“Os Factos”, de Philip Roth (1988)

os factosPara quem, como eu, já leu 15 livros de Philip Roth, este autobiográfico Os Factos, ajuda a perceber a escrita do autor norte-americano.

Nascido no seio de uma família judaica humilde, Roth não renega as suas origens mas revela-se ateu, o que faz com que as suas primeiras obras sejam muito mal recebidas pela comunidade judaica.

Em Os Factos, o autor fala detalhadamente dos seus pais e irmão, de como foi a sua infância no ambiente de um bairro judaico e descreve, também em pormenor, o seu primeiro casamento, que o marcou profundamente – aliás, a sua primeira mulher, que haveria de falecer num acidente de automóvel, serve de inspiração para as personagens perturbadas de alguns dos seus romances.

Em alguns dos seus romances, Zuckerman é a personagem central e este Zuckerman, no fundo, é um alter ego de Roth.

No final de Os Factos, Zuckerman escreve uma carta a Roth, criticando o livro, pondo em causa algumas atitudes do autor, o que mantém o jogo entre as duas personagens. Além disso, consultando a biografia de Roth, verificamos que mesmo alguns episódios contados em Os Factos, que deveriam ser autobiográficos, são romanceados…

Um livro interessante para quem conhece a obra de Roth.

“A Rainha da Neve”, de Michael Cunningham (2014)

Parece-me que Michael Cunninham perdeu o “magic touch” que o fez ganhar o Pulitzer com o romance As Horas (1998), e que o fez escrever outros dois grandes romances: Sangue do meu Sangue (1995) e Uma Casa no Fim do Mundo (2001).

Já o anterior Ao Cair da Noite  (2010) me pareceu maçador, bem como Dias Exemplares (2005).

rainha da neveEste novo romance de Cunningham tem o cenário habitual: uptown Manhattan, personagens ligeiramente marginais, artistas, famílias diferentes.

A história desenrola-se em volta de um compositor (pop? rock? folk? não se percebe…), Tyler, da sua companheira Beth, que sofre de cancro terminal, do seu irmão homossexual Barrett e de alguns amigos. Todos têm muitas dúvidas quanto ao sentido da vida, todos snifam coca, Barrett viu uma luz no céu do Central Park e acha que aquilo é um presságio, Tyler casa-se com Beth um pouco antes dela morrer, mas também se sente atraído por Liza, uma cinquentenária que só namora com rapazes muito mais novos e tudo isto é muito pouco consistente.

Pelos vistos, o êxito dos três primeiros romances não foram um bom augúrio.

“Canadá”, de Richard Ford (2012)

canadaDell Parsons é um jovem de 15 anos que tem uma irmã gémea, Berner. Vivem com os pais numa terreola de Montana. O pai pertencia í  Força Aérea, mas está na reserva; é um tipo estranho, distante e que se dedica a alguns negócios menos limpos, como traficar carne de vaca. A mãe, é uma pequena judia que, aparentemente, tem pouco em comum com o pai.

A história é-nos contada por Dell, 50 anos depois dos acontecimentos narrados.

Os negócios estranhos do pai de Dell correm mal e ele fica a dever dinheiro a um grupo de índios violentos. Para resolver o problema, o pai decide assaltar um Banco, com a ajuda da mãe, mas a coisa corre mal.

Depois da prisão dos pais, Berner foge porque não quer ir parar a alguma família de acolhimento, enquanto Dell é levado para o Canadá, por uma amiga da mãe. E é numa pequena cidade do Canadá que Dell vai conhecer e involuntariamente colaborar com um assassino.

richard-fordRichard Ford (Jackson, Mississipi, 1944) é um romancista norte-americano que já ganhou um Pulitzer, mas do qual nunca tinha lido nada.

Canadá é uma daquelas histórias que nos agarram desde o princípio.

Será que todos somos vítimas das circunstâncias?

Gostei.

“Palavras que Falam por Nós”, de Pedro Braga Falcão (2014)

Para quem gosta de palavras, este livro do Professor de Latim e Grego, Pedro Braga Falcão é algo a não perder.

palavras que falamAo longo de cerca de 250 páginas, e numa linguagem acessível, o autor disseca algumas palavras, explicando a sua origem.

Ficamos assim a saber, por exemplo, que “badameco deriva do latim vade mecum, uma expressão que literalmente se traduz por «vem comigo» e se aplicava a um livro ou manual apropriado para ser levado em qualquer circunstância, uma espécie de «livro de bolso»; a expressão ainda hoje se usa, em particular em relação aos roteiros turísticos. Como ganhou o sentido pejorativo que tem hoje? Suspeitamos que vem de um dos sentidos metafóricos da expressão, que também se aplicava, não a um livro, mas a uma pessoa que acompanhava sempre outra, de um lado para outro, uma espécie de «pau para toda a obra».”

Ficamos também a saber que há palavras com animais escondidos, como capricho, que tem na sua origem ouriço e cabra.

E ficamos ainda a saber que candidato era aquele que se vestia de branco, portanto, era cândido, que quer dizer branco, puro. Pois…

No final do livro, um índice permite-nos procurar o vocábulo cuja origem queremos conhecer.

Gostei.

“Verão” (2009), de J. M. Coetzee

veraoJ. M. Coetzee (Cidade do Cabo, 1940) é um dos meus escritores preferidos e este Summertime é mais um bom texto com uma ideia notável.

Um biógrafo inglês está a escrever um livro sobre o falecido escritor John Coetzee, centrando-se nos anos 1972-77, altura em que o escritor tinha í  volta de 30 anos e ainda não tinha publicado nada de importante.

Nesse sentido, entrevista uma mulher casada com quem Coetzee teve um caso amoroso, a sua prima Margot, uma bailarina brasileira, cuja filha foi aluna de inglês do escritor e alguns ex-colegas professores.

Graças a essas entrevistas, conhecemos o jovem Coetzee, um homem solitário, desajustado, que vivia com o seu velho pai viúvo e que ganhava a vida com trabalhos temporários de professor.

Recomendo.

Outras obras de Coetzee: No Coração desta Terra (1976), O Homem Lento (2005), A Vida e o Tempo de Michael K. (1983), Diário de um Ano Mau (2007), A Infância de Jesus (2013), Desgraça (1999).

“O Assédio”, de Arturo Pérez-Reverte (2010)

assedioFoi com alguma dificuldade que li este romance histórico de Pérez-Reverte. São mais de 650 páginas de escrita densa e, por vezes, difícil de desbravar, sobretudo quando o autor decide inundar-nos de termos náuticos.

Exemplo (pág. 204):

“A enorme vela carangueja embate contra o mastro, dando balanços na marejada, com fortes puxões que fazem estremecer o pau e o casco preto da balandra. í€ popa, junto dos dois timoneiros que dirigem a cana de ferro forrado de couro, Pepe Lobo mantém a embarcação de capa, com o vento de proa a fazer ondular a bujarrona solta e com a longa retranca a oscilar sobre a sua cabeça. Até ele chega o cheiro dos bota-fogos que fumegam no costado de estibordo, junto dos quatro canhões de 6 libras que, por essa banda e sob supervisão do contramestre Brasero, apontam para a tartana imobilizada muito perto, a tiro de pistola, com as duas velas triangulares a ondular e com as escotas soltas.”

E trechos como este não faltam, ao longo do livro.

O Assédio passa-se em 1811, na cidade espanhola de Cádis, cercada pelas tropas de Napoleão. Cercada não será o termo certo, porque a cidade mantém a saída para o mar, o que lhe permite resistir por mais de três meses.

Nessa cidade sitiada, um assassino está a matar jovens mulheres, chicoteando-as até í  morte e os corpos vão aparecendo onde, momentos depois, há-de cair uma bomba francesa.

Um comissário de polícia muito pouco escrupuloso, persegue o assassino, acabando por conseguir apanhá-lo com a ajuda de um oficial inimigo.

Paralelamente, vamos conhecendo a história de Lolita Palma, dona de um empresa de exportação e do corsário Pepe Lobo, que quase vai para a cama com ela – e outras pequenas histórias laterais.

Pérez-Reverte documentou-se a valer e descreve, ao pormenor, hábitos, costumes, indumentária, móveis, publicações, e muito mais da Cádis do século 19 e, por vezes, a narrativa tem o tom de uma grande reportagem (o autor foi jornalista, nomeadamente repórter de guerra).

O Assédio é um bom romance histórico, embora pudesse ganhar mais ritmo se não fosse tão longo.

Outras obras do mesmo autor: O Pintor de Batalhas, O Hussardo, O Cemitério dos Barcos Sem Nome e A Rainha do Sul.

“A Liberdade de Pátio”, de Mário de Carvalho (2013)

Depois de ter lido Os Alferes, li agora este A Liberdade de Pátio, mais um livro de contos do Mário de Carvalho.

liberdadedepatioO livro tem três partes: Névoas, que inclui os contos A Cabeça de Mânlio e A Liberdade de Pátio; Esgares, que inclui Os caminhos do Sucesso, A Força do Destino e O Passe Social; e Vincos, que inclui Vacilação e As Estátuas de Sal.

Todas as histórias merecem uma leitura atenta, sobretudo as da série Esgares.

Mário de Carvalho possui um humor fino e uma escrita rica e variada, utilizando muitas vezes vocábulos pouco usuais, como neste exemplo:

«Exíguas sevandijas nocturnas varejavam as sombras e refastelavam-se no seu corpo fatigado.»

Os Caminhos do Sucesso é uma história muito bem esgalhada, contada por um juiz numa roda de amigos e, í s tantas, estamos tão embrenhados na história como se fizéssemos parte dessa roda.

Os amigos vieram visitar o juiz, que estava enfermo e «viera um médico, fizeram observações carrancudas, ordenara resmas de análises e exames, escriturara rores e rores de remédios, com palestras miudinhas a cada um, e deixara o juiz muito satisfeito e aliviado por se ter, enfim, ido embora.»

Mais í  frente, referindo-se ao povo inglês, o juiz há-de dizer:

«Como é que um povo que conheceu tardiamente o chá e o garfo, que bebe vinho do Porto fora do Natal, que tem o palato habituado ao rosbife, que ainda não se reconciliou com o alho e tolera os kebabs, arriscando sérias degenerescências das glândulas pitutitárias, haveria de acostumar ao caldo verde?»

Muito bom!

“40 Histórias” de Donald Barthelme (1987)

Donald_BarthelmeDonald Barthelme (1931-1989) foi um escritor norte-americano conhecido pelos seus textos curtos a que dificilmente chamaríamos histórias ou contos.

Aqui e ali, fez-me lembrar Boris Vian, embora se consiga encontrar sempre alguma lógica nas narrativas do escritor francês, enquanto a maior parte destes textos de Barthelme tenham tudo menos lógica.

Barthelme está sempre a fornecer-nos pistas falsas. Quando encontramos um pedaço de uma narrativa que parece ir levar a algum lado, logo ele deriva para outro lado qualquer.

Um exemplo, tirado da história “O Palácio í s quatro da madrugada”:

«A nossa economia baseia-se nas trufas, em que as nossas florestas são fenomenalmente ricas, e na electricidade, que já exportávamos quando outros países ainda liam í  luz de candeeiros de petróleo. O nosso exército é o melhor da região, e todos os militares são coronéis – eis o subtil segredo da governação do meu pai, para dizer a verdade. Nesta terra, todos os padres são bispos, todos os advogados de meia-tigela são juízes do Supremo Tribunal, todos os camponeses são latifundiários e todos os palermas que proclamam as suas ideias í  esquina das ruas são Hegel em pessoa.»

40 historiasOra aqui está uma boa ideia para um grande história, não é?

Não é. Barthelme nunca mais pega nesta ideia ao longo da narrativa!

Outro exemplo, com a história “Alguns de nós andavam a ameaçar o nosso amigo Colby”, e que começa assim:

«Alguns de nós andavam a ameaçar o nosso amigo Colby há já muito tempo, por causa do comportamento dele. E agora ele fora longe demais, por isso decidimos enforcá-lo. Colby ripostou que só porque fora longe demais (não negava esse facto), isso não queria dizer que o devêssemos enforcar. Ir longe demais, disse, era uma coisa que toda a gente fazia, uma vez por outra.»

E a história continua neste tom, com argumentos e contra-argumentos, nunca chegamos a saber o que Colby fez para ter ido longe demais e o homem acaba enforcado. Naturalmente.

Confesso que saltei três ou quatro destas 40 histórias porque algumas são mesmo difíceis de seguir.

Um autor curioso e um livro que deve ser lido com moderação…

 

“Belos Cavalos”, de Cormac McCarthy (1992)

cormac-mccarthyConheci Cormac McCarthy com A Estrada (2006) e fiquei logo adepto da sua escrita.

Logo a seguir, o nome deste escritor norte-americano foi muito badalado graças ao filme dos irmãos Coen Este País Não É Para Velhos.

Li o livro primeiro e confesso que, tanto o livro como o filme me desiludiram um pouco. Já escrevi porquê.

Posteriormente, li Filho de Deus (1973) e Suttree (1979) e o quadro começou a compor-se.

Cormac McCarhty nasceu em 1933, mas vive há muitos anos no Texas, em Santa Fé e os seus livros são, no fundo, livros de cowboys.

Belos CavalosEste Belos Cavalos (All The Pretty Horses) é claramente um western, embora a acção decorra na segunda metade do século 20.

O herói é John Grady Cole, um jovem adolescente que ainda não completou 17 anos mas tem a maturidade de um homem feito, graças í  vida dura que leva.

John Grady passa praticamente todo o livro em cima de um cavalo, excepto durante o período em que está preso numa miserável prisão mexicana.

Grady e um amigo decidem deixar a sua terra natal e cavalgar até ao México, onde arranjam trabalho como domadores de cavalos selvagens. Depois, tudo lhes acontece.

No final, qual poor and lonesome cowboy, John Grady despede-se do amigo e vai-se embora, em direcção ao horizonte.

«Onde fica a tua terra? perguntou

Não sei, disse John Grady. Não sei onde fica. Não sei o que acontece í s terras.

Rawlins não respondeu.

Até í  vista, parceiro, despediu-se John Grady.

Seja, até í  vista.

Ficou ali de pé, a segurar o cavalo enquanto o cavaleiro dava meia volta e viu-o trotar para longe e mergulhar aos poucos na linha do horizonte.»

Gostei.

“London Fields”, de Martin Amis (1989)

London_Fields“Uma divertida história de mistério, uma sátira apocalíptica, uma meditação escatológica sobre o amor, a morte e o inverno nuclear… alternando entre o tom lírico e o obsceno, entre o coloquial e o rapsódico” (in New York Times, citado na contracapa do livro).

Pode ser que sim mas, na minha opinião, trata-se de mais um livro intragável deste escritor britânico, tão aclamado pela crítica.

Já com A Viúva Grávida tinha tido muita dificuldade em acabar o livro. Com este London Fields, desisti por volta da página 170.

Definitivamente, o estilo de Amis não se dá comigo. A história é desligada, o escritor parece esforçar-se por ter graça, mas não tem graça nenhuma e já não tenho pachorra para génios destes!