Lydia Davis nasceu em 1947 e é uma das mais originais escritoras norte-americanas.
Estes “Contos Completos” (2009, Edição Relógio de ígua, 2012, tradução de Miguel Serras Pereira e Manuel Resende) reúnem quatro livros de contos: “Acerto de Contas” (1986), “Quase Sem Memória” (1997), “Samuel Johnson Está Indignado” (2001) e “Variedades de Perturbação” (2007).
O título original do livro é “The Collected Stories”. No entanto, não sei se estes textos são contos, se são histórias; por vezes, parecem poemas; por vezes, são simples frases; outras vezes, são relatórios.
Uma coisa é certa: este é o livro mais original que li nos últimos anos. Lydia Davis encontra maneiras novas para escrever textos.
Alguns desses textos ocupam várias páginas, mas a maior parte deles são textos de uma única página, quando não de uma única linha.
Alguns exemplos:
“Certos Conhecimentos de Heródoto (este é o título da “história”)
São estes os factos sobre os peixes do Nilo:” (e esta é a “história”…)
Esta outra história, fez-me lembrar o Mário-Henrique Leiria:
“Assassínio na Boémia
Na cidade de Frydland, na Boémia, cujos habitantes são sempre pálidos como fantasmas e se vestem de negro no Inverno, uma velha não foi capaz de suportar por mais tempo o inevitável soçobrar da sua vida na degradação e na desgraça, e enlouqueceu, e assassinou, movida pela piedade, o marido, os dois filhos e a filha; movida pela ira, os vizinhos de lado e os da casa fronteira, que tinham desprezado a sua família; movida pela vingança, o dono da loja, a quem pedira fiado, o prestamista, dois usurários e um condutor de eléctrico, que não conhecia; e, por fim, entrando com a faca na mão na sede de município, o jovem presidente da autarquia e dois dos seus vereadores, que ponderavam, perplexos, uma nova disposição.”
A “História Oral (com Soluços)”, é um texto com espaços em branco, que correspondem a soluços (“A minha irmã morreu o ano passado, deixado duas fi lhas”).
A “Entrada de Índice Remissivo”, diz, apenas: “Cristã, não sou”.
Alguns textos têm um humor muito particular, como este “Mildred e o Oboé”, que reza assim:
“A noite passada, Mildred, a minha vizinha do andar de baixo, masturbou-se com um oboé. O oboé ofegou e uivou dentro da vagina dela. Mildred gemeu. Mais tarde, quando eu pensava que ela acabara, começou a gritar. Eu estava deitada na cama com um livro sobre a Índia. Podia sentir o seu prazer invadir o meu quarto através das tábuas do soalho. É claro que talvez haja outra explicação para o que ouvi. Talvez não fosse o oboé mas o tocador de oboé que penetrava Mildred. Ou talvez a Mildred estivesse a bater no seu cão pequeno e nervoso com qualquer coisa de esguio e musical, como um oboé.
Mildred, a que grita, mora por baixo de mim. Por cima de mim moram três raparigas de Connecticut. Há ainda uma senhora que é pianista, com as suas duas filhas, no piso nobre, e umas quantas lésbicas na cave. Sou uma pessoa comedida, uma mãe, e gosto de me deitar cedo – mas como poderei levar uma vida regular neste prédio? É uma roda-viva de vaginas que se encabritam e saltam: treze vaginas e um único pénis, o do meu filho pequeno.”
Uma coisa posso garantir: nenhum destas histórias terminam do modo que se poderia esperar.
Aconselho vivamente.