The good, the bad and the ugly

No que respeita aos ingleses, temos que os classificar em três categorias principais.

Temos os bons, que são aqueles que inundam o Algarve, enchem os hotéis e os alojamentos locais, as piscinas e os restaurantes, os bares e os campos de golfe.

Podem beber até vomitar, ignorar o uso de máscara e o distanciamento social, mas são tão bonzinhos! Vêm lá de longe, em voos charter, só para salvar o nosso turismo.

God save the good british people!

Mas temos também os ingleses maus, que foram aqueles adeptos do Manchester City e do Chelsea que vieram para o Porto provocar desacatos, andar í  porrada uns com os outros e fazer figuras tristes na Ribeira. Está bem que esgotaram a cerveja e gastaram uns cobres nos bares e restaurantes rascas, mas afugentaram os clientes dos restaurantes bons que, vendo aquela bagunça, preferiram almoçar em casa.

Bad british people!

Finalmente, temos os chefes dos ingleses, o Boris Johnson e colegas. Eles veem the good british people a tostar no Algarve e a gastarem as libras em Portugal, e ficam com inveja; por revenge, decidem enviar para cá the bad british people cometer desacatos, em vez de irem andar í  porrada í  volta de Wembley ““ e, finalmente, colocam Portugal na lista negra, obrigando os seus súbditos a quarentena, se quiserem viajar até cá. E porquê? Por que temos uma dúzia de casos da variante nepalesa. No fundo, o que o governo inglês quer é que os britânicos gastem o dinheiro das férias no seu próprio país.

São the ugly british people.

Temos que acabar com esta dependência pelo turismo britânico.

Portugal não pode ser para inglês ver.

“Crónicas de Uma Pequena Ilha”, de Bill Bryson

cronicaspequenailha.jpg“Notes From a Small Island” foi publicado em 1995 e os ingleses não devem ter ficado muito satisfeitos com o título que Bryson escolheu; no entanto, comparando com a Austrália, a Inglaterra não passa de uma pequena ilha.

Como é habitual, a leitura destas crónicas de Bryson é muito divertida e escolhi alguns nacos, quase ao acaso.

Sobre a passividade e a paciência dos ingleses:

“Sempre achei lamentável – de um ponto de vista global – que uma experiência tão importante, no que diz respeito í  organização de uma sociedade, fosse calhar ao povo russo quando afinal o povo britânico teria lidado com ela muito melhor. Tudo aquilo que é necessário para levar a cabo um sistema socialista rigoroso é algo que, afinal, faz parte do instinto do povo britânico. Para começar, gostam de passar por privações. São bons a trabalhar em união face a uma situação adversa, em benefício de um bem comum como é evidente. São capazes de se manter em filas durante tempo indeterminado, de forma paciente, e aceitar com resignação impar uma necessidade de racionamento, restrições leves e uma súbita e preocupante escassez de bens essenciais, como só alguém que já alguma vez esteve num supermercado í  procura de pão, numa tarde de sábado, poderá compreender. Sentem-se í  vontade face a burocracias sem rosto e, como a Sra. Tatcher provou, são tolerantes para com as ditaduras. Possuem um dom especial para dizerem piadas acerca da autoridade, sem a desafiarem de facto, e ficam deveras satisfeitos com a derrocada dos ricos e dos poderosos. A partir dos 25 anos, a maioria dos britânicos veste-se como os alemães da parte leste. Em resumo, as circunstâncias são todas a favor.”

Sobre o grande amor dos britânicos pelos animais: 

“Não existe nada que me faça sentir mais inadaptado na Grã-Bretanha do que a atitude dos seus habitantes para com os animais, í  excepção da crença inabalável que possuem em relação í s previsões climatéricas e o gosto geral por piadas que envolvam a palavra «bottom». Sabiam que a National Society for the Prevention of Cruelty to Children foi fundada 60 anos depois da Royal Society for Prevention of Cruelty to Animals, e como uma derivação desta? E sabiam que, em 1994, a Grã-Bretanha votou a favor de uma directiva da União Europeia que requeria a fixação de períodos de descanso para os animais de carga, mas contra a que estabelecia períodos de descanso para trabalhadores das fábricas?”

Sobre a imprevisibilidade do clima, na Inglaterra: 

“Tenho um pequeno recorte, já um bocado velho, que trago comigo e do qual me sirvo, í s vezes, para me divertir. Foi tirado de um boletim meteorológico que vinha no Western Daily Mail e diz: «previsão: tempo seco e quente, mas mais fresco e com alguma chuva».”

Sobre a cultura geral dos ingleses:

“Ao fim e ao cabo, é um país onde a grande final de um programa como Mastermind é frequentemente ganha por motoristas de táxis e guarda-freios. Nunca cheguei í  conclusão se isto é impressionante ou assustador – se é um país onde os maquinistas conhecem Tintoretto e Leibniz, ou um país onde as pessoas que conhecem Tintoretto e Leibniz acabam como maquinistas.”

São quase 350 páginas de devaneios de um americano, passeando por Inglaterra, tomando nota das idiossincrasias dessa pequena grande ilha, sempre com muito humor. E ficamos a saber que, afinal, não é só em Portugal que os patos-bravos dão cabo das cidades, construindo monstros de vários andares e descaracterizando as cidades do interior.