Um acórdão do caralho!

—A notícia vem no Diário de Notícias de ontem, 18 de Novembro e a história conta-se em poucas palavras:

Um cabo da GNR pediu uma troca de serviço com um seu colega. Quando o seu superior lhe disse que não autorizava tal troca, o cabo exclamou: «não dá pra trocar? Então, pró caralho!»

Estaremos perante um crime de insubordinação ou apenas de um desabafo?

Para desfazer esta dúvida, o caso passou pelo Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa, pelo Tribunal de Instrução Criminal e, finalmente, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que a 28 de Outubro decidiu não levar o cabo a julgamento.

Para fundamentar a decisão, o juiz desembargador Calheiros da Gama e o juiz militar major-general Norberto Bernardes até parece que leram o meu post “Vernáculo Parlamentar”, de março de 2009 e elaboraram um acórdão, que vai ficar na história.

Aqui vão alguns trechos desse acórdão (o DN substituiu a palavra “caralho” por “c…”, mas aqui podemos colocar caralho por extenso, que é como ele deve ser colocado):

Os juízes vasculham a História e dizem que «para uns, a palavra caralho vem do latim caraculu, que significa pequena estaca, enquanto que, para outros, este termo surge utilizado pelos portugueses nos tempos das grandes navegações para, nas artes de marinhagem, designar o topo do mastro principal das naus, ou seja, um pau grande. Certo é que, independentemente da etimologia da palavra, o povo começou a associar a palavra ao órgão sexual masculino, o pénis».

Reparem que os juízes vacilam, no que respeita ao tamanho do caralho, desde “pequena estaca” até “pau grande”.  Mas adiante:

Â«É público e notório, pois tal resulta da experiência comum, que caralho é palavra usada por alguns (muitos), para expressar, definir, explicar ou enfatizar toda uma gama de sentimentos humanos e diversos estados de ânimo. Por exemplo, “pró caralho” é usado para representar algo excessivo. Seja grande ou pequeno demais. Serve para referenciar realidades numéricas indefinidas (chove pra caralho; o Cristiano Ronaldo joga pra caralho; o ácaro é um animal pequeno pra caralho; esse filme é velho pra caralho)»

Até aqui se vê o prestígio de Ronaldo, cujo nome se vê assim envolvido num texto jurídico sobre o caralho. Estranha, no entanto, a escolha do ácaro; em primeiro lugar, porque pouca gente saberá que o ácaro é, de facto, um animal e, depois, porque comparar o seu tamanho com o do caralho, menospreza este último, por muito pequeno que seja…

Continuemos…

«Para alguns, tal como no Norte de Portugal com a expressão popular de espanto, impaciência ou irritação “carago”, não há nada a que não se possa juntar um caralho, funcionando este como verdadeira muleta oratória».

“Não há nada a que não se possa juntar um caralho?” – ó senhores doutores juízes! Esta é muito forte! Imaginem juntar um caralho a uma lâmina de barbear! Ou imaginem expressões como “aquela freira do caralho”, ou “o caralho do major-general Norberto Bernardes”. Não fica nada bem, caralho!

E, baseados nesta jurisprudência do caralho, os juízes consideraram que a expressão utilizada pelo cabo foi apenas “virilidade verbal” e não o levaram a julgamento.

Pergunto: e se ele tivesse mandado o seu superior levar no cu?

Seria virilidade ou mariquice?…

13 thoughts on “Um acórdão do caralho!

  1. O Caríssimo Artur continua-nos a brindar com belas prosas. Não me canso de O ler apesar de me escassear o tempo para Lhe escrever umas linhas de agradecimento nestes comentários. Abraço e que continue sempre!

      1. Só um esclarecimento: o meu nome é Artur e não tenho nick nenhum. O Coiso foi um semanário humorístico que saiu durante 13 semanas, em 1975 e de cujo corpo redactorial eu fiz parte

      2. Caro Artur, eu sei que se chama Artur…eu fiz foi uma chalaça com o nick do JC (Jesus Cristo)…e o termo “comentarista” está relacionado com quem escreve um comentário no seu blog, mais concretamente, dirigido ao “JC”…

        Andamos um pouco cansados, Dr Artur ;) é a crise económica e nosso Benfica que anda “tremido” este época!

  2. O comentário tem piada, mas os factos (ai, os factos são sempre uma chatice!) não estão corretos. Se lerem o Acórdão (em http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/0/85e3b7ab708fb737802577dd00582b94?OpenDocument) verão que o cabo não disse “Vá pró caralho”. Só o queixoso (e os sensíveis ouvidos da Sra. Procuradora do MP) é que terão ouvido. O arguido nega e nenhuma testemunha ouviu.
    Ora, o “caralho” sozinho (salvo seja!) é um bordão de linguagem? É. É má educação? É. Mas, é crime? Obviamente que não!

  3. «só o queixoso (e os sensíveis ouvidos da Sra. Procuradora do MP) é que terão ouvido» o cabo dizer «pró caralho»?! Então a procuradora estava presente?

    Enfim, caro Mário, não é o facto de o cabo ter, ou não ter dito a referida palavra. É todo o ridículo da situação…

  4. Os “sensíveis ouvidos” era irónico, porque, evidentemente, ela não esteve lá, mas conseguiu “ouvir” nos depoimentos aquilo que não foi dito.
    Concordo inteiramente que é ridículo que a Procuradora tenha deduzido acusação. Aliás, o Acórdão (ou o JIC, já não me recordo) diz isso mesmo, lamentando tanto tempo perdido, por tantas pessoas com isto. Enfim, uma “banalidade do caralho”.
    Mas, se alguém fica mal no retrato não são os juízes (declaração de interesses: não sou juiz!).

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