Um procurador que faz rimas

A notícia do Expresso é quase incrível.

Saiu ontem e diz assim: «O magistrado chegou vinte minutos atrasado ao julgamento de um caso banal, ouviu um reparo da juíza e justificou-se com o despertador do telemóvel, que não tocou. Depois, mandou o funcionário judicial ir ao casaco buscar umas folhas e disse dez quadras que escreveu durante a viagem de metro até ao tribunal cível de Lisboa».

Tudo isto já parece impossível, mas o jornalista Rui Gustavo (rgustavo@expresso.impresa.pt) faz questão de desenvolver a notícia e de nos presentear com quatro das dez quadras que o procurador José Vaz Correia escreveu.

A qualidade das quadras fica logo atestada por esta:

“Os comboios já vão cheios / muitos se levantam cedo
nas mulheres aprecio os seios / mas têm outro enredo”

Pausa para podermos reler a quadra e imaginar o procurador a lê-la, em voz alta, para a juíza – ou melhor ainda, para imaginarmos este membro de um órgão de soberania, sentado no metro, a escrever esta quadra.

As outras duas quadras têm, também, fino recorte literário, mas a minha preferida é esta:

“São sete e pouco da manhã/ viajo de Metro para o trabalho
fi-lo ontem, farei-o amanhã /só sou aquilo que valho”

“Farei-o”?!

Do verbo farar?!

A notícia continua dizendo que «o procurador pí´s baixa médica e não tem estado no tribunal».

Deve estar a aprender a escrever português…

País de poetas…

País de patetas…

8 thoughts on “Um procurador que faz rimas

  1. “…São sete e pouco da manhã/ viajo de Metro para o trabalho
    fi-lo ontem, farei-o amanhã /vou mas é para o c@r@$#o”

    Vá, senhor magistrado.

  2. Lendo o Coiso lá me animo.
    Com a Justiça me chateio.
    O Procurador é fino
    Mas precisa de um arreio.

  3. Publicada em http://lopesdareosa.blogspot.com/
    Sexta-feira, 12 de Novembro de 2010POESIA NA JUSTIí‡A
    POESIA NA JUSTIí‡A
    Ou pelo menos versalhada.
    Razão tinha o outro em dizer que havia vida para além do déficit.
    Há vida poética para além da Dura Lex.
    Comprar o Expresso tem destas coisas. Com é um semanário que se
    vende ao quilo tem também quilómetros de leitura pelo que só hoje dei conta de um título publicado já em 23 de Outubro passado, pg.19. “Procurador rimou e a juíza não perdoou”.

    Assim o Procurador, José Vaz Correia, chegando atrasado ao Tribunal Cível de Lisboa, a um julgamento de um caso banal, justificou, em versos, esse atraso solicitando que a epopeia ficasse em acta. A Juíza Catarina Pires é que não condescendeu com os dotes camonianos ( no mínimo bocagianos) do procurador e fez uma participação disciplinar no Conselho Superior do Ministério Público.

    Algumas das quadras são transcritas:

    Os comboios já vão cheios Vejo brancos e pretos
    muitos se levantam cedo nacionais e estrangeiros
    nas mulheres aprecio os seios alguns vivem em ghetos
    mas têm outro enredo outros em lugares foleiros

    Adoro levantar cedo São sete e pouco da manhã
    a ter a obrigação cumprida viajo de metro para o trabalho
    dos falsos tenho medo fi-lo ontem farei-o amanhsão o pior que há na vida só sou aquilo que valho

    Aqui só um reparo. Aquela do farei-o é que não me parece de um procurador. Mas não sei qual será o problema da justificação ser em verso. Poderia dizer exactamente a mesma e prosaica coisa como seja:

    Muitos se levantam cedo como eu, que adoro fazê-lo. Fi-lo ontem e fa-lo-ei amanhã, mas hoje o raio do despertador não tocou. Apesar de ter saído ás sete e pouco da manhã, a essa hora os comboios já vão cheios. Distraio-me e atrazo-me. Viajo de metro para o trabalho pelo caminho vejo brancos e pretos nacionais e estrangeiros mas só dos falsos tenho medo. Alguns vivem em ghetos outros em lugares foleiros que é quase a mesma coisa. Mas eu só sou aquilo que valho por isso concentro-me mais nas mulheres pois têm outro enredo. Aprecio-lhes os seios. Distraio-me e essa distracção impede-me de ter a obrigação cumprida. Atraso-me e os atrasos na vida são o pior que há . Disso me penitencio agora.

    e ditar para a acta. Duvido que houvesse alguma participação por tal.
    Ou seja, se o Cirano de Bergerac fosse depor a tal tribunal iria para as masmorras de véspera.

    De qualquer forma, se em vez do Tribunal o nosso procurador frequentasse as Feiras Novas de Ponte, faria sucesso entre os cantadores ao desafio.

    António Alves Barros Lopes
    Afife

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