por reportagens relacionadas com a greve e com a requisição civil decretada pelo governo. Os directos sucederam-se, de norte a sul do país, e a imagem era sempre a mesma: um repórter, de microfone na mão, com um posto de combustíveis por pano de fundo. Ficámos a saber como estavam os depósitos numa bomba de Albufeira, numa outra em Coimbra, no Porto, em Lisboa, em Castelo Branco e apareceu até uma repórter a anunciar que, em Trancoso, havia duas bombas quase secas!

Penso que os habitantes de Nelas, Ferreira do Alentejo, Venda das Raparigas e Freixo de Espada í  Cinta devem ter ficado lixados por não falarem nas suas bombas de gasolina.

E que novidades, portanto, notícias, transmitiram todos estes excelsos jornalistas?

Nenhuma!

Tudo o que disseram já se se sabia desde ontem: os serviços mínimos não estavam a ser cumpridos na sua totalidade e o governo decretou uma requisição civil parcial.

O resto é reality show, é transformar um acontecimento numa telenovela. Sim, uma telenovela, porque foi dito que os grevistas têm provas de que os patrões querem subornar trabalhadores para furarem a greve, e que os patrões querem fritar o advogado porta-voz do sindicato, e que os polícias não querem conduzir os camiões, e ouvimos cidadãos apanhados pelos repórteres a darem a sua opinião, como se estivessem no Facebook ou nos famigerados fóruns, onde toda a gente dá palpites sobre tudo ““ e eu gostava de saber onde está o jornalismo?

Esta maneira de dar notícias demonstra a preguiça do jornalismo de hoje: em vez de procurar, investigar e, depois, editar a informação, põe-se o microfone em frente da malta que vai a passar e a notícia está dada.

Vergonhoso!

A greve

No segundo dia da greve dos motoristas de transporte de matérias perigosas, Vitorino ouviu nas notícias que um determinado posto de combustível iria ser abastecido.

Embora não andasse de carro há mais de uma semana, dirigiu-se para o referido posto e colocou-se na fila que já se formara.

Durante seis horas esperou pela sua vez, entretendo-se a fazer cruzadex.

Vitorino estava reformado e raramente usava o carro, que estava estacionado em frente ao prédio onde residia, devidamente tapado com uma cobertura que comprara no século passado e que, apesar de ter alguns rasgões, ainda servia muito bem o propósito de proteger a pintura.

Vitorino tinha até pensado em vender o carrito, mas quem iria pegar num chaço com mais de trinta anos?

Depois das seis horas de espera, Vitorino conseguiu atestar o depósito e encheu também um jerrican de 25 litros porque nunca se sabe…

Quando chegou í  praceta, o lugar para o carro ainda lá estava. Há gente com muita sorte. Estacionou o veículo, cobriu-o com a capota e levou o jerrican com gasolina para casa, guardando-a na despensa.

Três meses depois, quando o prédio ruiu como um castelo de cartas, ninguém percebeu o que tinha causado tamanha explosão…

Há greves e greves…

Nunca estive muito de acordo com o facto de a minha classe profissional fazer greve. Sempre achei que os médicos, ao fazerem greve, só estavam a prejudicar os doentes.

Sempre vi as greves como uma manifestação da luta de classes.

Os operários de um fábrica, ao fazerem greve, estão a lutar contra os patrões. Operários versus burguesia. Tipos que vão de transportes para o trabalho contra tipos que se deslocam de Mercedes.

Pelo contrário, no caso das greves dos médicos, é ver os tipos que vão de transportes para a consulta do Centro de Saúde, terem que voltar para trás porque os tipos que se deslocam em viatura própria, estão de greve.

Além disso, é muito difícil considerar os médicos como proletariado e os doentes como burguesia.

Dirão que os médicos não estão a fazer greve contra os doentes, mas para obterem qualquer coisa do Governo – no entanto, temos que concordar que quem é imediatamente prejudicado são os doentes.

Mais confusão me faz a greve dos magistrados. Como único órgão de soberania, não entendo como é possível fazerem greve. Acaso o Presidente da República também pode fazer greve?

Claro que isto é uma caricatura, mas é assim que eu vejo as greves.

Compreendo-as e apoio-as quando os prejudicados são os patrões.

No entanto, quando os prejudicados são os doentes, os alunos, os utentes dos transportes públicos, penso que poderiam ser escolhidas outras formas de luta, digamos, mais imaginativas.

Vem isto a propósito das catadupas de greves que estamos e vamos enfrentar, neste ano de eleições.

Não há grupo profissional que não tenha entrado ou vá entrar em greve.

Dizem que há mais greves este ano do que nos anos da troika, o que é espantoso – até parece que os sindicatos tiveram medo da troika, ou estavam de acordo com a política de austeridade imposta naqueles quatro anos.

Das greves recentes, dois grupos profissionais se destacam: os professores e os enfermeiros.

Nestes conflitos, as posições, quer dos sindicatos, quer do Governo, extremaram-se de tal modo, que não será possível qualquer tipo de acordo, a não ser por decreto.

Não vi os professores exigirem o descongelamento das carreiras e a contagem do tempo congelado com tanto vigor, no tempo do Passos Coelho e não vi os enfermeiros fazerem greve quando o mesmo Passos sugeriu que os licenciados procurassem emprego lá fora, e desse modo, temos, neste momento, mais de 15 mil enfermeiros emigrados (números da Ordem dos Enfermeiros).

Talvez fosse o momento dos sindicatos inventarem outras formas de luta que, simultaneamente, não prejudicassem os utentes, mas tivessem a mesma dimensão mediática, que é, no fundo, o que se pretende com estas greves burguesas.

Ramalho, o enfermeiro mártir

Para memória futura, relembro os factos.

Há alguns meses, dois sindicatos dos enfermeiros iniciaram uma luta a favor daquilo que consideram justas reivindicações dos enfermeiros.

Entre essas reivindicações destacam-se o aumento salarial de 400 euros (de 1200 para 1600) para todos os enfermeiros em início de carreira e a reforma aos 57 anos (neste momento, a reforma é aos 66 anos e 5 meses).

Como o Governo não cedeu, o Sindicato Democrático dos Enfermeiros e a Associação Sindical dos Enfermeiros (ambos formados recentemente), declararam greves prolongadas em novembro e dezembro do ano passado e todo o mês de fevereiro deste ano.

Em resposta, o Governo pediu um parecer ao Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República sobre esta greve e a PGR considerou que a greve era ilícita, por dois motivos.

Em primeiro lugar, porque o pré-aviso de greve indicava que ela seria total e, afinal, só os enfermeiros dos blocos operatórios fizeram greve e, mesmo assim, em regime rotativo. Graças a esta artimanha, bastava que um enfermeiro fizesse greve para que o bloco não pudesse funcionar. No dia seguinte, outro enfermeiro faria greve e o bloco continuava parado. Deste modo, milhares de cirurgias tiveram que ser adiadas. Entretanto, os restantes enfermeiros, quer os hospitalares, quer os dos Centros de Saúde, não faziam greve.

Em segundo lugar, a PGR considerou ser ilícito o financiamento dos grevistas por um crowdfunding, angariado no Facebook, e que era gerido por uma empresa e não pelo sindicato.

Após este parecer da PGR, a Associação recuou e desconvocou a greve, mas o Sindicato reagiu, através do seu presidente, e levou a luta para novos patamares.

Carlos Ramalho, o presidente do Sindicato Democrático dos Enfermeiros, criado em 2017 e cujos estatutos foram alterados e republicados no final do mês passado, afirmou aos jornalistas:

“Se era necessário um mártir, ele está aqui, sou eu, Carlos Ramalho, presidente do Sindepor”.

E, por esse motivo, iniciou hoje uma greve de fome í  porta do Palácio de Belém.

Acho pouco.

Considerando as reivindicações – aumento salarial de 400 euros e reforma 9 anos antes dos restantes trabalhadores – Carlos Ramalho deveria, pelo menos, imolar-se pelo fogo, em frente ao Ministério da Saúde.

Só assim o nome de Carlos Ramalho poderia figurar no monumento patente no Campo Mártires da Pátria!

Nacionalismo? Não, obrigado

Na página 140 do livro de Yuval Noah Harari, “21 Lições para o Século XXI”, pode ler-se:

“Consequentemente, durante a Guerra Fria o nacionalismo ficou em segundo plano face a uma abordagem mais global í  política internacional, e quando a Guerra Fria acabou, a globalização pareceu ser a onda irresistível do futuro. Esperava-se que a Humanidade deixasse as políticas nacionalistas completamente para trás, transformando-se elas numa relíquia de tempos mais primitivos que podiam seduzir, no máximo, os habitantes mal-informados de alguns países subdesenvolvidos. Todavia, os acontecimentos dos últimos anos mostraram que o nacionalismo ainda exerce uma atração poderosa sobre os cidadãos da Europa e dos EUA, já para não falar da Rússia, da Índia e da China.”

Mas afinal, o que é que eu tenho em comum com o Gaspar Andorinha, que vive em Mirandela, que não tenha com o Jeremy Smith, que vive em Bristol?

O que faz de mim português, em oposição a cidadão da Europa?

Como diz o historiador Harari, eu tenho gostos e preferências comuns com meia-dúzia de pessoas; talvez me consiga integrar numa pequena comunidade, uma família, talvez uma tribo – nunca uma nação.

Portanto, seria mais fácil admitir que faço parte de um Planeta global, com todas as diferenças permitidas e respeitadas.

Mas eis que, agora, querem regressar aos nacionalismos, ao orgulho da ser húngaro, ou polaco, ou italiano, por oposição a ser europeu, ou cidadão do mundo. Do mesmo modo, estamos a criar pequenos grupos, e pertencemos, com orgulho, aos coletes amarelos, aos motards, aos guardas prisionais, aos enfermeiros, aos professores, etc. E estes grupos têm interesses em comum que, aparentemente, são contrários aos dos restantes grupos, ou independentes deles.

Pode parecer exagerado comparar interesses de pequenos grupos profissionais com interesses nacionais, mas o espírito é o mesmo. Não podemos pensar num país isoladamente, assim como não podemos pensar numa classe profissional separada das restantes.

Vem tudo isto a propósito da recente celeuma entre Itália e França – que já não se via desde a 2ª Guerra Mundial -, e da recente requisição civil dos enfermeiros, após uma greve prolongada.

Assim como a Itália não pode pensar no problema dos imigrantes que vêm de ífrica sem a ajuda da França e dos restantes países da Europa, também os enfermeiros não podem tentar resolver as suas reivindicações, ignorando que estão integrados num Serviço Nacional de Saúde, que integra muitos outros profissionais.

Vendam a cocaína!

As autoridades conseguiram interceptar um navio, ao largo dos Açores, que levava, a bordo, cocaína equivalente a cerca de 100 milhões de euros.

Se fosse devidamente cortada com bicarbonato, farinha Maizena ou gesso, talvez desse para doses que, vendidas no mercado negro, isento de IVA, valessem quase 200 milhões.

Ficava o problema dos enfermeiros resolvido.

Os enfermeiros continuam a exigir, entre outras coisas, um aumento salarial de 400 euros. Coisa pouca.

Diz a ministra Temido que esse aumento, assim, de repente, para todos os enfermeiros no início da carreira, equivale a cerca de 220 milhões.

Como o governo não cede, os enfermeiros decidem fazer nova greve í s cirurgias.

Reivindicações justas, certamente.

Pena que não tenham sido feitas há mais tempo, quando o ministro era o actual Chefe da Caixa Geral de Depósitos…

Mas enfim… os enfermeiros acham que, atirando com milhares de utentes que aguardam cirurgias para as listas de espera, estão a lixar o governo, e que este, temendo perder as eleições, lhes vai dar tudo o que exigem.

Entretanto, como diz o povo, quem se lixa, é o mexilhão…

Será ético manter uma greve destas?

Eu acho que não – mas isso sou eu, que sempre defendi o SNS, ao longo de 40 anos de carreira…

Mas, já agora, que a ética parece ter pouco a ver com as lutas sindicais, por que não vender as toneladas de coca apreendidas e, com o lucro, dar o aumento que os enfermeiros exigem?

Assim como assim…

Madeira – farol da Democracia

Na véspera de uma Greve Geral, em que milhares de portugueses irão mostrar a sua indignação perante as medidas de austeridade que nos estão a atirar para a recessão, num momento em que muitos se interrogam sobre o destino da Democracia, numa altura em que o capitalismo selvagem parece estar a tomar conta das nossas vidas – eis que a Madeira, a Pérola do Atlântico, nos mostra o caminho.

Como?

Simples!

Os deputados do PSD na Assembleia madeirense decidiram que um único deputado pode votar pelos restantes 25.

De facto, por que raio é que 25 deputados se hão-de deslocar í  Assembleia, quando um único pode fazer o trabalho de todos?

O PSD continua com a maioria absoluta, mas mais curta do antes; com efeito, o PSD tem apenas mais dois deputados do que a soma dos deputados da Oposição. Imagine que, por exemplo, dois ou três deputados do PSD têm outra coisa mais importante para fazer do que ir apanhar secas na Assembleia. O partido fica em minoria e pode perder votações.

Nada disso.

O líder da bancada do PSD vota e o seu voto vale pelos 25 deputados!

É assim mesmo!

Obrigado, Alberto João, pelo exemplo que continuas a dar!

E obrigado pelos 3 milhões que vais gastar no fogo de artifício!

Eu próprio já contribuí para os teus foguetes, com metade do meu subsídio de Natal!

Espero que te rebentem na peida, pá!

Greve ao sexo? Pois claro!

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A deputada social-democrata belga, Marleen Temmerman propí´s que as mulheres dos políticos façam greve í s relações sexuais até que todos cheguem a um acordo e haja, finalmente, governo (a Bélgica está sem governo há 240 dias!)

Esta estranha iniciativa merece-me os seguintes dois comentários:

Primeiro: tanta gente que diz estar a ser fodida pelo governo e há belgas que propõem deixar de foder porque não há governo!

Segundo: basta olhar para a cara da Marleen para aderir í  greve que ela propõe!

Já!