“As Benevolentes”, de Jonathan Littell

benevolentesDemorei quase um ano a ler este calhamaço de 884 páginas. A letra  é miudinha, quase não há parágrafos e os diálogos são todos corridos – caso contrário, o livro ultrapassaria, facilmente, o milhar de páginas.

Fui-o o lendo em doses pequenas, em voz alta, para amenizar a densidade da coisa.

Littell tem apenas 42 anos e este é o seu primeiro grande romance. Com ele ganhou o Prémio Goncourt e o Grande Prémio do Romance da Academia Francesa de 2006. Embora seja nova-iorquino, escreveu-o em francês e, em França, teve um sucesso estrondoso, o que já não aconteceu nos EUA.

A acção de “As Benevolentes” decorre na 2ª Grande Guerra e o narrador é um nazi SS, convicto, Max Aue, que nos vai descrevendo as maiores atrocidades cometidas pelo Reich, com uma amoralidade difícil de engolir.

Aue, ele próprio, é uma personagem bizarra, amoral: de origem francesa, Aue abandona a família para ingressar na SS porque é um nazi convicto; a sua sexualidade é, no mínimo, estranha – só tem relações com homens, mas está apaixonado pela sua irmã gémea, com quem teve uma relação incestuosa na adolescência; as mulheres, em geral, causam-lhe repugnância, no entanto, sente uma atracção sexual muito intensa pela irmã e deseja-a ardentemente.

Aue atravessa a guerra, convencido dos valores preconizados por Hitler e vai sempre em frente, sem hesitações, passando pelos campos de concentração e seus horrores, por Estalinegrado e a sua mortandade, e sempre com aquela sensação de que está a cumprir um dever mas, ao mesmo tempo, sem qualquer moral, no fundo, sem qualquer respeito pela vida humana, a não ser a sua própria sobrevivência.

A certa altura, parece estar chocado com o modo como os prisioneiros são tratados, parece revoltar-se pelo facto de estarem subnutridos e andrajosos e de terem uma esperança de vida muito curta. Mas, no fundo, o que Aue pretende é que os prisioneiros durem mais uns meses, de modo a poderem trabalhar para o Reich, nas fábricas de armamento.

Aue sobrevive aos bombardeamentos, í  frente de batalha, a todas as agruras de uma grande guerra e í s suas próprias guerras interiores, acabando por assassinar o padrasto, a mãe e o seu maior amigo.

Por vezes, o livro é difícil de ler, com tantas descrições minuciosas das discussões entre os vários oficiais alemães – até parece que o autor está a escrever as suas memórias, como se tivesse privado de perto com Himmler, ou Eichmann, ou Goebbels.

Penso que Littell conseguiria o seu objectivo com metade das páginas. Por outro lado, o facto do livro ser tão extenso confere-lhe verosimilhança.

No final, ficamos com um sabor amargo na boca e com vontade de ir ler outro livro que nos fale de coisas mais agradáveis…