“A Minha Luta -4: Dança no Escuro”, de Karl Ove Knausgard (2010)

Karl Ove Knausgard continua a sua luta, com o quarto volume deste projecto monumental, que consiste em contar a sua vida com pormenores insignificantes e, aparentemente, sem deixar de fora situações mais embaraçosas, como o facto de ter ejaculação precoce e ter demorado tanto tempo até conseguir perder a virgindade.

—Este quarto volume narra a experiência de Knausgard como professor; pelos vistos, na Noruega é possível tal coisa: depois acabar o ensino secundário e com apenas 18 anos, Knausgard foi viver para uma pequena aldeia piscatória, no norte do país, onde deu aulas durante um ano.

Ao longo de 400 e tal páginas, Knausgard descreve as aulas, a casa onde viveu durante aquele ano, como ocupava os tempos livres, a atracção que sentiu por algumas das alunas e, sobretudo, as grandes bebedeiras. Ao que parece, todos os jovens bebem muito na Noruega e a bebedeira é frequente.

No final do livro, já depois de ter terminado o ano lectivo e de ter regressado a Bergen, Knausgard vai com um amigo a um festival qualquer de rock e aí, finalmente, depois de várias garrafas de vinho, lá consegue perder a virgindade com uma desconhecida gorducha.

Dos quatro volumes deste Minha Luta, este terá sido o menos interessante, na minha opinião.

Os outros volumes são: A Morte do Pai; Um Homem Apaixonado; A Ilha da Infância.

“Manual para Mulheres de Limpeza”, de Lucia Berlin (1977-1999)

—Lucia Berlin nasceu no Alasca em 1936, publicou os seus primeiros contos aos 24 anos, foi enfermeira, telefonista, mulher da limpeza, professora de escrita criativa, viveu em várias cidades dos EUA, no México e no Chile, foi casada três vezes, teve quatro filhos, uma mãe e um aví´ alcoólicos, ela própria foi alcoólica e submeteu-se a várias desintoxicações, foi publicando os seus contos em diversas revistas, reuniu-os em vários livros que nunca tiveram grande aceitação, senão depois da sua morte, em 2004, no dia em que completava 68 anos.

Hoje em dia, é considerada uma das grandes escritoras norte-americanas, sobretudo de short stories e, de facto, este foi um dos melhores livros que li nos últimos tempos.

As histórias de Lucia Berlin têm pessoas reais dentro e são retratos do dia-a-dia, enriquecidos pela experiência de uma mulher que trabalhou em hospitais, deu aulas na Universidade, atendeu telefonemas, trabalhou como mulher-a-dias e teve uma vida cheia.

Num dos contos, Lucia, enquanto enfermeira, fala nas mortes dos doentes e, no que respeita í  morte de doentes ciganos, escreve algo que eu também já presenciei e que demonstra que os ciganos são iguais em toda a parte:

“Os ciganos são mortes boas. Eu acho… as outras enfermeiras não, e os seguranças também não. Há sempre dezenas deles que exigem estar com o moribundo, que o beijam e abraçam, a desligar e a estragar os televisores e os monitores e o resto dos aparelhos. A melhor coisa nas mortes ciganas é eles nunca mandarem calar os miúdos.

Os adultos clamam e choram, mas todas as crianças continuam a correr e a brincar e a rir, sem que lhes seja dito que devem estar tristes ou mostrar-se respeitosas.”

O presente volume, junta histórias de vários livros de Lucia (edição Alfaguara, com tradução cuidada de Rita Canas Mendes, com notas muito a propósito).

Aconselho vivamente.

“Um Copo de Cólera”, de Raduan Nassar (1978)

raduan-nassarRaduan Nassar (Pindorama, 1935) é um escritor brasileiro que este ano ganhou o Prémio Camões, o que fez com que as editoras se lembrassem dele.

A Companhia das Letras editou este Um Copo de Cólera, um texto que Nassar terá escrito em 15 dias, por volta de 1970, mas que só veio a público em 1978.

Trata-se de um conto, pequena novela, minúsculo romance, de qualquer modo, um texto escrito de supetão, como um grito ou um manifesto, sobretudo o capítulo mais longo, denominado, correctamente, O Esporro.

um-copo-de-colera-raduan-nassar-capaDepois de uma noite tórrida de amor e sexo, um casal zanga-se e lança-se num “bate-boca” violento.

Vale pelo ritmo, pelas palavras, pelo domínio da língua, embora seja um texto típico dos anos 70-80 do século passado, quase sem pontuação, como era, então, moda (recordo O Outono do Patriarca, do Gabriel Garcia Marquez, publicado em 1975).

Preciso ler mais coisas de Nassar para formar uma opinião.

“Numa Casca de Noz”, de Ian McEwan (2016)

No ano em que celebra o 400º aniversário da morte de Shakespeare, Ian McEwan decidiu homenagear o bardo escrevendo uma pequena variação a Hamlet.

numa-casca-de-nozTrudy está grávida, fim de tempo, e planeia envenenar o marido e pai da criança, de conluio com Claude, irmão do marido.

A originalidade do Nutshell (Gradiva, tradução de Ana Falcão Bastos), é que toda a história é narrada pelo feto que, í  medida que vai contando as peripécias da trama, vai fazendo comentários ao incómodo que lhe provoca as relações sexuais, sobretudo quando a sua mãe é penetrada por Claude, que é um bocado bruto e algo estúpido, contrastando com seu pai, editor, livreiro e poeta; o feto descreve-nos também as sensações que tem quando a sua mãe bebe uns copos a mais, ou quando ela está ansiosa, ou sonolenta ou excitada.

Prestes a nascer, o feto divaga, por exemplo, sobre o facto de nascer no Reino Unido:

“Vou herdar uma situação de modernidade (higiene, férias, anestésicos, candeeiros de leitura, laranjas no Inverno) e habitar um canto privilegiado do planeta – a Europa Ocidental bem alimentada e livre de pestes. A velha Europa, esclerótica, relativamente generosa, atormentada pelos seus fantasmas, vulnerável aos opressores, insegura, destino de eleição de milhões de infelizes. A minha vizinhança imediata não vai ser a próspera Noruega – a minha primeira opção devido ao seu gigantesco fundo soberano e í s suas generosas prestações sociais; nem a segunda, a Itália, devido í  cozinha regional e ao declínio abençoado pelo sol; nem sequer a terceira, a França, pelo seu pinot noir e auto-estima confiante. Em vez disso, vou herdar um reino não tão unido quanto isso, governado por uma estimada rainha idosa, onde um príncipe-empresário, famoso pelas suas boas obras, pelos elixires que usa (essência de couve-flor para purificar o sangue) e pela sua ingerência inconstitucional, aguarda com impaciência a coroa. Será essa a minha pátria, e terá de servir. Podia ter visto a luz do dia na Coreia do Norte, onde a sucessão é igualmente incontestada, mas onde há escassez de liberdade e de alimentos”.

São tiradas destas, da autoria de um feto em fim de tempo, que tornam o livro diferente, já que a história em si, não tem nada de especial.

Curioso.

Outras obras deste autor: A Balada de Adam Henry, Mel, Na Praia de Chesil, Cães Pretos, Entre Lençóis, Jardim de Cimento, Solar.

“Ronda das Mil Belas em Frol”, de Mário de Carvalho (2016)

Entre Janeiro e Maio de 1986, fiz parte da equipa do programa de rádio Uma Vez por Semana, da responsabilidade do José Duarte.

Uma Vez por Semana – o seu programa sexual, foi algo de único na rádio portuguesa; parte da equipa do Pão Com Manteiga decidiu dedicar-se í  sexualidade, uma vez por semana, entre as 11 da noite e a uma da manhã e, í  meia-noite, convidávamos os ouvintes a experimentarem uma das posições para o acto.

Em resumo: um fartar de rir.

Da equipa fazia parte o Mário de Carvalho que, já nessa altura, era um daquele marotos que parecem que não partem um prato.

rondaVinte anos depois, Mário de Carvalho publica este Ronda das Mil Belas em Frol, um conjunto de pequenos textos malandrecos que me fazem lembrar os textos que ele escreveu para aquele programa radiofónico da extinta Rádio Comercial.

Mário de Carvalho conhece a nossa língua como ninguém e usa-a – digo mesmo que abusa dela.

Poderia citar inúmeros exemplos, mas deixo aqui estes:

“Era minha incumbência garantir o fulcro daquele intenso circuito de mó. Ia o eixo sendo inclinado num vértice complacente, conforme solicitado por tal arco ou pelo contrário, em inversões bruscas, para as quais eu, o fulcro, contava pouco. Irrompia do meio de mim, ombros no chão, um cone projectado, abrindo em leque até que desse”.

Ele há maneira mais elegante de descrever uma foda?

Há – e Mário de Carvalho é perito nisso.

Outro exemplo, este relacionado com uma senhora muito concentrada em si própria:

A senhora serpeava, estorcia-se, molezas a dar a dar, relance torvo, mas todos os revolteios e sonoridades eram concentrados em si própria.”

A riqueza da nossa língua, a abundância de sinónimos e de imagens, espraiam-se nestas pequenas histórias de macho latino, a quem não escapam casadas, solteiras, jovens ou balzaquianas.

Eis como é descrita a principal atracção das senhoras:

“Não há mais elegante delineio da Natureza que aquela abençoada fenda, sulcada em macios conchegos, figurando duas mãos que rezam, unidas ao alto, entrada de catedral, gasalho de mistério”.

Lê-se em três tempos.

“História Secreta”, de Donna Tartt (1992)

De Donna Tartt já tinha lido o aclamado O Pintassilgo, editado há três anos.

historia-secretaEste História Secreta foi o primeiro romance que Tartt publicou e trata-se de uma história estranha, sobretudo devido aos personagens.

A história, que se pretende secreta, é narrada por Richard, um estudante de ascendência modesta, que consegue uma bolsa para estudar na Universidade de Hampden. Aí, conhece e junta-se a um grupo de estudantes provenientes de famílias abastadas que estudam sob a influência de um carismático professor de Estudos Clássicos.

Esse grupo de alunos é tudo menos banal: são quatro rapazes e uma rapariga que vivem num mundo í  parte, quase num universo paralelo, muito influenciados pela cultura grega e pelos princípios de honra, obediência, compaixão, lealdade e sacrifício.

Para além das aulas muito pouco ortodoxas com o tal professor, o grupo apenas se interessa por outra coisa: álcool. Penso que os protagonistas passam mais metade do livro bêbados ou a caminho. Também fumam muito e, uma vez por outra, tomam drogas.

Embora nunca seja referido em que época se passa esta história, percebe-se que será mais ou menos nos anos 90 do século passado; no entanto, embora se fale uma ou duas vezes em computadores portáteis, os estudantes fazem os seus trabalhos em máquinas de escrever.

As experiências mais ou menos esotéricas que o grupo leva a cabo, no sentido de se aproximarem o mais possível do hábitos da cultura helénica, acabam por levar a uma morte acidental, facto que altera completamente a vida destes jovens.

Um romance estranho, que nos capta a atenção, mesmo quando, aparentemente, não se passa nada.

“Todos os Contos”, de Clarice Lispector (2015)

todos-os-contosClarice Lispector nasceu na Ucrânia em 1920, mas emigrou para o Brasil com apenas 2 anos. casada com um diplomata, viveu em diversos países, mas sempre se considerou brasileira; faleceu no Rio de Janeiro, com 57 anos, vítima de cancro do ovário.

Considerada uma das mais importantes escritoras brasileiras do século XX, é autora de vários romances, livros infantis e muitos contos.

Este livro reúne todos os contos de Lispector, desde os primeiros, publicados em 1942, até a dois inacabados, que nunca tinham sido publicados.

Alguns destes contos são, na verdade, textos muito pessoais, em tom confessional; sobretudo os últimos, falam muito na morte.

Como se diz na introdução, os contos vão revelando o envelhecimento da autora, desde os verdes 20 anos até í  idade madura e as histórias neles contidas reflectem isso mesmo.

Para ler aos poucos (são mais de 500 páginas e dezenas de contos…).

O Homem que não volta com a palavra atrás!

Este homem não volta com a palavra atrás!

Este homem nunca dá o dito por não dito!

Passos Coelho disse:

“O arquiteto José António Saraiva convidou-me para me associar ao livro que ia fazer e respondi que sim, mesmo antes de conhecer a obra e aceitei fazê-lo. Não sou de voltar com a palavra atrás nem de dar o dito por não dito. Estarei a fazer a apresentação dessa obra”, afirmou aos jornalistas durante uma visita a Proença-a-Nova, na aldeia de xisto da Figueira.

E afinal, hoje soube-se que, depois de ler o livro, Passos borregou.

Diz o Público:

Em comunicado enviado í  agência Lusa, a editora Gradiva afirma que o ex-primeiro-ministro Pedro Passos Coelho “pediu ao autor, por motivos pessoais, para o desobrigar de estar presente na sessão de lançamento do livro”, que estava agendada para dia 26.

Estás desobrigado, Passos – tu, que nunca dás o dito por não dito, tu, que nunca voltas com a palavra atrás.

Para a próxima, lê o livro antes de aceitares o convite!

Devias saber que não podemos confiar em jornalistas reaccionários…

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“A Ridícula Ideia de Não Voltar a Ver-te”, de Rosa Montero (2013)

Desta escritora espanhola, só tinha lido Instruções para Salvar o Mundo (2008), livro que muito apreciei.

a ridicula ideiaDevorei agora este livrinho de cerca de 150 páginas e há muito tempo que não lia nada que me enchesse tanto as medidas.

A partir de um pequeno diário escrito por Madame Curie, após a morte violenta e súbita de Pierre Curie, Rosa Montero fala sobre a sua própria experiência de perda, já que o seu companheiro de décadas, Pablo, morrera recentemente, vítima de cancro.

Rosa Montero usou a escrita deste livro como terapia para o vazio que o desaparecimento de Pablo lhe deixou e socorre-se do exemplo de Maria Curie, uma mulher aparentemente austera e fria mas que, naquele pequeno diário, se revela uma mulher carinhosa e sensual.

Pelo caminho, Rosa Montero fala da dificuldade que as mulheres ainda têm para se afirmarem num mundo de homens, conta pequenos episódios relacionados com a sua profissão de escritora, fala-nos de amizade, de amor, de sexo, da vida e da morte.

Recomendo vivamente!

 

“Em Busca do Carneiro Selvagem”, de Haruki Murakami (1982)

transferirDefinitivamente, este aclamado escritor japonês não me consegue encher as medidas, para usar uma frase feita, como ele gosta tanto de usar.

Já tinha lido Kafka í  Beira-Mar e tinha ficado decepcionado, pelo que deixei esta história do carneiro para mais tarde. Agora, achei que talvez já estivesse preparado para mais um livro de Murakami, mas confesso que me custou ir até ao fim!

A história do carneiro é uma patetice pegada, na minha modesta opinião e dizer, como dizem algumas críticas, que Murakami mistura realidade com fantasia e que a narrativa tem um toque de romance policial, vou ali e já venho (mais outra frase feita…)

E esta adoração por frases feitas não pode ser só defeito da tradução. Em meia dúzia de páginas encontramos as seguintes: não podia com uma gata pelo rabo, por que carga de água, a dar para o torto, pormenores de lana-caprina, a ponta de um corno, enquanto o diabo esfrega um olho, etc, etc.

No que respeita í  história propriamente dita, só vos digo que é tão entediante que nem me apetece resumi-la.

Arruma-se o Murakami definitivamente na prateleira e não se fala mais no assunto.