“Contos Naturais”, de Carlos Fuentes (2007)

contos naturaisCarlos Fuentes (Cidade do Panamá, 1928 – Cidade do México, 2012), escreveu romances, novelas, ensaios e diversos livros de contos. Embaixador do México em França, abandonou o cargo em 1977, por motivos políticos

Este “Contos Naturais”  (Porto Editora, tradução de Helena Pitta) é um conjunto de seis histórias, das quais destaco as duas primeiras, “Velha Moralidade” e “As Duas Helenas”.

As seis narrativas são obviamente mexicanas, quer pelos ambientes, quer pelas personagens e o autor deixa transparecer a sua ideologia de esquerda, sobretudo na história “Malintzin das Maquilas”, sobre as operárias mexicanas exploradas pelas multinacionais norte-americanas.

Fiquei com curiosidade em conhecer melhor este autor.

“Os Alferes”, de Mário de Carvalho

Mário de Carvalho (Maternidade Alfredo da Costa, 1944) fez parte da equipa  do programa da Rádio Comercial, Uma Vez por Semana, uma ideia do José Duarte, para a qual também contribuí.

Porto Editora reedita um dos mais importantes romances de Luis SDas reuniões que tivemos em conjunto, lembro-me de um homem calmo, com um humor fino e escorreito, traduzido numa linguagem rica e imaginativa.

Assim são as três histórias que fazem parte deste livrinho, cuja primeira edição data de 1989.

Era Uma Vez um Alferes, A íšltima Cavalgada e Há bens que Vêm por Mal são os títulos das três histórias que têm alferes como protagonistas, alferes apanhados na guerra colonial e que pouco têm a ver com aquilo.

Na primeira, um alferes pisa inadvertidamente uma mina e ali fica, imóvel, í  espera que venham os das minas e armadilhas. Na segunda história, um alferes engenheiro é encarregado de levar os projectos para uma cavalariça a construir numa Unidade de Cavalaria e aí conhece um médico, um padre, um coronel e a mulher deste. Na terceira, um alferes ferido por uma granada, é transferido de Timor para Portugal e, na viagem, conhece um major reformado que lhe conta uma história tenebrosa.

As histórias são curiosas e divertidas e Mário de Carvalho conta-as de um modo simples e acessível e, no entanto, com uma riqueza de vocabulário que não é habitual encontrar-se.

De facto, a nossa língua é muito mais rica do que, por vezes, parece e Mário de Carvalho prova isso mesmo.

Acrescente-se que as histórias são, de certeza, verdadeiras, porque muito credíveis e as personagens que as habitam devem mesmo corresponder a pessoas reais – ou Mário de Carvalho torna-as reais.

Por exemplo, o coronel da segunda história diz:

«Eu já adverti o nosso major: se acontece alguma coisa aos meus cavalos por causa do vosso desleixo, armo para aí um sarrabulho que até manda ventarolas.»

E pouca gente sabe o que quer dizer “mandar ventarolas”!

Eu sei e Mário de Carvalho também, de certeza!

“A Trombeta do Anjo Vingador”, de Dalton Trevisan (1977)

E com mais este livrinho de contos, acho que esgotei a criação de Dalton Trevisan, pelo menos a publicada em Portugal.

A Trombeta do Anjo Vingador é mais uma colecção de contos curtos que versam sempre sobre a mesma temática: ciúme, engano, separação, ódio, amor, grandes bebedeiras, surras na mulher, vidas mais ou menos desgracidas, como o autor lhes chama.

Diz-se que os escritores estão sempre a escrever o mesmo livro e com Tevisam isso é evidente. Os livrinhos têm diferentes títulos, mas as historinhas são todas idênticas e podíamos perfeitamente trocar os títulos, que ninguém daria por isso, a não ser o autor. Talvez… (O Vampiro de Curitiba, Cemitério de Elefantes, A Polaquinha, Novelas Nada Exemplares, Guerra Conjugal).

trombetaObsessões do escritor: elefantes de faiança como decoração pirosa, vidro moído que se ingere para partir deste mundo cruel, cheiro a cadela molhada, o João, a Maria, os inhos e as inhas, a perfídia.

«Abandonada pelo sedutor, ingeriu quinze comprimidos de aspirina. Não morreu, agora com tossinha nervosa que disfarça a dispepsia crónica. Sem amigas, repudiada pelas mães dos alunos, proibido o salão de baile. Guarda-pó dobrado no braço, transferida para a escola isolada no fundão. Sempre cativa do Josias, saudoso no saxofone da bandinha. Ela quem paga as prestações da fogosa mota vermelha. Só para vê-lo em nuvem de pó com outra na garupa».

Dalton evita os rodriguinhos. Escreve o essencial.

«Não tem café. Nem um bolacha mofada. Uma única salsicha. Na despensa a lata esquecida de milho verde.

Todos os copos – até os de brinde – usados na pia. Enche na torneira o menos sujo, merda de água, podre de cloro.

No banheiro, mãos no azulejo plantadas, urina longamente. Arrepiado ao pensar no banho frio, ninguém para ligar o aquecedor, quando havia aquecedor.

Na toalha, o bafio da cadela molhada.»

Gostei.

“Guerra Conjugal”, de Dalton Trevisan (2006)

guerra conjugalMais um livrinho de contos de Dalton Trevisan, de quem já falei recentemente aqui e aqui.

As personagens destas curtas narrativas chamam-se sempre João e Maria e repetem-se as traições, os ciúmes, o engano, a loucura, o vidro moído que se toma para morrer e fugir desta vida desgraçada.

Acabados de casar, os Joões, por vezes, não conseguem consumar o acto e acusam as Marias de não serem virgens, outras vezes, os Joões espancam as Marias e, algumas vezes, elas parecem gostar, ou acomodar-se.

A linguagem é, como sempre, depurada. O essencial:

«Triste achava-se Maria no ponto do í´nibus, apresentou-se um cavalheiro de nome Ovídio. Entre os dois nasceu uma paixão. Com ele, embora senhor idoso e de óculo, sentia o verdadeiro amor. Ovídio procedia com agrado e meiguice; ora, jamais era acariciada por João que, saciado, lhe dava as costas e punha-se a roncar.»

Tudo explicado em meia-dúzia de frases.

«Miseravelmente traído pela memória: o resto de açúcar na xícara de café, o sangue da pulga no pijama, um toque de caspa no paletó – era ela. Esquecer nos braços de outra era fazê-la mais lembrada».

Algumas destas histórias sugerem-se canções de Chico Buarque…

“Ferrugem Americana”, de Phillipp Meyer (2009)

ferrugem americanaNuma das badanas do livro, pode ler-se: «Ferrugem Americana tem o carimbo de Grande Romance Americano em toda a parte. Pode dizer-se que foi beber a Ratos e Homens, Huckleberry Finn, Cormac McCarthy, Salinger e Kerouac.» (The Daily Telegraph).

E isto resume a atmosfera deste romance. Meyer conta-nos as histórias de meia-dúzia de personagens trágicas, perdidas na imensidão do continente americano, numa região, a Pensilvânia, devastada pela crise económica e pelo fecho de várias fábricas, pelo desemprego, pela desilusão. O contrário do american dream.

As personagens principais são Isaac e Poe, dois jovens adultos sem nada que fazer e sem perspectivas de futuro. A mãe de Isaac suicidou-se há pouco tempo, o pai, desloca-se numa cadeira de rodas, devido a um acidente de trabalho e a irmã, mais velha, saiu de casa, foi estudar para Yale e casou-se com um tipo rico. Poe foi jogador de futebol americano, mas agora não faz nada e vive numa roulote com a mãe, Grace.

Isaac decide partir para a Califórnia e Poe acompanha-o mas, logo na primeira noite, ao pernoitarem num armazém abandonado, são surpreendidos por três calmeirões, que os querem roubar. Da confusão que se gera, resulta a morte de um dos bandidos. É Isaac que o mata, mas é Poe que assume as culpas e vai para a prisão.

Na história entra, também, Harris, um xerife desiludido e solteirão, que dorme ocasionalmente com Grace.

A narrativa de American Rust vai avançando em capítulos curtos, cada um deles dedicado a cada uma das personagens.

E não há dúvida que é uma história tipicamente americana, que poderá dar um bom argumento cinematográfico.

PhilippmeyerPhillipp Meyer nasceu em Baltimore, em 1974, desistiu da escola aos 16 anos, trabalhou como mecânico de bicicletas e aos 20 anos, decidiu que queria ser escritor, candidatando-se í  Universidade de Cornell, onde se graduou em inglês.

Depois, trabalhou na bolsa, em Wall Street e como técnico de emergência médica. Em 2005, conseguiu um lugar na Universidade de Austin, onde escreveu Ferrugem Americana, o seu primeiro romance, que ganhou o prémio literário dos Los Angeles Times, em 2009.

Lançou agora o seu segundo livro, The Son, e vive entre Austin, Texas e Nova Iorque.

“Novelas Nada Exemplares”, de Dalton Trevisan (1979)

novelas nada exemplaresNamoro í  janela, í s escondidas do pai, o padrasto que apaga os cigarros nos braços da enteada, homens e mulheres solitários, com vidas interrompidas, mulheres que seduzem com um copo de vinho, quartos de hotel onde não se dorme por causa dos pardais, homens que fazem barulho a comer a sopa e enojam as mulheres, escritores que se fazem valer da fama para seduzir jovens.

Eis alguns dos temas destas novelas que nada têm de exemplares.

Trevisan não é fácil de ler.

A sua escrita é tão depurada, cingindo-se ao essencial, que tem que ser lida com muita atenção e, de preferência, em voz alta.

«Cabelos ruivos na pia, o vestido com duas rodelas de suor e, no espelho, o rosto intruso. Dele fazia parte, o sangue da pulga na cueca, a caspa no paletó ao fim do dia.»

«Sílvia não queria envelhecer: roía a unha, depois a pintava, roía e pintava de novo. Em vão passeava nua no quarto. E buscava, cada dia, um fio branco na franjinha.»

«Cristina serviu-lhe vidro moído no feijão, sem que desconfiasse; cólicas tão fortes que rolava no chão, língua de fora. João dormia só na cama de casal. Certa noite procurou o anel de cabelos de Negrinha, não achou. Cristina o queimara e, além dele, o próprio retrato».

São exemplos ao acaso.

Mestre do conto, Trevisan conta-nos histórias que, a maior parte das vezes, não têm final, como na vida.

Obras de Dalton Trevisan

Dalton Trevisan nasceu em 1925, em Curitiba e, no ano passado, foi o vencedor do Prémio Camões.

Mais um daqueles escritores obscuros que ganham prémios e ninguém lê, pensei eu.

E tinha razão.

Só que, ao ler um livro de Trevisan, temos mesmo que ler todos os outros.

Entrei em contacto com a obra de Trevisan através de O Vampiro de Curitiba (1965), um pequeno livrinho de histórias curtas (103 páginas).

Gosto muito de histórias curtas, desde que o Mário-Henrique Leiria me iniciou com os Contos do Gin Tonic.

Trevisan tem uma escrita única, sincopada, sintética, com um ritmo muito próprio.

o vampiro de curitibaNelsinho é o vampiro de Curitiba, sempre pronto a ferrar o dente em qualquer moça, sem olhar í  idade ou í  aparência.

Os diálogos são especiais.

Exemplo:

«- Você é loira natural?

– O doutor não vê?

– A fama de loira é de fria. Só que não acredito.

– A loira não é feito a morena.

– A morena é mais carinhosa. Você não é católica, é?

– Sou calvinista.

Calvinista, ai, de rostinho abrasado na mesma hora.

– A religião moderna não faz, da virgindade, um cavalo de batalha. A moça, sendo direita, pode ter experiência. Autorizada pelo pastor a conhecer os prazeres da vida.

– …

– Sabia que os turistas acham uma graça em nosso conceito de virgindade?

– Nunca soube.

– Você é temperamento calmo ou nervoso?

– Sou calmo.

– Tem os atributos da nervosa; ainda não sabe que é. Suas medidas são perfeitas. Não é você que joga ví´lei?

– É, sim.

– Gostaria de a ter visto de calção. Joga bem?»

Cemitério de ElefantesE assim por diante.

Sendo assim, passei para Cemitério de Elefantes, publicado em 1984.

É um livrinho ainda mais pequeno (94 páginas), incluindo um prefácio de Fernando Assis Pacheco.

Os heróis deste livro são os bêbados – homens que bebem para afogar desgostos ou porque sim.

Lê-se numa tarde.

E vicia.

a polaquinhaPassei, então, ao único romance que Trevisan publicou: A Polaquinha (1985).

Também não é extenso.

São 150 páginas que contam a história de uma moça que, de namorado em namorado, acaba na prostituição (“polaca”, vulgarmente, significa prostituta).

A vida banal da prostituta, que recebe clientes, com quem finge prazer, é bem ilustrado com os últimos cinco ou seis capítulos do livro – todos praticamente iguais!

E como vicia, já tenho mais três livros de Trevisan para ler…

 

“Life of Pi”, de Ang Lee (2012)

vida de piLi este livro de Yann Martel em 2003 e gostei.

Uma história que pode ser lida de várias maneiras: uma aventura extraordinária, um sonho maravilhoso, uma parábola da passagem para a idade adulta.

De qualquer modo, uma grande história – a história de um jovem, filho do dono de um Zoo na Índia, que emigra para o Canadá, com a família e com todos os animais do Zoo.

Acontece o naufrágio e o jovem sobrevive num salva-vidas, com uma zebra, uma hiena, um orangotango e o tigre Richard Parker.

Acho que a adaptação ao cinema é notável.

Ang Lee ganhou o óscar pela realização e o filme ganhou outro óscar pelos efeitos visuais que, de facto, são muito bons.

Duas horas de bom entretenimento.

“Engano”, de Philip Roth (1990)

A curiosidade deste romance de Philip Roth reside no facto de ser todo escrito em diálogo.

enganoPublicado em 1990, só agora o li, em edição deste ano da D. Quixote (tradução de Francisco Agarez), depois de muitos outros romances posteriores do mesmo autor, alguns deles, épicos.

Talvez por isso, este não me entusiasmou muito – isto para além do facto de ser um pouco difícil de seguir, devido ao facto de ser escrito em diálogo, do princípio ao fim.

No fundo, é uma história banal de dois adúlteros, um homem e uma mulher, sendo que ele é escritor (Roth?) e que aproveita aquela relação extra-conjugal para escrever um livro.

Transcrevo apenas este naco, que não mostra o tom geral dos diálogos, mas que tem graça:

«- A minha mãe ensinou-me a nunca me sentar com a cona í  mostra.

– Nem com as pernas por cima dos ombros de um cavalheiro.

– Isso nunca me disse. Acho que nunca imaginou que eu pudesse chegar a esse ponto.»

Outros livros de Philip Roth: “Goodbye, Columbus“, “Némesis“, “A Humilhação“, “O Complexo de Portnoy“, “Indignação“, “O Fantasma Sai de Cena“, “O Animal Moribundo“, “Património“, “Todo-o-Mundo“, “Pastoral Americana“, “A Conspiração Contra a América“, “Casei com um Comunista“.

 

“No Coração Desta Terra”, de J. M. Coetzee (1976)

Um livro deste autor sul-africano, Nobel em 2003, é garantia de uma boa leitura.

no coração desta terraEste “In The Heart Of The Country” (prémio da Central News Agency em 1977), está escrito como se fosse um diário.

J. M. Coetze dá a voz í  filha única de um fazendeiro branco.

Virgem, desengraçada, solitária, vive numa quinta num local ermo, com o pai e três criados negros. Quando um dos criados leva para a quinta uma jovem imberbe, para se casar com ela, as desgraças vão começar. O fazendeiro leva a miúda para a cama e a protagonista mata o pai (ou terá sido o marido enganado?).

“No Coração Desta Terra” (edição D. Quixote, tradução de Maria João Delgado), tem 266 entradas, como se fosse um diário, mas sem datas, e é assim que a acção se vai desenrolando.

A protagonista, deprimida, feia, seca, azeda, vai-nos contando a história das desgraças e tecendo considerações sobre a solidão, as suas aspirações, os seus sonhos e devaneios, as suas alucinações, os seus delírios.

Aconselho.

Outros livros do mesmo autor: “O Homem Lento”; “Diário de Um Ano Mau”; “A Vida e o Tempo de Michael K.”.