Conta a lenda que, em 490 A.C., Fidípides correu os 42 km que separam a planície da Maratona da cidade de Atenas, para anunciar a estrondosa vitória das tropas do ateniense Milcíades sobre os persas.
Ao chegar, terá dito: “Alegrai-vos, atenienses, nós vencemos!”
E depois caiu, morto de cansaço.
Assim nasceram duas tradições: a realização da maratona, como prova desportiva e o sacrifício dos mensageiros.
Vem isto a propósito do prazer que os jornalistas têm, como classe, de se vitimizarem.
É frequente ouvi-los protestar contra as “condições de trabalho”, sempre que a cabina de som não tem ar condicionado ou não os deixam passar o cordão de segurança.
Agora, a propósito daquela história ridícula do Mário Crespo, do famoso Plano para Controlar a Comunicação Social (tudo com letra grande) e dos tabefes que Carlos Queirós afinfou num tipo chamado Jorge Batista, comentador desportivo da Sic, a classe está em polvorosa.
Esta manhã, na RTP, outro comentador, também chamado Batista, dizia que este facto era a prova do nervosismo que se vive em Portugal, que se traduz por este hábito de “bater no mensageiro”.
Ora, segundo outro mensageiro, o DN, Carlos Queirós terá dado umas murraças no tal Batista por causa de um assunto pessoal: Queirós terá arranjado emprego ao Batista há 19 anos e agora, o ingrato diz mal do seleccionador.
Quer dizer: a coisa é o mais prosaica possível e não tem nada a ver com “bater no mensageiro”.
Quanto ao tal Plano para Controlar a Comunicação Social é mais um exemplo de lágrimas de crocodilo: tenho a certeza que a nata dos jornalistas detestava o estilo da Manuela Moura Guedes, que até é considerada uma “outsider”, uma apresentadora de TV armada ao pingarelho, que até suspendeu a carteira profissional para poder fazer publicidade.
Se Sócrates a calou, foi um alívio.
Finalmente, no que respeita ao Mário Crespo, até Vasco Pulido Valente, que odeia Sócrates, acha que ele tem todo o direito de exprimir, em privado, a sua raiva para com um tipo que lhe anda a sarrazinar o juízo há anos.
Então, agora, já temos que voltar a ter cuidado, quando falamos com os amigos num restaurante, não vá estar, na mesa ao lado, alguém que vá depois transmitir a mensagem a outrem?
Quem não se lembra disto? A frase “as paredes têm ouvidos” deve ter sido inventada por um gajo da Pide.
Ainda hoje, no editorial de outro mensageiro, o Público, comenta-se o facto de Sócrates ter chamado a este tipo de jornalismo, “jornalismo de buraco de fechadura”, dizendo que “insistir nas críticas ao mensageiro sem cuidar de desfazer a mensagem só é uma boa estratégia para manter a união entre as hostes do PS”.
E eu diria que ambos estão errados: Sócrates deveria ter desmentido ou desmontado as escutas e os jornalistas tinham a obrigação de esmiuçar a informação, não se limitando a pespegar com as certidões do juiz de Aveiro.
Aliás, cá no burgo, chama-se jornalismo de investigação quando se tem um amigalhaço na PJ que nos arranja cópias dos processos.
Talvez não fosse má ideia os jornalistas deixarem de olhar para o seu próprio umbigo e preocuparem-se, apenas, em transmitir as notícias, sem juízos de valor.
E, de preferência, verdadeiras.
Caso contrário, os mensageiros continuarão a levar uns tabefes de vez em quando…