“Este País Não É Para Velhos”, de Cormac McCarthy

estepais.jpgDecidi ler o livro antes de ver o filme. Quando vejo o filme primeiro, fico com pouca vontade de ler o livro. Regra geral.

Gostei muito do outro livro que li de McCarthy, “A Estrada”. Considerei-o, mesmo, um dos melhores livros dos últimos tempos. Por isso, fiquei um pouco desiludido com este “No Country For Old Men”, publicado em 2005.

É um livro árido, com uma história muito simples, violência a rodos e um xerife que gosta de filosofar. Há páginas inteiras de diálogos, aparentemente desnecessários, fazendo lembrar os diálogos de “Pulp Fiction”

Exemplo:

“Arrombas cofres, é?
Se eu arrombo cofres?
Isso.
Como é que essa ideia te passou pela cabeça?
Não sei. És um arrombador de cofres ou não?
Não.
Bom, alguma coisa tens de ser. Certo?
Toda a gente é alguma coisa.
Alguma vez estiveste na Califórnia?
Sim. Já estive na Califórnia. Tenho um irmão a viver lá.
E ele gosta daquilo?
Não sei. Vive lá.
Mas tu não eras capaz de lá viver, pois não?
Não.
Achas que é para lá que eu devo ir?”

E assim sucessivamente. Gosto destes diálogos mas, í s tantas, farta um bocado. Outra técnica que McCarthy usa e abusa, neste livro, é a da utilização da conjunção copulativa.

Exemplo:

“Pí´s a mão em concha e varreu o troco de cima do balcão para a palma da outra mão e guardou as moedas no bolso e deu meia volta e dirigiu-se para a porta.”

Até parece que McCarthy estava já a pensar no argumento para um filme…

“Extremamente Alto e Incrivelmente Perto”, de Jonathan Safran Foer

extremamente.jpgOskar Schell tem 9 anos e é inventor: todas as noites, antes de adormecer, inventa as coisas mais mirabolantes, como ambulâncias com tecto transparente para podermos ver quem vai lá dentro; também anda a ensaiar uma obra de Shakespear; para além disso, faz jóias, toca tamborim, fala francês e é pacifista.

Oskar perdeu o pai, que morreu no ataque terrorista de 11 de Setembro. O miúdo chegou a casa e tinha várias mensagens do pai no atendedor de chamadas. O pai garantia que estava tudo bem. Até que deixou de telefonar. Oskar ainda não aceitou a morte do pai. Por isso, custa-lhe adormecer e passa a noite, deitado, a inventar coisas.

Oskar tem um aví´ que deixou de falar há décadas. Em vez de falar, escreve num caderno. Mas Oskar só o vai conhecer quase no fim da história. Primeiro, terá que calcorrear Nova Iorque, em busca de pessoas com apelido Black e que poderão saber mais alguma coisa sobre a morte do seu pai.

“Extremely Loud and Incredibly Close” é um dos melhores livros que li nos últimos tempos. Comovente e brilhante. Cheio de ideias novas, mesmo na apresentação da narrativa (fotos que ilustram o texto, números em vez de letras, páginas em branco, outras com uma única palavra). O autor é um puto nascido em 1977 e este é já o seu segundo romance. Estou cheio de vontade de ler o primeiro, intitulado “Está tudo iluminado”.

“O Pintor de Batalhas”, de Artur Pérez-Reverte

pintordebatalhas.jpgO segundo autor castelhano que trouxe para a nossa viagem foi o espanhol Pérez-Reverte, mas este livro não me divertiu tanto como o de Vargas Llosa.

“O Pintor de Batalhas” acaba por não ser bem uma história, mas sim uma reflexão sobre a vida, a morte, a velhice e a influência que podemos exercer na vida e na morte dos outros.

Andrés Faulques é um fotógrafo que, durante décadas se dedicou a fotografar os diversos conflitos armados, pelo mundo fora, da Somália ao Líbano, dos Balcãs aos mais diversos países africanos. Depois da morte violenta da sua companheira, também fotógrafa, ao pisar uma mina, no Kosovo, Faulques retira-se para um antigo farol, na costa mediterrânica e dedica-se a pintar um mural que represente todas as guerras da Humanidade.

Certo dia, é visitado por um ex-soldado croata, que ele fotografou em tempos; essa fotografia foi capa de revista e correu mundo. Os sérvios, ao reconhecerem o soldado, graças í  fotografia, foram a sua casa, violaram e mataram-lhe a mulher, que era sérvia, bem como o filho. Agora, o soldado queria vingar-se e anuncia que vai matar Faulques.

Este é o ponto de partida do livro; a partir daqui, Pérez-Reverte disserta sobre a vida e a morte e questiona-se sobre um certo tipo de jornalismo, que se diz independente – será possível não tomar partido, num conflito?

Um livro interessante mas um pouco lúgubre.

“Por Aqui e Por Ali”, de Bill Bryson

bryson_walk.jpgInvejo o Bill Bryson, a quem pagam para viajar. Depois, ele “só” tem que escrever um livro sobre isso.

Este chama-se “A Walk in the Woods” mas, mais uma vez, o responsável pela edição portuguesa achou o título pateta e decidiu chamar-lhe “Por aqui e Por Ali”.

Bryson publicou o livro em 1997 e nele conta as suas caminhadas pelo trilho dos Apalaches, que vai desde a Geórgia ao Maine, atravessando as Carolinas, a Virgínia, a Pensilvânia, um pouco de Nova Iorque, e depois o Massachussets, o New Hampshire e Vermont. São mais de 3300 km, dos quais Bryson “apenas” percorreu 1400, por vezes sozinho, outras vezes acompanhado pelo seu amigo Katz.

Sempre com muito humor e com preocupações ambientais quanto baste, sem entrar em histerias, Bryson vai-nos descrevendo as suas longas caminhadas por uma das maiores florestas do planeta, ao longo das montanhas dos Apalaches (mais de 350 picos com mais de 1500 metros de altitude). O Trilho dos Apalaches é o mais antigo e longo do mundo, e ficou concluído em 1937.

Um daqueles livros que sabe bem ler com companhia. E um tipo fica logo com vontade de tentar percorrer, pelo menos, uma parte desse trilho.

“Notas sobre um país grande”, de Bill Bryson

notassobrepais.jpgLer um livro de Bryson é divertimento garantido. Conhecido como escritor de viagens, este norte-americano tem sentido de humor europeu e enriquece sempre a sua prosa com um estilo divertido.

Neste livro, Bryson juntou as crónicas que escreveu, semanalmente, para a revista inglesa Mail on Sunday’s Night and Day.

Depois de viver muitos anos na Grã-Bretanha, Bryson mudou-se com a família para os EUA e, nestas crónicas, fala-nos da América como se fosse um estranho em terra estranha.

Exemplos:

Sobre a mania que os americanos têm de colocar avisos por todo o lado: “a piscina pública local tem trinta e sete avisos afixados – tinta e sete! – sendo o meu preferido o que diz: «Em cada mergulho apenas é permitido um pulo no trampolim.»

Sobre a importância que os americanos dão ao facto de os carros terem suportes para copos: “faz pouco tempo, o New York Times apresentou um longo artigo sobre os testes que realizou a uma dúzia de carros familiares. Classificou-os de acordo com 10 tópicos, tais como motor, tamanho, espaço no porta-bagagens, comportamento na estrada, qualidade da suspensão e, pois é, número de suportes de copos. (…) Alguns carros, tais como o Dodge Caravan, vêm com 17 suportes de copos! Dezassete! O maior Caravan leva até sete pessoas. Não é preciso ser um físico nuclear, ou até estar bem acordado, para ver que isso dá 2,43 suportes por passageiro. É legítimo que se pergunte porque necessitaria cada passageiro do veículo de 2,43 suportes.”

Sobre a preocupação dos americanos pelos estilos saudáveis de vida: “todas as pessoas que conheço, quase não bebem, nunca tocam em cigarros, vigiam o colesterol como se fossem seropositivos, vão e voltam a correr daqui ao Canadá duas vezes ao dia e vão para a cama cedo. Tudo isto é muito ponderado, e sei que vão viver muito mais do que eu, mas não é lá muito divertido”.

Sobre a informática: “durante muito tempo espantava-me como é que algo tão caro, tão de vanguarda, podia ser tão inútil, e então ocorreu-me que um computador é uma máquina estúpida com capacidade de fazer coisas incrivelmente inteligentes, enquanto os programadores informáticos são pessoas inteligentes com capacidade de fazer coisas incrivelmente estúpidas. Formam, em suma, um par perigosamente perfeito.”

Sobre os políticos americanos e a pena de morte: “não acredito que haja um político na América – certamente nenhum com algum estatuto – que tivesse coragem de enfrentar um sentimento geral desta magnitude (57 por cento dos americanos continuariam a ser favor da pena de morte, mesmo se se descobrisse que um pessoa em cada cem tinha sido executada indevidamente). Tempos houve em que os políticos tentavam mudar a opinião pública. Agora limitam-se a responder a ela, o que é lamentável, porque estas coisas são imutáveis.”

Publicado em 1998, a edição portuguesa, da Quetzal, é deste ano; a tradução é de Miguel Conde.

“O Hussardo”, de Arturo Pérez-Reverte

hussardo.jpgPí¨rez-Reverte é um escritor espanhol com algum interesse. Os seus livros “O Cemitério dos Barcos Sem Nome” (2000) e “A Rainha do Sul” (2002), são romances de aventuras bem conseguidos, cheios de peripécias, ao estilo de Alexandre Dumas. “A Tábua de Flandres” (1990), no entanto, não me pareceu tão interessante.

Muito menos este “O Hussardo”. Publicado em 1983, foi o primeiro romance de Pérez-Reverte. A edição que li é de 2004 e é uma revisão, feita pelo próprio autor e, como ele diz, numa nota introdutória, “aliviado de alguns advérbios e adjectivos desnecessários”.

Mesmo assim, pareceu-me um romance aborrecido. São páginas e páginas de descrições dos uniformes garbosos dos hussardos de Napoleão, das glórias que eles aguardam ao combater os andrajosos espanhóis e, depois, uma longa e fastidiosa descrição de uma batalha, que acaba em sangue, lama e morte.

O autor quer-nos mostrar como os jovens hussardos eram iludidos com a honra e a glória de pertencerem a um regimento tão garboso, servindo a França e o Imperador; depois, a realidade das batalhas era bem diferente, degradante e tenebrosa.

Não valia a pena escrever um livro por isto.

“Dias Exemplares”, de Michael Cunningham

diasexemplares.jpgDepois de ter lido os outros romances de Cunningham (“Uma Casa no fim do mundo”, 1990; “Sangue do meu sangue”, 1995; e “As Horas”, 1998), confesso que esperava mais deste “Dias Exemplares” (“Specimens Days”, 2005).

O livro está dividido em três partes: “Dentro da máquina”, passado nos finais do século XIX ou princípio do século XX, em plena Era Industrial; “A Cruzada das crianças”, que decorre na actualidade; e “Uma Espécie de beleza”, que se passa num futuro distante, após um qualquer holocausto.

Em comum, estas três histórias têm alguns pontos: todas têm Nova Iorque como cenário, os protagonistas são sempre um homem, uma mulher e um rapaz (embora não o mesmo homem, a mesma mulher e o mesmo rapaz), e os versos de Walt Whitman surgem nos três segmentos, com valor profético.

Qualquer destas três histórias poderia ter dado um bom romance independente. O autor também poderia ter optado por escrever três excelentes “short stories”. No entanto, optou por deixar cada um dos segmentos como que inacabado. Aliás, sobretudo no final da segunda e da terceira partes, fica-se com vontade de continuar a ler, fica-se com vontade de que a história continue.

“Dentro da máquina” foi o segmento que me despertou menos interesse. “A Cruzada das crianças” é uma história muito perturbadora e algo mística. Finalmente, “Uma Espécie de beleza” é um excelente conto de ficção científica, que me fez lembrar algumas coisas que li há muitos anos, na velhinha colecção Argonauta (Ray Bradbury, Philip K. Dick, por exemplo – se calhar, a comparação é blasfema…).

 

Cunningham tem uma escrita muito particular, poética e macia. Parece-me que escreve com ternura. Um exemplo: “Era pequena e bonita, infantil, embora tivesse pelo menos a idade de Catherine. Usava um roupão cor de tangerina. Tinha o aspecto de qualquer coisa que podia ser ganha numa rifa de feira.” Outro exemplo: “A cabeça redonda era demasiado grande para o seu corpo franzino. Assentava sobre os ombros da jaqueta como uma abóbora. Como um desenho da Lua num livro infantil.”

No entanto, repito, esperava mais deste novo livro de Cunningham.

“Made in America”, de Bill Bryson

madeinamerica.jpgNeste calhamaço de quase 600 páginas, publicado em 1994, Bryson apresenta-nos a História informal da América. A sua leitura ajuda quem, como eu, por lá andou há pouco tempo, a compreender algumas das idiossincrasias desse imenso país que, apesar de ser uma manta de retalhos, não deixa de ter uma verdadeira unidade nacional.

São vinte um capítulos que abrangem a História não oficial dos EUA, desde o Mayflower í  era espacial, com um enfoque muito especial na língua inglesa, tal como ela é falada pelos americanos.

No capítulo “Nomes”, Bryson conta que, quando a linha férrea estava a ser instalada no estado de Washington, em 1870, um dos vice-presidentes da companhia teve como tarefa dar nome a 32 novas comunidades que iam nascer, ao longo da linha. E então “deu nomes í s comunidades de tudo e mais uma alguma coisa, desde poetas (Whitier) e peças de teatro (Othello), a tipos de comida caseira (Ralston e Purina).”

Verifiquei isso mesmo, ao atravessar o South Dakota, o Iowa ou o Wyoming e ao deparar em localidades com nomes como Gillette, Atomic City, Montpelier, Alcova, Dinossaur, Eureka, Medicine Bow, Ten Sleep.

Fiquei também a saber (embora já suspeitasse), que a maior parte dos mitos sobre os tempos dos cowboys foram inventados por Hollywood. Por exemplo, aquela história das caravanas dos colonos se disporem em círculos, para melhor se defenderem dos ataques dos índios, é uma aldrabice. Diz Bryson: “durante a maior parte da viagem as carroças avançavam em filas paralelas com distâncias entre si que podiam ir até 15 quilómetros, a fim de evitar a poeira umas das outras e também os sulcos das rodas daqueles que tivessem por ali passado antes deles – o que criava mais um obstáculo í  formação do tal círculo defensivo”.

No que respeita í  comida americana, é verdade que ele não presta, mas também é verdade que os próprios americanos parecem ter vergonha dela, ao inventar nomes estrangeiros para coisas que eles inventaram.

Diz Bryson: “O Russian dressing é desconhecido pelos russos, assim como a variedade americana de French dressing é desconhecida para os franceses. A vichyssoise não foi criada em França mas em Nova Iorque, em 1910, e o queijo Liederkranz não veio da Alemanha, nem sequer da íustria ou da Suíça, mas de Monroe, em Nova Iorque, onde foi criado em 1892. Em Espanha, o chilli com carne era desconhecido até ao momento em que foi lá introduzido pelo Novo Mundo. Salisbury steak não tem nada a ver com a cidade inglesa famosa pela sua catedral (foi chamado assim por um americano – o Dr. J. H. Salisbury), nem o Swiss steak tem o mais pequeno pedigree alpino. Chop suey (baseado no cantonês para ‘miscelânea’) surgiu pela primeira vez em San Francisco nos finais da década de 1800 (e não na China). O bolinho da sorte foi criado em Los Angeles na segunda década do século XX. Ainda mais recente é o chow mein, que apareceu em 1927.”

Uma das características mais marcadas dos americanos parece ser transformar a mais pequena novidade numa verdadeira mania, e fazê-lo de tal maneira, que suplantam sempre todos os restantes povos. Os exemplos são inúmeros, ao longo do livro, desde os patins aos centros comerciais. Bryson diz-nos que, assim que a bicicleta atravessou o oceano e se instalou na América, por volta de 1882, os americanos aderiram de tal forma í  novidade que, em 1895, existiam cerca de dez milhões de bykes nos EUA.

Byke” é um dos milhares de termos novos, introduzidos na língua inglesa, graças aos americanos, que têm uma predilecção especial por abreviar palavras. Os exemplos são, também, aos milhares, desde “vic“, em vez de victim, até “fab“, em vez de “fabulous“. Outra coisa de que eles gostam muito é de usar neologismos, a partir de siglas, mesmo com os palavrões. Bryson dá alguns exemplos: tuifu (the ultimate in fuck-ups), tarfu (things are really fucked up), fubar (fucked-up beyond recognition), e fubid (fuck you, buddy, I’m detached).

O dinheiro, a imigração, as viagens, a comida, as compras, a educação, a publicidade, o cinema, os desportos, a política e a guerra, o sexo – são outros tantos assuntos escalpelizados exaustivamente por Bill Bryson, neste livro essencial para quem quiser conhecer melhor os EUA, os seus tiques e as suas manias.