“Tomás Nevinson”, de Javier Marías (2021)

Suspeito que, depois de escrever, ou enquanto escrevia, “…Berta Isla“, Javier Marías achou que tinha em mãos uma muito boa ideia e que podia e devia explorá-la.

Berta Isla era casada com Tomás Nevinson, um homem com dupla nacionalidade, inglês e espanhol, e versado em muitas línguas e capaz de fazer diversos sotaques e tons de voz.

Cedo foi recrutado para os serviços secretos britânicos e nesse primeiro livro, embora saibamos alguns episódios da sua vida de espião, sabemos, sobretudo, como a sua mulher suporta as suas longas ausências e até a notícia da sua morte que, afinal, era claramente exagerada.

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Neste volume de 650 páginas, Marías conta-nos o regresso de Nevinson do mundo dos mortos, a sua reintegração na embaixada de Londres em Madrid e, finalmente, descreve-nos, em pormenor, a sua nova missão.

Javier Marías é abundante em descrições dos pensamentos e das angústias das personagens; por exemplo, demora cerca de cem páginas para descrever o encontro de Nevinson com o seu chefe, altura em que vai conhecer a sua nova missão.

Esta última missão de Tomás Nevinson consiste em tentar descobrir qual de três mulheres, que vivem numa determinada cidade, teve um passado terrorista, ligado ao IRA e í  ETA ““ e o livro é muito crítico em relação a estas duas organizações terroristas, descrevendo os seus atentados nos anos 90 do século 20.

Travestido em professor de inglês, Nevinson, com outro nome, claro, vai aproximar-se das três mulheres, tentando perceber qual delas teve um passado de terrorista.

E, finalmente, quando se descobrir qual delas é a tal, será que Nevinson é capaz de a matar?

Curiosa esta frase, colocada na boca do protagonista e muito actual: “E esse conceito moderno de crimes de guerra é ridículo, é estúpido, porque a guerra se compõe sobretudo de crimes, em todas as frentes, e do primeiro ao último dia”.

Recomendo.

“Berta Isla”, de Javier Marías (2017)

O estilo de Javier Marías é inconfundível, sobretudo no que diz respeito í  descrição das suas personagens.

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Por exemplo, eis a descrição de Tupra, o agente secreto que vai contratar Tom Nevinson:

“…Tinha um crânio volumoso que lhe disfarçava a farta cabeleira encaracolada, de tal modo que nas têmporas se formavam caracóis ou quase. Os olhos eram azuis ou cinzentos, delimitados por umas pestanas demasiado compridas e espessas., femininas ao ponto de parecem postiças ou pintadas. O seu olhar pálido parecia irónico, talvez sem intenção de o ser, e bastante agradável ou apreciativo, olhos aos quais nunca é indiferente aquilo que lhes aparece pela frente e que fazem sentir-se dignas de curiosidade as pessoas sobre quem pousam: como se possuíssem um precedente que merecesse ser desvendado. Tomás Nevinson pensou que quem sabe olhar assim tem muito a ganhar, quem foca com nitidez e í  altura adequada, que é a do homem; e quem apanha ou capta ou melhor absorve a imagem que está í  sua frente, provavelmente acaba por se tornar irresistível para muitas mulheres, independentemente da sua classe, profissão, experiência, beleza, idade ou grau de petulância”.

É assim, com esta profusão de adjectivos, sinónimos e frases descritivas, que o autor nos vai contar a estranha história de Berta Isla, precoce namorada e depois mulher de Tomás Nevinson que, fruto do seu jeito para as línguas, os sotaques e as imitações, se torna agente secreto, ao serviço de Sua Majestade.

Berta é espanhola, Tomás tem dupla nacionalidade e a sua relação de marido e mulher vai sofrer muitos interregnos, por mor da profissão dele.

O livro é narrado por Berta, embora tenha, também, alguns capítulos dedicados a Tomás Nevinson e o escrito espanhol percebeu que tinha, entre mãos, um excelente material e escreveu uma espécie de segundo volume, este chamado exactamente “…Tomás Nevinson”, e que vou ler já de seguida.

Aconselho vivamente.

“Não Mais Amores”, de Javier Marias (2012)

Javier Marias (Madrid, 1951) reuniu neste volume todos os seus contos.

Diz o próprio que “…o que aqui se oferece acabe por ser a totalidade aceite e aceitável da minha contribuição para o género. Tenho poucas dúvidas de que, a ser assim, o dito género não perderá grande coisa”.

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O autor sofrerá de falsa modéstia.

Para ser sincero, os contos de Javier Marias não me entusiasmaram.

Um tradutor metido em sarilhos durante a rodagem de um filme com Elvis Presley podia ser um bom princípio para um conto. Uma mulher que lê para um fantasma, também. Uma aspirante a actriz porno í  espera de conhecer o seu companheiro no filme, idem. Tudo boas ideias, mas que, depois, se perdem, penso eu, num emaranhado de frases complexas.