Henry Miller (1891-1980) não é um autor consensual.
Eu gosto muito de Henry Miller.
Comecei por ler, em 1972, Pesadelo Climatizado (The Air Conditioned Nightmare, 1945) e, no ano seguinte, O Olho Cosmológico (The Cosmoligical Eye, 1939), ambos em edição Estampa, numa colecção em que foram divulgados grandes autores, praticamente desconhecidos em Portugal.
Em 1977 li Sexo em Clichy (Quiet Days in Clichy, 1956), em edição brasileira e, dois anos depois, Um Diabo no Paraíso (A Devil in Paradise, 1956).
Em 1980 e 81, devorei os grandes clássicos de Miller: Trópico de Câncer (1934), Trópico de Capricórnio (1939), Sexus (1949), Plexus (1952) e Nexus (1960).
Em 1985 li, meio enjoado, o pornográfico Opus Pistorum (escrito em 1941 e descoberto em 1983) e Cartas a Anais Ninn (1965).
Em 1993, foi a vez de Crazy Cock (escrito em 1930 e publicado em 1991) e, finalmente, em 1997, Moloch (escrito em 1927 e publicado em 1992).
E ao longo de todos estes anos, li várias referências a este O Colosso de Maroussi (1941), mas só agora, graças a esta edição da Tinta da China (tradução de Raquel Mouta), consegui lê-lo.
Alguns críticos e o próprio Miller consideram esta como a sua melhor obra literária. Não sei dizer se isso é verdade. Trata-se, de facto, de um livro excessivo, ao bom estilo exagerado de Miller, em que o autor expõe as suas ideias utópicas sobre a Humanidade.
Em 1941, Miller decidiu fazer uma pausa na sua actividade literária e, deixando Paris, onde residia, foi passar seis meses í Grécia. A segunda guerra mundial já tinha começado há dois anos, mas Miller passa-lhe ao lado, tão fascinado que está pela Grécia, que ele elogia até ao infinito.
Página 28: «Os homens podem andar por aí no seu corropio insignificante e inútil, até mesmo na Grécia, mas a magia divina ainda aqui é operante e, por muito que a raça humana faça ou tente fazer, a Grécia continua a ser um local sagrado – e tenho a convicção de que assim continuará a ser até ao fim dos tempos.»
Claro que Miller não podia adivinhar que a Grécia dos nossos dias iria estar de joelhos, humilhada pelos Mercados e que o facto de ter sido o berço da civilização ocidental tem tanto valor como cascas de amendoins.
Fascinado pelos locais históricos gregos, Miller encontra neles a solução para todos os males.
Página 100: «Não precisamos de melhores instrumentos cirúrgicos, precisamos de uma vida melhor. Se todos os cirurgiões, todos os psicanalistas, todos os médicos em geral pudessem ser afastados da sua actividade e reunidos por um breve período no grande anfiteatro de Epidauro, se pudessem discutir em paz e sossego as necessidades urgentes e fundamentais da humanidade em geral, a resposta seria rápida e unânime: REVOLUí‡íƒO».
Ao longo do livro, Miller vai visitando o Peloponeso, Olímpia, Delfos, algumas ilhas gregas, faz amizade com escritores e artistas gregos, mas o que lhe interessa mais é o comum dos mortais. Glorifica a pobreza. Endeusa a simplicidade e diaboliza a América, como símbolo do capitalismo furioso.
E é excessivo nas palavras. Por exemplo, isto, a propósito de Saturno:
Página 127: «Saturno é um símbolo vivo da tristeza, morbidez, desgraça e fatalidade. A sua tonalidade de um branco leitoso desperta associações inevitáveis com tripas, matéria cinzenta, órgãos vulneráveis e ocultos, doenças repugnantes, tubos de ensaio, espécimes de laboratório, catarro, reuma, ectoplasma, tonalidades melancólicas, fenómenos mórbidos, guerras de íncubus e súcubus, esterilidade, anemia, indecisão, derrotismo, obstipação, antitoxinas, romances fracos, hérnias, meningite, letra-morta, burocracia, condições de vida da classe trabalhadora, fábricas clandestinas, a YMCA, encontros do Esforço Cristão, sessões espíritas, poetas como T. S. Elliot, fanáticos como John Alexander Dowie, curandeiras como Mary Baker Eddy, estadistas com Chamberlain, fatalidades triviais como escorregar numa casca de banana e partir a cabeça, sonhar com dias melhores e ficar entalado entre dois camiões, afogar-se na própria banheira, matar acidentalmente o nosso melhor amigo, morrer de soluços e não no campo de batalha, e assim por diante, ad infinitum».
Miller estava, nesta altura, muito zangado com a América e verdadeiramente apaixonado pela Grécia.
Página 245: «Hoje, como ontem, a Grécia é extremamente importante para quem pretende encontrar-se a si mesmo. A minha experiência não é única. E talvez devesse acrescentar que não há povo no mundo que precise mais daquilo que a Grécia tem para oferecer do que os americanos. a Grécia não é apenas a antítese da América, é mais do que isso, é a solução para os males que nos atormentam. Economicamente, pode parecer insignificante, mas espiritualmente a Grécia ainda é a mãe de todas as nações, a fonte da sabedoria e da inspiração».
Não deixa de ser irónico ler estas palavras num momento em que a Grécia está tão em baixo, dependente da ajuda internacional e, internamente, a braços com uma crise de identidade.
O Colosso de Maroussi é um livro curioso, sobretudo, pelos excessos e pela paixão de Miller e acaba por ser um livro de viagens, datado, é certo, mas vivido.