“O Fim”, de Karl Ove Knausgard (2011)

Que alguém me dê os parabéns: consegui acabar hoje o 6º volume de A Minha Luta, monumental autobiografia romanceada da autoria do norueguês Karl Ove Knausgard.

Este 6º volume, intitulado O Fim, tem 1094 páginas e pesa cerca de um quilo e 400, o que faz com que os seis volumes totalizem cerca de 3500 páginas.

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É obra, caramba!

Neste último volume, Knausgard lamenta-se, nas primeiras 200 páginas, do que escreveu no primeiro volume, A Morte do Pai, e do que isso provocou na família do seu pai, nomeadamente no seu tio Gunar, que o ameaça com o tribunal, dizendo que ele mentiu quando disse que o seu pai morreu depois de dois anos de alcoolismo intenso.

Como é habitual, entre os lamentos, leva os três filhos ao jardim-escola, põe a loiça na máquina, vai fumar para a varanda ou discute com a mulher, Linda.

Depois, seguem-se 400 páginas sobre Hitler. Knausgard decidiu incluir neste volume um extenso ensaio sobre a ascensão do ditador. Confesso que passei algumas páginas í  frente, sem as ler.

Depois, disso, o autor relata o sucesso dos seus livros, que vão saindo, o modo como eles são notícia em todo o lado, como, de repente, se transforma numa espécie de ícone pop e, nas últimas centenas de páginas, relata mais uma crise de Linda, que é bipolar e que, alterna momentos de intensa mania com depressões profundas, acabando por ser internada num hospital psiquiátrico.

E tudo isto é, sempre, relatado ao mesmo tempo que Knausgard muda a fralda a John, ou dá o pequeno-almoço a Vanja e Heidi, ou vai até í  horta urbana arrancar ervas, ou dá entrevistas a jornais e revistas.

É óbvio que Knausgard é um narcisista convicto e, apesar de se revelar um tímido, que odeia multidões e contactos sociais, adora falar sobre si próprio e toda esta obra é uma demonstração de narcisismo.

Fui lendo os diversos volumes, ao longo dos últimos seis anos e gostei mais de uns do que de outros; sem dúvida que o primeiro, A Morte do Pai, foi o que mais me marcou, devido í  novidade da escrita, mas este último também me agradou bastante.

Os outros volumes estão aqui: A Morte do Pai; Um Homem Apaixonado; A Ilha da Infância; A Dança no Escuro; Alguma Coisa Tem Que Chover

“Alguma Coisa Tem que Chover”, de Karl Ove Knausgard (2010)

Foi com alguma relutância que comecei este 5º volume da obra do norueguês Knausgard, com o título genérico A Minha Luta.

O primeiro volume – A Morte do Pai – surpreendeu toda a gente. Surpreendeu, sobretudo, pelo estilo autobiográfico romanceado, com a descrição minuciosa de gestos do dia a dia, enrolar um cigarro, lavar a loiça, despejar o lixo. Surpreendeu pelo modo desabrido como Knausgard falava do seu pai e do seu alcoolismo, da sua avó paterna e da sua demência.

O segundo volume – Um Homem Apaixonado – mantinha a mesma dinâmica e intensidade, mas o mesmo não posso dizer dos volumes 3 e 4 – A Ilha da Infância e Dança no Escuro. Nestes dois volumes, o estilo tornou-se repetitivo e já foi difícil acabar a leitura de mais esses dois tijolos.

—Este Alguma Coisa Tem que Chover passa-se todo em Bergen, entre os 19 e 0s 32 anos de Knausgard e, por momentos, volta a ter a dinâmica do primeiro volume.

O mais curioso nestas quase 600 páginas é, sem dúvida, o modo de vida do autor, entre os 19 anos e os 28, idade com que publicou o primeiro romance. O homem vive de bolsas de estudo, estudando muito pouco, e de subsídios vários do Estado, passando os dias bêbado e sem escrever porra nenhuma. Com toda a honestidade, descreve palermices como bater punhetas com livros de arte com pinturas de mulheres nuas, noite passadas nos bares de Bergen em que bebe até ao oblívio, dias e dias em que tenta escrever e não escreve nada!

Aos 2o anos, eu era pai do meu primeiro filho e comecei a trabalhar como jornalista um ano depois; aos 27 era médico. Nessas idades, Knausgard embebedava-se e fazia coisa nenhuma. E é isso que este volume descreve – quanto mais não fosse, este 5º volume teria essa “virtude”.

Finalmente, aos 28 anos, Knausgard publica o seu primeiro romance e é um grande sucesso; no entanto, nos quatro anos seguintes, a sua vida continua na mesma: bebedeiras e aluguer de casas em zonas isoladas, para que o escritor conseguisse criar. Patético!

O “sofrimento” dos escritores está bem espelhado neste livro.

Será que Knausgard se apercebe que, deste modo, desmascara toda esta encenação do sofrimento?

“No Outono”, de Karl Ove Knausgard (2015)

—Enquanto se aguarda a publicação do 5º volume da série A Minha Luta, a editora Relógio D’ ígua publica este No Outono, o primeiro de mais quatro livros que este escritor norueguês escreveu.

Não há dúvida que o homem escreve que se desunha, mas nem tudo merecia ser publicado, acho eu.

Gostei muito, mas mesmo muito, de A Morte do Pai, gostei um pouco menos de Um Homem Apaixonado, já bocejei um pouco com A Ilha da Infância e tive alguma dificuldade em acabar Dança no Escuro.

Quanto a este No Outono, achei-o desinteressante.

Knausgard diz que esta série de quatro livros são uma espécie de carta para uma filha que vai nascer – e que será a sua quarta filha.

Suponho que, depois deste, surgirão volumes com as restantes estações do ano.

O livro é um conjunto de textos sob os mais variados temas, desde o silêncio, sacos plástico, golfinhos, a boca, víboras, molduras, igrejas, sapos, etc, etc.

A qualidade e interesse dos textos são muito irregulares; alguns são interessantes, outros são banais, muitos podiam ser textos de um qualquer blog mais ou menos confessional.

Não tenciono ler os outros três volumes, caso sejam editados por cá.

“A Minha Luta -4: Dança no Escuro”, de Karl Ove Knausgard (2010)

Karl Ove Knausgard continua a sua luta, com o quarto volume deste projecto monumental, que consiste em contar a sua vida com pormenores insignificantes e, aparentemente, sem deixar de fora situações mais embaraçosas, como o facto de ter ejaculação precoce e ter demorado tanto tempo até conseguir perder a virgindade.

—Este quarto volume narra a experiência de Knausgard como professor; pelos vistos, na Noruega é possível tal coisa: depois acabar o ensino secundário e com apenas 18 anos, Knausgard foi viver para uma pequena aldeia piscatória, no norte do país, onde deu aulas durante um ano.

Ao longo de 400 e tal páginas, Knausgard descreve as aulas, a casa onde viveu durante aquele ano, como ocupava os tempos livres, a atracção que sentiu por algumas das alunas e, sobretudo, as grandes bebedeiras. Ao que parece, todos os jovens bebem muito na Noruega e a bebedeira é frequente.

No final do livro, já depois de ter terminado o ano lectivo e de ter regressado a Bergen, Knausgard vai com um amigo a um festival qualquer de rock e aí, finalmente, depois de várias garrafas de vinho, lá consegue perder a virgindade com uma desconhecida gorducha.

Dos quatro volumes deste Minha Luta, este terá sido o menos interessante, na minha opinião.

Os outros volumes são: A Morte do Pai; Um Homem Apaixonado; A Ilha da Infância.

“A Ilha da Infância”, de Karl Ove Knausgard (2009)

E cheguei ao fim da metade deste projecto colossal do norueguês Knausgard, com o título global, mais ou menos provocador, de A Minha Luta.

ilha da infanciaDepois de A Morte do Pai , o meu preferido até agora, e de Um Homem Apaixonado, este A Ilha da Infância custou-me um pouco a acabar.

Claro que são interessantes as descrições das aulas de natação, das idas í  escola, das brincadeiras de um grupo de miúdos que teve o privilégio de viver uma infância ao ar livre, sempre de bicicleta de um lado para outro; no entanto, este terceiro volume da obra de Knausgard não tem nenhuma daquelas incursões teóricas e/ou filosóficas sobre a escrita, a pintura, a arte em geral, ou sobre as virtudes e os defeitos da espécie humana.

São 400 páginas de brincadeiras, alegrias e desilusões de um miúdo, muitas delas dedicadas ao seu ódio de estimação: o pai austero, sempre pronto a humilhá-lo e a castigá-lo; percebe-se agora bem o ódio que Knausgard destila pelo pai no primeiro volume.

Uma coisa me deixa um pouco perplexo: a infância de Kanusgard pode ter sido recheada de brincadeiras, mas raramente há um gesto de afecto; do pai, nem pensar, mas também a mãe me parece muito fria e ausente e a relação com o irmão mais velho é isenta da cumplicidade que quase sempre existe entre irmãos.

Na página 241, Knausgard resume bem a influência do pai:

«A minha mãe salvou-me, porque, se não estivesse estado presente, eu teria crescido somente com o meu pai e, nesse caso, ter-me-ia suicidado, mais tarde ou mais cedo, de uma maneira ou de outra.»

Noutra altura, Knausgard conta como tudo naquela família obedecia a rotinas e rituais, nomeadamente, comer-se uma maçã a meio da tarde. Certo dia, o pobre do Karl Ove terá comido duas, pensando que o pai não desse por isso; pois no dia seguinte, o pai obrigou-o a comer várias maçãs, uma atrás da outra, até ele quase vomitar, para lhe provar que uma maçã por dia era o número certo!

Aguardemos pelo quarto volume.

“Um Homem Apaixonado”, de Karl Ove Knausgard (2009)

E já está despachado o segundo tijolo dos seis que constituem este momumental projecto que é “A Minha Luta”, da autoria do norueguês Knausgard.

homem apaixonadoDepois de A Morte do Pai, este Um Homem Apaixonado tem, como pano de fundo, o segundo casamento do autor, com Linda, e o nascimento dos três filhos, Vanja, Heidi e Jon, em apenas 4 anos.

O título é um pouco enganador porque, apesar de apaixonado, Karl Ove passa o tempo a discutir com Linda que, ainda por cima, é bipolar.

O autor debate-se entre a vidinha de todos os dias, fazer, comer limpar a casa, mudar as fraldas aos miúdos, levá-los ao infantário, aturá-los, fazer o jantar, levar o lixo para os contentores e arranjar tempo para escrever.

Tal como no primeiro volume, ora levamos com a descrição pormenorizada de como Karl Ove limpa o chão da cozinha, incluindo que tipo de detergente usa, ora apanhamos com uma exposição demorada sobre Dostoievsky ou qualquer outro clássico.

E podemos dizer que, ao fim e ao cabo, não se passa nada. Karl Ove discute com Linda ou com a vizinha de baixo, que é russa e faz barulho fora de horas, mudam-se de Estocolmo para Malmo, de vez em quando vai fazer leituras a Universidades, compra livros e discos, tem jantares com amigos, fala sobre tudo e nada com o seu amigo Geir e, quase no final do livro, vai jogar í  bola com um grupo de conhecidos, cai e fractura uma clavícula, o que deixa Linda muito chateada porque, nos dois meses seguintes, terá que ser ela a tomar conta dos três miúdos sozinha.

Delicioso!

No entanto, notei uma incongruência no autor. Na página 457, numa conversa com Geir, Karl Ove diz:

«Lembro-me de a Tonje estar sempre a falar de uma coisa terrível que lhe tinha acontecido, muitos anos antes. (…) Ao fim de dois anos, acabou por me contar tudo. Eu não tinha bebido. E ouvi-a com toda a atenção, sem pensar em mais nada. Ouvi atentamente cada palavra que ela dizia e, depois, falámos muitas vezes sobre o assunto. Mas acabei por esquecer tudo. Passados poucos meses, já não lembrava fosse do que fosse. Nada.»

E o autor continua neste tom, lamentando-se por ter, na altura, apenas 35 anos e ter já a memória tão queimada… e no entanto, ao longo destes dois livros relata episódios do passado, até da sua adolescência, com grande profusão de pormenores, incluindo longos diálogos.

Estamos, portanto, perante uma autobiografia ficcionada, e não há mal nenhum nisso.

Só um pequeno pormenor, quanto í  edição, da responsabilidade da Relógio d´Agua (tradução do inglês de Miguel Serras Pereira): talvez com a pressa de lançar o livro no mercado, existem vários erros, digamos, tipográficos, que uma revisão aturada teria evitado.

Por exemplo: “O tema da discussão eram agora” (página 38); “chávenas de café e piores numa bandeja” (em vez de pires, página 297), “Linda pusera em cima da mesa pratos da cozinha que trouxera da cozinha” (página 386). E há mais.

Fico í  espera do 3º volume.

“A Morte do Pai”, de Karl Ove Knausgard (2009)

Knausgard nasceu em 1968 em Oslo, capital da Noruega, e vive actualmente em Malmo (Suécia).

knausgardEstes dois factos simples talvez ajudem a perceber uma obra como esta. Talvez o facto de ser originário do norte da Europa, possa ajudar a explicar a frieza com que este escritor se expõe neste projecto, que envolve seis livros autobiográficos, sob o título genérico e provocatório de “A Minha Luta”.

O primeiro livro, “A Morte do Pai”, é sobre isso mesmo, a morte do pai de Knausgard; a relação entre ambos não terá sido a melhor e isso nota-se na amargura com que o autor descreve o seu pai, um professor de província, que se tornou alcoólico no fim da vida.

morte do paiNestas primeiras 377 páginas (parece que os seis livros somam 3500 páginas…), Knausgard conta-nos diversos episódios da sua infância e juventude, a sua relação com uma mãe, que me pareceu ausente, e com o irmão mais velho, que lhe serviu de modelo durante algum tempo. A certa altura, o livro centra-se na morte do pai e Knausgard descreve minuciosamente, os dias que passou com o irmão a limpar a casa onde o pai vivia e que se tinha transformado num armazém de lixo e garrafas vazias – e, nesses dias, reencontra a avó paterna, já um pouco demente e, também ela, dependente do álcool.

Minucioso é o termo.

Knausgard preenche páginas e páginas com a descrição minuciosa de coisas banais.

Um exemplo, na página 275:

«Tirei um saco plástico da gaveta, esvaziei os dois cinzeiros que estavam na mesa, fechei-o e deitei-o no saco de lixo preto meio cheio que estava no canto, arranjei um pano, limpei o tabaco e as migalhas da mesa, pus o pacote de tabaco e a máquina de enrolar a um canto, sob o parapeito da janela, abri a janela e prendia-a com o ferrolho.»

Ou este outro, na página 320:

«Na cozinha, despejei a água, torci o pano e pousei-o na borda do balde, e a minha avó sentou-se no seu lugar de sempre. Quando tirei o cinzeiro da mesa, ela levantou a cortina e olhou para fora. Esvaziei o cinzeiro, voltei, peguei nas chávenas, pu-las no lava-louça, humedeci o pano da cozinha, espalhei detergente na mesa e estava a limpá-la quando Yngve entrou com um saco em cada mão. Pousou os sacos e começou a tirar coisas. Primeiro aquilo que iríamos comer e que ele pousou na bancada, quatro filetes de salmão embalados a vácuo, um saco de batatas com vestígios de terra, uma couve-flor e um pacote de ervilhas congeladas, e depois todas as outras coisas, algumas que enfiou no frigorífico e outras no armário ao lado».

De salientar o pormenor dos filetes de salmão embalados no vácuo e das batatas com vestígios de terra…

E descrições destas abundam no livro.

Mas é assim a vida, não é?… feita de rotinas, de gestos mecânicos de coisas comezinhas.

Um dos livros mais marcantes dos últimos tempos.