< Voltar à homepage do Coiso
O Coiso
Viagem à China

Lisboa-Hong Kong

Sábado, 14 de Maio
A320 da Air France, 18h15 - já estamos instalados para o primeiro voo: Lisboa-Paris. Sentadinhos nos lugares 9E e 9F, aguardamos a descolagem, já com cerca de mil yuans, que trocámos no aeroporto. Tudo bem, até agora.

Descolámos às 18h40 e, 40 minutos depois, despachámos uma espécie de fatia de pizza, acompanhada por cerveja Kronerbourg 1664 (25 cl), a primeira lata nova da viagem. Voo calmo, sobre nuvens. Hoje é o 1º dia do ano em que o nosso ordenado é todo para nós, isto é, livre de impostos. Não sei quem teve a ideia., mas parece que um estudo revela que nestes cento e tal dias, de Janeiro até hoje, todo o dinheiro que ganhei, foi para impostos. Agora, terminada a minha solidariedade com a comunidade a que pertenço, estou a trabalhar só para mim. Por isso mesmo, vou a caminho da China, para duas semanas de puro laser.

Boeing 777, aeroporto Charles De Gaulle, Paris, 22h15 - O Benfica ganhou 1-0 ao Sporting e só não será campeão se não quiser.
O voo para Paris foi rápido e tivemos apenas tempo para mudar de terminal, fazer um chi-chi e fumar um cigarro, numa espécie de gaiola de 3X3 metros, onde se aglomerava uma dúzia de fumadores inveterados. Deprimente! A sala, além de ser minúscula, tem um tecto de rede, talvez para que o fumo possa sair do cubículo - mas faz a coisa parecer mesmo uma gaiola. A toda a volta, bancos de ferro, incómodos e, no centro, um imenso cinzeiro que ninguém parece preocupado em despejar. Mais valia que não houvesse sala para fumadores... é que, havendo, um fumador que se preze não resiste à tentação de ir fumar um cigarrinho. Como castigo, é humilhado desta maneira!...
Depois, corremos para a porta 84, enquanto eu ia recebendo mensagens do Pedro, a descrever-me pormenores do jogo. Até que chegou a mensagem mais esperada: Luisão marca um golo de cabeça - um golo que pode valer um campeonato.

Domingo, 15 de Maio
7h40 (hora de Paris) - faltam 4 horas para chegarmos a Hong Kong. A noite foi a dormitar. Tenho um chinês sentado ao meu lado, que dormiu o tempo todo - aliás, ainda dorme, e eu, aflito para ir à casa de banho. Podia simplesmente espancá-lo e passar por cima dele, mas suspeito que ele seja cinturão negro de uma arte marcial qualquer.

16h40 (hora de Hong Kong, mais 7 horas que em Portugal) - mais de 9 mil km voados, ainda falta cerca de 1 hora para chegarmos ao nosso primeiro destino. O chinês aqui do lado gargalhou com o último filme dos Fockers, aquela idiotice com o De Niro e o Sandler. Eu não consegui ver nada durante a viagem: o meu monitor encravou no anúncio da Coca Cola e está assim há 12 horas.

Quarto 1533 do Hotel Kowloon Shangri La, 22h20 - foram quase 13 horas fechados no avião e aterrámos com 45 minutos de atraso. Mas não foi mau. Já estamos habituados a estas viagens longas. Formalidades rápidas na fronteira. As malas chegaram. Tudo a correr bem.

Cá fora, um chinês a falar espanhol, aguardava-nos com um cartaz que dizia Mr. e Mrs. Maria. Apresentou-se como José (deve ser tanto José como eu sou Li Yang...) e levou-nos para fora do aeroporto, onde fomos recebidos por um bafo tropical: 30 graus e 85% de humidade. Cheirava a Amazónia.

Uma limousine Mercedes levou-nos através de auto-estradas e viadutos e pontes, até à Península de Kowloon, onde fica este Hotel Shangri La, de frente para a ilha de Hong Kong. Pelo caminho, o José forneceu-nos alguns dados estatísticos sobre Hong Kong, fazendo questão em distinguir esta ex-colónia britânica da China.

Chegados ao hotel, deram-nos o quarto 1533, enorme e bem equipado. Arrumámos meia dúzia de coisas e fomos comer a uma coisa chamada Deli France, aqui mesmo ao lado: uma sopa super-picante, um hot dog para mim e uma pasta de qualquer coisa, para a Mila. A acompanhar: café com leite!

E começámos a andar, que é o que mais gostamos de fazer (mais ou menos 7 km). Junto à baía de Hong Kong, com a cidade em frente, tirámos várias fotografias e, deambulando pela chamada Avenue of Stars, misturámo-nos com centenas de pessoas que faziam o mesmo: muitos asiáticos, claro, e alguns ocidentais. Do lado de lá da água, os arranha-céus profusamente iluminados pelos néons das marcas do costume: Epson, Sony, Philips, etc.

Estamos estafados e encharcados em suor, mas estamos fixes! Até agora, Hong Kong parece-nos déja vu, uma vez que nos limitámos à baía, tantas vezes cenário de inúmeros filmes. Aguardemos por amanhã.

Segunda, 16 de Maio
Hotel Shangri La, 18h10 - Acabámos de chegar, depois de uma caminhada de 17 km!

Espantosamente, o jet lag não se fez sentir, pelo menos, a nível do sono. Tão cansados estávamos ontem, que adormecemos facilmente e acordámos hoje por volta das 6 da manhã. Quem sofre com o jet lag são as nossas barrigas, que não funcionam...

O pequeno almoço foi bom: pãozinho e café aceitável num ambiente simpático.

Às 9h, o tal José estava à nossa espera no lobby, e partimos para a visita da cidade, começando pelo Pico Victória (Tai Ping Shan, ou montanha da Grande Paz), 400 metros acima do nível do mar. Curva e contra curva, com a confusão dos autóctones conduzirem pela direita. Lá em cima, um panorama soberbo da cidade. O aglomerado de arranha-céus, com as águas da baía e as nuvens baixas em constante movimento. Podemos tirar várias fotos ao mesmo conjunto de edifícios e ficam todas diferentes, porque a luminosidade vai mudando conforme a deslocação das nuvens. O calor, hoje, era insuportável e a humidade, superior a 90%, o que nos provoca uma destilação abundante. De cada vez que saímos do carro, com o ar condicionado bem forte, o embate do calor embacia-nos as lentes dos óculos.

Depois do Pico Victória, levaram-nos até a uma praia, em Repulse Bay, onde está o Templo Tin Hao, um templo budista, dedicado aos pescadores e cheio de estátuas, cada uma com o seu simbolismo: as três cabras, que simbolizam a paz, as tartarugas, que são a paciência e a longevidade, o buda da fertilidade, mais a ponte que nos oferece mais 3 dias de vida de cada vez que a atravessarmos. Claro que é preciso passar a mão pelas estátuas para obter a respectiva benesse. O templo fica mesmo ao lado de uma pequena praia que, como todas as praias, agora, em Hong Kong, têm, ao largo, uma barreira de rede, para evitar que os tubarões comam os chinesinhos. Parece-me correcto.

Estoirámos mais umas dezenas de fotos, não porque o templo seja assim tão bonito, mas pelo insólito do local, com as estátuas dispostas ao longo da colina, até ao mar: o inevitável dragão, a porta redonda, mais um buda sorridente...

Em seguida, fomos visitar Hong Kong Jay, que é como quem diz, o filho de Hong Kong. Trata-se de uma espécie de cidade flutuante. Alguns cidadãos decidiram viver nos seus barcos porque em terra já não havia espaço. E os barcos estão arrumados como se fosse vivendas de um bairro, com ruas entre eles, por onde passam os barquinhos. Pagámos 150 dolares de HK pelo passeio de meia hora por entre esses barcos-casas. Neste local, foram já rodados diversos filmes ocidentais e muitos locais, nomeadamente, o Goldfinger.

O passeio foi feito num bote típico de HK, o sampan, dirigido por um chinês que, assim que ficámos longe da vista do guia, tirou um pano que cobria vários caixotes de banana Bonita, recheados com t-shirts, casaquetas de seda, chapéus e outras bugigangas. Estava aberto o mercado. Acabámos por comprar um sampan e um chapéu típico, para a Bela.

A visita da cidade terminou com mais um truque comercial: fomos visitar a Tse Lui Leun Jewlery. Fomos recebidos por um chinês sorridente (haverá outros?) que, num espanhol macarrónico, nos explicou todo o processo de fabrico das jóias mais maravilhosas do mundo, em apenas 10 minutos. Passámos, depois, à exposição, onde nos seriam sacados cerca de mil dólares de HK, em troca de duas pendurezas em ouro branco, com caracteres chineses: um significando vida longa, para a Dalila, outro significando dupla felicidade, para a Marta.

E regressámos ao hotel, para logo sairmos, depois do José nos ter dado algumas sugestões para passar a tarde.

Fomos a pé até Nathan Road, que é uma rua cheia de lojas para turistas e indianos ou paquistaneses que nos chateiam, tentando impingir cópias de Rolex, fatos Armani, malas Louis Vitton e mais não sei o quê! Estava interessado em comprar uma máquina de filmar digital para o Pedro filmar o Alex, mas nem tive coragem de entrar numa das dezenas de lojas de electrónica desta rua, porque temi que acabasse por comprar uma máquina sem nada lá dentro (e ainda bem que não comprei porque, em Lisboa, à chegada, os alfandegários abriram-nos as malas e vasculharam tudo).

A Nathan Road tem graça pela profusão de letreiros coloridos, anunciando tudo, e que cavalgam uns sobre os outros. Subimos um bom bocado da rua e entrámos no Kowloon Park, para descansar um pouco e ver uma espécie de aviário, com alguns pássaros exóticos. Hoje é feriado em HK (significa Porto Perfumado) e vimos muitas famílias passeando no parque, ou tomando banho nas piscinas.

Começámos a ter alguma fome e, mesmo ali ao lado, um McDonalds. Já está! Vantagens da globalização...

Descemos depois a Nathan Road até Salisbury Road, onde fica o Hotel Peninsula, que é o mais antigo de HK e caminhámos até aos ferrys. Cerca de 5 minutos depois, já tínhamos atravessado a baía e estávamos na ilha de HK. Como não tínhamos muito tempo, decidimos ir ver o que era isso das escadas rolantes mais longas do mundo. São cerca de 800 metros de escadas rolantes, que se sucedem e sobem o morro, por entre o casario. Fomos por ali acima, notando as ruas lá em baixo e, ao nosso nível, o pitoresco das casas. O pior, foi para baixo: contámos 728 degraus, com ladeiras pelo meio, que nos deixaram as pernas a tremer.

Arrastámo-nos até ao cais e regressámos a Kowloon (significa Nove Dragões). Foi então que começou a chover uma chuva grossa e direita, que foi muito bem vinda, porque nos refrescou um pouco.

Voltámos à tal Avenue of Stars (Tsim Sha Tsui), que vai ao longo da baía e tirámos mais umas fotos, iguais às de ontem mas que, com a luz do dia, acabam por ser diferentes. Sentámo-nos para descansar, comer umas bolachas, beber água e telefonar à família quando, em Portugal, eram 10h30 da manhã.

Chegámos ao hotel encharcados e vamos descansar um pouco. Aliás, a Mila já ressona.

21h30 - caminhámos mais cerca de 4 km, pelas redondezas do hotel e fomos parar a praças tranquilas e a uma zona com muitos night clubs e ainda mais néons feéricos. Passámos por muitos restaurantes chineses, mas decidimos deixar a comida chinesa para quando não tivermos alternativa. Acabámos por nos decidir pelo Café Fontaine, onde eu comi um american steak e a Mila, um spaguetti à bolonhesa; bebemos Stella Artois. Só a Stella se safou, já que o resto deixava muito a desejar. Enfim, o bife era bife, mas o puré de batata que o acompanhava parecia gesso; quando ao espaguete, vinha embebido num molho demasiado ácido.

Macau

Terça, 17 de Maio
Ferry para Macau, 9h20 - às 8h15, um chinês pequenino e frenético, falando inglês, pediu para lhe mostrarmos os passaportes e para o seguirmos até a um táxi Toyota, onde nos enfiámos os três. Já lá estava um casal de neozelandeses sessentões. Eu sentei-me à frente, entre o motorista, que conduzia descalço (mudanças automáticas) e o chinesinho, que me puxou para ele, dizendo: "close to me! Close to me!" Intimidades!…

O percurso até ao cais não foi longo e ainda bem porque, de cada vez que o táxi curvava, eu caía para cima do guia ou do motorista.

No cais, a agitação do chinês ainda foi maior. De um lado para o outro, falava inglês connosco e chinês para o telemóvel. Lá nos explicou a mecânica da coisa e que, em substância, consiste em complicar o que devia ser simples: para irmos de HK a Macau, embora o país seja o mesmo (China, se estão recordados), é como se saíssemos de um país e entrássemos noutro. Mostrámos o passaporte na fronteira e, já no ferry, preenchemos novos boletins de emigração.

Vamos a caminho há 20 minutos, a uma velocidade considerável e apenas com alguns abanões, que fazem a Mila fechar os olhos e respirar fundo. O jet foil vai cheio de asiáticos e poucos ocidentais. Três grandes écrans de plasma passam imagens publicitárias de Macau e de anti-histamínicos.

Macau, sala de embarque, 17h50 - a sala de embarque é semelhante às de um aeroporto. Aliás, o edifício da First Ferry parece mesmo um aeroporto, com, pelo menos, 12 salas de embarque.

A viagem demora cerca de 1 hora e é tranquila, apenas com alguns balanços, que não dão para enjoar.

À chegada a Macau, esperava-nos uma guia, que disse chamar-se Mónica. Formou-se, então, um daqueles grupos heterogéneos, como é habitual neste tipo de viagens: um casal da Nova Zelândia, uma norte-americana a viver na Coreia do Sul, uma jovem do Canadá com feições asiáticas e dois chineses, que fizeram todo o passeio com malas e sacos plásticos.

Começámos por subir um morro até à igreja de Nossa Senhora da Penha, enquanto a guia ia debitando, em inglês e chinês, informações sobre Macau. Lá de cima, um bom panorama de Macau. À primeira vista, o casario pareceu-nos muito degradado e incaracterístico: muitos prédios altos, semelhantes aos de HK, mas mais estragados, muitas casas esbarrondadas e, aqui e ali, uma ou outra casa bem conservada.

A igreja da Penha é igual a muitas outras. Entretanto, tratei de informar a guia de que éramos portugueses, a fim de evitar declarações desagradáveis; ela já tinha dito que só 3% da população de Macau fala português porque, para frequentar as escolas portuguesas, era preciso ser católico e ter sangue português - como se os portugueses alguma vez fossem capazes de ser racistas!...

Descemos do morro para visitar, em seguida, um templo budista e taoista (telhado vermelho, para os templos budistas e verde para os taoistas). A guia contou esta história: quando os portugueses chegaram a Macau, foi neste sítio que aportaram. Alguém terá perguntado a uma autóctone que sítio era aquele e ela, que estava junto ao templo, terá respondido "A Ma gau", querendo dizer o nome da deusa dos mares e dos pescadores (A Ma) e baía (gau). O português fez a adaptação de A Ma Gau, para Macau...

O templo espalha-se por uma pequena colina, com diversos altares e estava cheio de chineses, todos com o molho de pauzinhos de incenso a arder. O cheiro era quase insuportável.

Continuámos depois a visita passando junto à fronteira com a China, o que foi muito sublinhado pela guia. Parece que é mesmo um grande feito viver num sítio assim tão perto do gigante chinês - como se Macau ainda não fosse chinês... mas enfim, é como se não fizesse: os macaenses, neste momento, vivem a felicidade de serem um povo independente; já não têm os portugueses a governar e os chineses também não lhes ligam grande coisa, desde que os impostos do jogo entrem nos cofres do Estado.

O almoço foi no Emperor Hotel. Serviço buffet que não esteve mal, no sentido em que a maior parte da comida era reconhecível e, melhor ainda, comestível.

Se os macaenses não falam português, porque os portugueses não os quiseram ensinar, também não falam uma única palavra de inglês, a língua oficial de todos os hotéis do mundo. Pedi uma beer ao empregado e ele respondeu-me qualquer coisa em cantonês. Tentei novamente, sem sucesso. Só a linguagem gestual me safou. Trouxe-me um carrinho com diversas bebidas e escolhi uma lata de S. Miguel - por causa da lata, claro. Quer dizer que a cerveja espanhola chegou a Macau (aliás, a Hong Kong também). Que é feito da Sagres ou da Super Bock?

Depois do almoço, a guia impingiu-nos um relógio inenarrável, por uns míseros 8 euros. Como tema, os Jogos Asiáticos, a realizar este ano em Macau: um mostrador com ponteiros e as imagens da fachada da igreja de S. Paulo e da flor de Lótus, conforme se posiciona o relógio; puxa-se uma patilha e, do outro lado, imagens de cães e cavalos de corrida e ainda um pequeno recipiente com três dados de jogar. O Sousa vai adorar...

Fomos visitar, então, a fachada da igreja de S. Paulo, a imagem de marca de Macau. Foi nessa altura que a barriga da Mila decidiu resolver o problema do jet lag. A minha já tinha resolvido a questão de manhã. A da Mila é sempre mais lenta. Resolveu-se o problema com o recurso a uma casa de banho pública, daquelas em que nos temos que pôr de cócoras. Serviu.

Demos umas voltas por ali, indo ver a igreja de Santo António e o jardim Camões, por insistência da guia que, desconfio, não faz ideia de quem foi Camões. Em redor da fachada de S. Paulo, os prédios fazem lembrar os bairros isboetas e a rua é empedrada, à antiga portuguesa.

Subindo ao forte de S. Paulo, vê-se a cidade toda, lá em baixo.

De seguida, seria a visita ao Casino Lisboa, para jogar umas massas. Não entrámos sequer. Preferimos dar um passeio pelas redondezas e confirmar a impressão que tínhamos desde manhã. Macau é incaracterístico, tem muitas zonas degradadas e um interesse "apenas" histórico. Ainda por cima, os carros circulam pela direita - outra influência tipicamente portuguesa...

Também me quer parecer que se o grupo fosse formado só por portugueses, a guia talvez nos mostrasse outras coisas...

E agora, regresso a Hong Kong a alta velocidade, a bordo do jet foil.

Hotel Shangri-la, 23h - assim que o jet foil ganhou velocidade, adormecemos e acordámos quando o ferry estava quase a atracar.

À nossa espera, o tal chinesinho frenético, que precisava que alguém lhe aparasse as sobrancelhas à Brejnev. Mas antes, tivemos que passar pela fronteira, claro. Nesta curta visita a Macau, conseguimos diversos carimbos no passaporte: saída de Hong Kong, entrada em Macau, saída de Macau e entrada em Hong Kong. Uma festa da burocracia. À chegada, passámos pela alfândega, obviamente aberta, onde 3 polícias 3, olhavam, tristes, para os passantes, já que não faz sentido estarem ali. Mas estão!

O chinesinho trouxe-nos ao hotel, outra vez de táxi, juntamente com o simpático casal neozelandês, ambos setentões e que passaram o dia a fazer perguntas sobre a nossa viagem, admirando a "coragem" por irmos penetrar no grande país comunista e espantados com o facto de falarmos tão bem inglês.

À chegada, o pedómetro marcava 15 km, mas deve ser mentira. Não andámos assim tanto...

No que respeita a compras, Hong Kong deu em nada. Acabámos por não comprar nem câmara de vídeo, nem ténis, nem nada. Aliás, nós não viemos às compras, viemos para conhecer novos lugares. Além disso, a própria guia de Macau avisou que, muitas vezes, os ténis, por exemplo, são cópias tão reles que até a sola é feita de cartão. Quanto a câmaras digitais, não me apetecia nada comprar uma câmara que, depois, não funcionasse. Hoje, em Macau, vimos uma máquina fotográfica igual à nossa Pentax por metade do preço - mas, se se avaria, como aconteceu com a nossa?

Depois de um pequeno descanso no hotel, saímos para jantar. Andámos às voltas, à procura de um sítio que tivesse um menu perceptível. Em vão. Foi também a guia de Macau que nos disse que, por estas bandas, os menus estão todos em mandarim e os empregados dos restaurantes não falam uma palavra de inglês. Por isso, podemos pedir um determinado prato, até lhes perguntamos se é frango, eles concordam com a cabeça e, depois, trazem-nos cão ou gato. Com esta boca, não nos atrevemos a entrar em nenhum restaurante que só exibisse menus em chinês. Resultado: voltámos ao Café Fontaine e comemos uma costeleta de porco, uma sopa de alho francês e Stella!

Em seguida, fomos fazer mais um passeio pela Avenue of Stars. Esta é a nova designação de um passeio pedonal, ao longo da baía, em Kowloon. As stars são os actores dos filmes produzidos em Hong Kong, com destaque para Jacky Chang. No chão, aqui e ali, as mãos dos actores marcadas no cimento, como em Hollywood.

A luminosidade estava diferente e lá foram mais umas quantas fotos. Regressámos com mais 6 km no pedómetro - e uma dor excruciante nos gémeos, resultado dos 700 degraus que descemos ontem.

Quarta, 18 de Maio
Guanghzou

Comboio para Guanghzou, 9h10 - estamos na carruagem nº6 do comboio das 9h25, de Hong Kong para Guanghzou. As janelas da carruagem têm cortinas de renda!

O tal José foi-nos buscar ao hotel às 8h e trouxe-nos até à estação. Deu-nos as indicações necessárias e foi-se embora. Claro que tivemos que passar pela fronteira, mais uma vez, e o nosso passaporte exibe, agora, mais um carimbo! Depois da fronteira, mais uma sala de embarque, semelhante às do jet foil. O comboio nem se vê. Faz sentido, na medida em que estamos numa fronteira. Arrastámos as três malas para a carruagem e cá estamos, nos lugares 9 e 10, rodeados de chineses por todos os lados, embora também estejam por aqui muitos ocidentais.

Quarto 2413 do Hotel White Swan, Guangzhou - a visita a Guanghzou (ex-Cantão) valeu pela nossa guia, uma chinesinha muito simpática, sempre sorridente, hiperactiva e que disse chamar-se Mónica. Quando lhe perguntei se era esse o seu verdadeiro nome, respondeu que não, claro; o nome dela é qualquer coisa de impronunciável, mas escolheu Mónica para turistas.

A viagem de comboio foi desinteressante. A hora e meia foi passada a ler e a dormitar, já que a paisagem da janela é monótona: prédios e mais prédios e alguns campos cultivados. Uma curiosidade: as pessoas põem a roupa a secar nas varandas, em cabides. Por vezes, deparamos com prédios que parecem armazéns de roupa, com centenas de cabides nas varandas, com roupa pendurada. Outra curiosidade: olhando para os prédios, vê-se o outro lado, o que quer dizer que os apartamentos, além de serem minúsculos, não devem ter portas a separar as divisões. Aliás, nem devem ter divisões propriamente ditas. Disseram-nos que, habitualmente, este tipo de apartamentos têm 30 metros quadrados para uma família de 3-4 pessoas: a mesa é desmontável, a tv está na parede, os móveis são mais pequenos que o habitual.

Pelos vistos, na China decorre uma grande campanha contra a velha tradição da cuspidela. Durante gerações, os chineses habituaram-se a ver os seus mais altos dirigentes, mesmo nos momentos mais solenes, com o escarrador sempre por perto. E agora, vêm-lhes dizer que cuspir para o chão é anti-higiénico. Por todo o lado, nos jardins, na estação de comboio, nos barcos, cartazes advertem que é proibido cuspir, ameaçando com multas pesadas. Os cartazes dizem mesmo que é proibido cuspir nos caixotes do lixo: por favor, embrulhe o seu cuspo num papel, antes do deitar no lixo! Os chineses já não podem cuspir para o chão. Para o ar, muito menos. Talvez não fosse má ideia lançar uma campanha destas em Portugal...

Voltando à viagem: chinesinhos de uniforme azul, passavam, de vez em quando, oferecendo jornais, bebidas e comidas. À chegada a Guanghzou, veio uma menina fechar as cortinas. O comboio tem que parecer apresentável quando chega ao seu destino.

Se nós temos pessoal a menos, a China tem pessoal a mais. Definitivamente. Neste hotel, há uma empregada em cada piso (e são 30), só para nos chamar o elevador!

À chegada à estação, lá estava a dita Mónica, muito magra, com um sorriso de orelha a orelha, com umas sandálias dois números acima. Enfiou-nos num Honda e, enquanto o carro rolava pelas ruas de Guanghzou, foi debitando, em castelhano mal amanhado, algumas informações: a cidade tem 10 milhões de habitantes, tem zonas muito antigas, outras mais modernas, é muito importante para a economia chinesa, eu sou estudante universitária, estudo Direito mas já estudei línguas e a minha especialidade é o espanhol, o que é que os senhores fazem, ah! são médicos! será que estou saudável, por que estarei tão magra se como tão bem, e falou, e falou.

Às tantas, chegámos ao hotel, fizemos o check in e viemos parar ao 24º piso, com uma vista espectacular sobre o Rio das Pérolas. Descemos logo de seguida e a Mónica levou-nos ao Landmark Hotel, onde almoçámos. Sentámo-nos a uma mesa e começaram a pôr-nos comida à frente. A Mónica foi almoçar para outro lado, com o motorista. À nossa volta, nem um único ocidental. Mas safámo-nos, com pauzinhos e tudo! A refeição estava boa: uma sopa com algas e cogumelos, arroz frito, porco, legumes e mais cogumelos. Fruta, para rematar, chá de jasmim e cerveja chinesa. Se for sempre assim, não é mau...

Depois do almoço, a Mónica levou-nos ao único sítio que esta cidade quer mostrar aos turistas: o memorial a Sun Yat-sen, médico e fundador da República da China, acabando com o regime feudal. Entretanto, a chinesinha tinha rasgado a tira de uma das sandálias, o que solucionou com um elástico, que enrolou em volta da sandália. E falou que trabalhava muito para pagar os estudos e ajudar a família, as tias, que eram camponesas, e a outra, que trabalhava numa fábrica 12-15 horas por dia e só ganha 30 euros por mês! Mas que raio de socialismo é este? Está descansada, Mónica, que nós damos-te uma boa gorjeta...

Em frente ao Memorial ao Sun Yat-sen, a Mónica deu o braço à Mila e perguntou se, em Portugal, esse gesto era visto como homossexual. Não resistimos a tirar fotos com ela.

Sobre o Memorial propriamente dito, parece que a miúda sabia pouco. Aliás, ela não é uma verdadeira guia turística, sendo contratada para estes serviços apenas porque deve ser das poucas que sabe falar castelhano. O Memorial, embora seja um edifício interessante, em forma octogonal, não é mais do que uma simples sala para concertos e conferências. Depois de visitarmos o interior, aproveitámos para verter águas e tive oportunidade de fotografar as retretes. Ironia: um gajo de smoking, assiste à execução da 5ª Sinfonia de Beethoven, dá-lhe a volta à barriga e tem que cagar de cócoras no Memorial!

Antes de sairmos, ainda fomos caçados pelas vendedoras do Memorial. A simpatia valeu uma bonequinha das minorias étnicas, dois frascos de vidro pintados por dentro, uma gravura pintada com a unha a tinta da China e um duplo dvd com um grupo musical qualquer, ao vivo, no Japão e que nem sei porque comprei - aliás, sei: foi para ajudar a revolução e o Povo!

Terminada a visita, começou uma trovoada que estragou o resto do passeio, que consistiria, apenas, em passear pela Rua Beijing que, pelos vistos, é uma das mais movimentadas da cidade. Antes, porém, tínhamos que passar por uma loja que vende produtos para turistas. Disse-nos a guia que isso fazia parte do contrato, mas que nós podíamos entrar e sair. Foi o que fizemos. E, em breve, debaixo de chuva, estávamos de volta ao hotel, por volta das 4 da tarde.

Pelo pouco que vimos, Guanghzou parece uma cidade incaracterística, enorme e cinzenta. Através da janela do carro vi muitos edifícios a cair aos bocados e muita gente na rua com ar triste a acabrunhado. Mas também pode ser impressão minha. No entanto, uma cidade destas dimensões que apenas mostra aos turistas uma sala de espectáculos, ou não tem nada para ver ou tem que arranjar guias melhores. Como tínhamos o resto do da tarde sem nada para fazer e a chuva parara, demos uma volta em redor do hotel e descobrimos jardins muito simpáticos e inexplicavelmente calmos para uma cidade tão populosa.

No hotel, demos uma volta por dezenas de lojas com mobiliário, objectos em jade, roupa e bebés chineses. Pois é verdade: o White Swan é um dos hotéis onde casais norte-americanos vêm para adoptar bebés chineses, todos do sexo feminino e, por isso, rejeitados pelo respectivos pais, graças à política de um filho por casal; se o primeiro filho for menina, podem ter uma segunda hipótese. Só que, para muitos casais, ter uma menina não é bem aceite e entregam-na para adopção. As bebés ficam ao cuidado de amas que as trazem depois, aqui, ao White Swan, onde os potenciais pais adoptivos vão tomando contacto com elas, até finalmente as poderem levar legalmente para os EUA.

O hotel está cheio de casais americanos, empurrando carrinhos de bebé com chinesinhas lá dentro. Num salão do hotel, deparámos com uma reunião de pais babados e respectivos bebés em vias de adopção. Filmavam tudo em vídeo e ouviam-se risos de felicidade. Parecia uma reunião tupperware.

Que diferença entre esta China e a China de Hong Kong!

O jantar buffet foi satisfatório.

O maior espanto continua a ser os americanos e suas "filhas" chinesas. São às dezenas! Todos muito felizes, cumprimentam toda a gente, exibem os bebés como troféus. É fácil encantarmo-nos pelas bebés chinesas - são lindas! Alguns americanos têm aspecto de serem mais velhos que nós, outros são ainda jovens, todos altos, muitos gordos, mas todos, todos exuberantes na sua felicidade, como se tivessem um brinquedo novo. Daqui a uns anos, estas chinesinhas serão americanas adultas, de pleno direito. Veremos se este fenómeno terá algum impacto na sociedade americana.

Claro que, em redor do hotel já existem lojas destinadas a este negócio: lojas com roupa de bebé, outra em que se fazem desenhos do bebé e dos pais babados...

Insólito...

Quinta, 19 de Maio
Aeroporto de Guanghzou, 6h35 - chove a potes e troveja como o caraças! Será que o avião vai levantar voo com este temporal?

Hoje dormimos depressa. Às 4 da manhã já estávamos a pé.

Através de sms soube, pelo Pedro, da derrota do Sporting, na final da Taça Uefa. Coitados! Arriscam-se a não ganhar nada, esta época, depois de tantas esperanças!

Às 5h20, a Mónica veio buscar-nos. Rolámos pela auto-estrada deserta e meia hora depois estávamos neste aeroporto ultra-moderno, construído há cerca de um ano. O edifício é enorme e estava deserto quando chegámos. Sentámo-nos na sala de embarque 109, sozinhos, a comer o pequeno almoço que o hotel preparou para nós, em duas caixas de cartão, tipo lancheira: iogurte líquido, uma banana e uns bolos mais ou menos intragáveis. De repente, a sala de embarque está inundada de chineses em grande agitação. Parecem pertencer a algum grupo excursionista; trazem bonés vermelhos e são liderados por um rapazito que empunha uma bandeira, também vermelha. Não pára de chover e se o tempo assim continua, não me parece que o voo parta a horas...

Guilin
Quarto 248 do Sheraton, Guilin, 12h30 - afinal, a chuva melhorou e o voo partiu a horas. O avião ia cheio e só nós como representantes do ocidente. O voo foi de uma hora, com alguma turbulência, mas sem grandes sobressaltos. No aeroporto de Guilin, esperava-nos um guia pequenino e magrinho, que se apresentou como Li (vá lá, não disse que se chamava Victor ou Hernandez...). You can call me Li, disse ele, como poderia ter dito you can cal me Al.

Seguimos até à cidade numa carrinha tipo Toyota, de marca Jin Bei, o que dá logo o sinal de que estamos no interior da China e não há lugar para carros de luxo, com ar condicionado.

Tempo muito cinzento, com alguns chuviscos.

Quando o Li começou a falar, tivemos dificuldade em perceber em que língua se exprimia. Mas era inglês que ele falava, embora não se percebesse metade. Percebemos, no entanto, que Guilin ia ser o ponto mais alto da nossa visita à China, na opinião dele, claro. Falou-nos das rochas sedimentares que por aqui abundam e do fundo do oceano, que terá sido aqui há milhões de anos e de como esse facto explica os milhares de montes e picos que rodeiam Guilin. A bordejar a estrada, tílias, que dão o nome à cidade, embora não tenha percebido muito bem se Guilin quer dizer tília - mas deve andar lá perto...

Quando entrámos na cidade deu logo para ver a diferença. É uma cidade relativamente pequena, com apenas 600 mil habitantes, obviamente mais pobre que as anteriores; muitas bicicletas e motoretas e um trânsito caótico. Por aqui, a noção de faixa de rodagem é vaga: os condutores pisam traços contínuos com todo o à vontade, mudam de faixa constantemente, mesmo para a faixa de sentido contrário. Faziam falta várias rotundas, por aqui...

Fizemos o check in no Sheraton e ficámos no quarto 248, mais modesto que os anteriores, mas satisfatório. E partimos logo para a primeira parte da visita da cidade, apesar do cansaço.

Começámos por visitar a Elephant Trunk Hill, que é como quem diz, a Colina da Tromba do Elefante ou, em chinês ocidentalizado, Kiangbi Shan. É uma das muitas colinas de Guilin, mas que tem a particularidade de se assemelhar a um elefante que, com a sua tromba, bebe água do rio Li (Lijiang). A colina está rodeada por um jardim com estátuas de elefantes e, para se ver bem a figura do proboscídeo a beber água, caminha-se até a uma ilhota, à qual se tem acesso por uma pequena ponte decorada com esculturas de elefantes. Nas margens do rio, uma barcaça com dois pássaros pescadores: atalham-lhes uma corda à volta do pescoço para não engolirem o peixe. Curioso.

Em seguida, fomos ver a Colina do Turbilhão, ou Fubo Shan. Com alguma dificuldade consegui perceber que esta colina forma uma espécie de dique, que impede que as águas do rio Li entrem na cidade, em turbilhão. Será assim? Nunca o saberei porque, sempre que faço uma pergunta ao Li, ele fica tão atrapalhado que se limita a sorrir e faz de conta que eu não disse nada...

A Fubo Shan é uma colina alta com uma caverna, cujas paredes pingam água e nas quais existem várias inscrições em caracteres chineses e estátuas budistas. Também curiosa é uma espécie de estalactite monstruosa que parece estar suspensa, ficando apenas a alguns centímetros do solo. Terá havido um guerreiro qualquer, tipo Afonso Henriques de Guilin que, com a sua espada, separou a rocha do chão. Terá sido assim? Nunca o saberei...

Em Fubo Shan havia uma multidão de turistas, quase todos chineses, acompanhados por guias que gritavam para megafones. O barulho era imenso e a confusão também.

Às 11h30 estávamos a almoçar no Hotel Universal. O que comemos? Nunca o saberei... mas estava bom: uma espécie de crepes, arroz, pedaços de porco doce e um pastel com rebentos de soja. Soube que nem ginjas! Em Portugal, não comeria nada disto, de certeza, mas aqui, soube muito bem...

A prova de que o Li (o guia, não o rio) não nos percebe: logo de manhã, expliquei-lhe que não éramos espanhóis, mas sim portugueses. Como o fácies do rapaz não se modificou, achei que ele não tinha percebido e dei-lhe uma pequena lição de gegrafia: aqui está Portugal, um pequeno rectângulo, depois Espanha e o resto da Europa. Ficou calado (surpreendido?). Pelos vistos, parecia não saber sequer da existência de tal país. Virei-me para a Mila e disse: aqui, nem o Figo nos vale! Mais tarde, o rapaz perguntou-me se eu gostava de futebol e disse-me que Figo era o seu jogador preferido! Afinal, em que ficamos?...

Já ontem, em Guaghzou, fomos comprar t-shirts e a menina da loja fez a pergunta sacramental: where are you from? Quando lhe respondemos, fez um trejeito. Explicámos que Portugal fica na Europa, junto a Espanha. O rosto dela não se modificou. Para que raio perguntou?

Diferentes, estes chineses...

19h50 - are you retired?, perguntou-nos o Li. You are so young... 40? Lá lhe explicámos que não senhor, não estamos reformados e que já temos 52 anos, que somos médicos e que estamos de férias. Li ficou maravilhado com o facto de termos um mês de férias. Na China são apenas 7 dias, na semana do 1º de Maio. Coisas do Mao Ze Dung. Queria ver a reacção da CGTP se o Sócrates determinasse apenas 7 dias de férias para ajudar a recuperação económica do país...

Às 3 da tarde, o Li veio buscar-nos e levou-nos a um sítio chamado Caverna da Flauta de Junco (Ludi Yan), uma imensa gruta com estalactites e estalagmites de todas as dimensões e feitios. Os chineses escolheram algumas delas, iluminaram-nas de certa forma, de modo a realçar as suas eventuais semelhanças com animais, plantas, etc... ora aqui está um pai natal, um peixe, um leão, um Buda, um girassol...

A caverna foi descoberta em 1959 pelas autoridades. Parece que os camponeses já a conheciam há muito tempo, mas não queriam revelar o segredo a ninguém. Mais uma vez, estivemos rodeados de turistas asiáticos por todos os lados, que falam muito alto e se riem muito, acompanhados pelos seus guias vociferando para megafones, o que tornou esta visita ainda mais delirante: ali estávamos, dois portugueses, no meio de uma caverna chinesa, com milhares de estalactites com formas fantasmagóricas, atrás de um guia magrinho, que insiste em tentar falar inglês e rodeados por uma multidão de asiáticos aos berros. Interessante...

Seguiu-se a habitual visita comercial e a coisa tornou-se ainda mais surrealista. Fomos a uma fábrica de jóias com pérolas. Uma menina introduziu-nos numa sala, sentámo-nos e assistimos a um vídeo sobre a criação de pérolas nos mares do sul da China. Em seguida, levaram-nos para outra sala e, só para nós, uma dúzia de jovens desfilaram na passarele, mostrando diversos tipos de colares, brincos, pendentes e pulseiras com pérolas. Sentimo-nos ridículos: ali os dois, sozinhos, a assistir a uma passagem de modelos, na China profunda!

Enfim, a Mila até estava com vontade de comprar um colar de pérolas, escolheu um e comprou. Todos ficaram satisfeitos...

Regressámos ao hotel e tivemos uma hora sem guia. O Li não nos larga. Percebemos que é assim que funciona, aqui, em Guilin. Passámos essa hora a passear ao longo do rio Li, mesmo em frente ao hotel e reparámos em diversos grupos de ocidentais, todos com o seu guia.

Curiosidades: um jardim com aparelhos para os cidadãos fazerem exercício; malta a nadar no rio e usando uma das margens como se fosse uma praia; e o trânsito! É caótico, mas flui! Faz lembrar o Egipto ou a Ìndia, mas sem as imprecações e com muito menos buzinadelas. Estes tipos parecem ser muito dóceis e quase são atropelados sem uma queixa...

Às 6 da tarde, o Li veio-nos buscar para o jantar. Pelos vistos, em Guilin, o almoço é às 11h30 e o jantar, às 18h30 e pronto. Jantámos no restaurante de outro hotel e também gostámos da comida.

Apesar do caos do trânsito, Guilin é uma cidade muito mais calma do que Hong Kong ou Guanghzou. A arquitectura, pelo contrário, é mais feia; os prédios são todos do mesmo tipo, sem graça nenhuma, fazendo lembrar alguns subúrbios de Lisboa. Vale-lhe o rio Li e as suas margens, com jardins e, sempre ao fundo, os tais picos, em vagas sucessivas.

Sexta, 20 de Maio
A bordo do Sunlight, rio Li, 11h35 - mais uma coisa inesquecível: descer o rio Li, na China. Fica nas nossas memórias, como outros momentos inesquecíveis das nossas viagens: Machu Pichu, as pirâmides, o Grand Canyon... Trata-se, de facto, de um local único. O barco desce o rio e, ao longo de 60 km, as margens são feitas de milhares de picos e montes, que se sucedem, a perder de vista. É impossível deixar de olhar para a direita e para a esquerda, porque todos parecem diferentes: aqui, dois picos parecem formar o dorso de um camelo, acolá, mais três ou quatro e, atrás deles, mais uns quantos, com a neblina a deixar entrever outros picos atrás deles. O céu cinzento e a neblina fazem com que o panorama se torne ainda mais misterioso. Ninguém conseguiria inventar um cenário mais insólito, a não ser, talvez, George Lucas e os cenários das suas Guerras das Estrelas.

Claro que os chineses, também aqui, arranjaram semelhanças e dizem que aquele pico parece um lápis, outro parece uma maçã, na encosta de um outro, poderás descobrir nove cavalos, se fores boa pessoa e o Li até descortinou uma Virgem Maria num outro pico. Mas não são necessárias semelhanças. Isto é lindo assim mesmo, sem nenhum significado especial. Tirámos cerca de 60 fotos e nem a chuva nos demoveu. Feitos parvos, não trouxemos as gabardinas, optando pelos chapéus de chuva, que não dão jeito nenhum.

Às 8h, o Li foi-nos buscar ao hotel e demorámos cerca de 30 minutos a chegar ao porto, através de uma auto-estrada construída há cerca de um ano e que tem a particularidade de ser atravessada pela linha férrea. São três faixas para cada lado, com um separador que é um jardim com quilómetros de comprimento.

No porto, sete barcos alinhados, ao lado uns dos outros, como no Nilo.

O barco tem três pisos, dois cobertos e o terceiro, a céu aberto. Fomos os primeiros a chegar e ficámos no 2º piso, com um varandim de onde admirámos a paisagem. Às 10h30 já estavam a servir o almoço, que foi partilhado com o casal que ficou sentado à nossa frente, dois alemães sessentões muito simpáticos.

Agora, estamos a chegar a Yangshuo, o fim desta viagem fantástica.

Quarto do Sheraton, 16h30 – assim que chegámos a Yangshuo, fomos atrás do Li, percorrendo uma rua cheia de vendedores ambulantes, ignorando os seus chamamentos e respectivas ofertas de postcalds e os mais diversos souveniles, até chegarmos a uma esquina onde nos aguardava um carrinho eléctrico, daqueles que são usados nos campos de golf. E foi nesse carrinho que passámos as duas horas seguintes numa visita muito interessante. Atravessámos arrozais a perder de vista e campos cultivados com abóboras, laranjeiras, milho, feijão verde, sempre com os picos e montes no horizonte. Vimos búfalos resfolegando nos charcos e puxando o arado, camponeses com os típicos chapéus circulares cuidando do arroz – enfim, tivemos um cheirinho da China rural, em contraste com o resto da viagem, mais virada para a paisagem urbana.

Ao longo do trajecto, fomos parando em locais estratégicos, onde se podem fazer fotos únicas. O alcatrão termina, começa uma estrada de terra batida e, pouco depois, chegamos a uma aldeia. Por momentos, parece estarmos em Santiago de Cassurrães, não fossem os caracteres chineses sobre fundo vermelho à porta de todas as casas, para afugentar os espíritos malignos. Fomos visitar a casa de um camponês: um sala com pouca mobília, um sofá, algumas cadeiras e, bem no centro, uma mesa com a televisão e o leitor de dvd! Recebeu-nos uma velhota curvada pela escoliose, que terá dito ter 80 anos; no sofá, três chinesinhos, seus netos. Um tipo sente-se um pouco constrangido nestas circunstâncias, mas tem que aceitar que tudo isto faz parte da economia paralela e que não deixa de ser curioso ver como vivem os chineses nas aldeias, embora, ao mesmo tempo, possa parecer imperialista visitar os camponeses chineses como se fossem outro fenómeno da natureza, como o rio Li.

Enfim, a velhinha era muito simpática, os putos, muito giros e eu pedi licença para os fotografar. Claro que disseram que sim e sorriram para a câmara. O nosso guia deu um molho de notas pequenas à velhota, a Mila deu umas bolachas aos miúdos e continuámos o nosso caminho pela aldeia, vendo uma tília centenária, mais um charco com patos, uma lixeira, mais campos de arroz.

E regressámos a Yangshuo. Pelo caminho, ainda parámos junto a um afluente do Li e vimos, ao longe, a montanha da Lua.

De regresso a Guilin, fomos a um museu de pintura tradicional chinesa e aconteceu mais um momento único: fomos introduzidos numa sala, onde um senhor de ar grave nos explicou, num inglês perceptível, as várias técnicas da pintura com tinta da China: o papel de arroz, que não permite esboços, os pincéis de diversas espessuras, a perspectiva dada pela tinta mais ou menos aguada, a caligrafia do pintor, a frase poética, que faz parte da obra, bem como o carimbo personalizado. O professor Duan Guanzhi, um velhote simpático (73 anos, disseram-nos depois) foi fazendo uma demonstração das técnicas à medida que o outro falava e desenhou um bambu. Fomos depois convidados a escrever os nossos nomes para que outro artista os gravasse num carimbo, a troco de 80 yuans. Escolhemos Mila-Artur, que uma menina transcreveu para caracteres chineses – e sabemos que está certo porque uma outra chinesa, que não sabia os nosso nomes, foi capaz de os ler, depois do carimbo feito. A visita ao museu consistiu em passar pelas três salas para ver diversas pinturas, a ver se queríamos comprar alguma. Que fazer? Comprámos uma cena do rio Li, pintada pelo tal professor, por 800 yuans e ele, como prémio, vendeu a pequena pintura que tinha realizado como demonstração, por 200 yuans. Assim apoiámos a pintura tradicional chinesa – ou a economia paralela? Por exemplo, o nosso passeio pelos arredores de Yangshuo custou-nos 500 yuans e é impossível saber quanto é que foi parar ao bolso do guia, do motorista, da velhota da aldeia...

Agora, estamos a fazer um pequeno intervalo neste longo dia e preparamo-nos para a primeira massagem de pés da nossa vida!

21h – quem nunca fez uma massagem de pés na China, não sabe o que é bom! Foi o que fizemos hoje, aceitando a sugestão do Li, que esteve por nossa conta mais de 12 horas e declinou a minha proposta de ir para casa, para junto da namorada. You are my responsability, disse ele, naquele inglês que só se percebe à segunda.

Veio-nos buscar às 17h30 e levou-nos a jantar no Guilin Plaza. Comida saborosa, como tem sido hábito: legumes verdes, arroz frito, porco com legumes, uma espécie de pão para embeber num molho doce e fruta (desta vez, não houve sopa).

Já com a barriga cheia, rumámos ao salão de massagens. Reclinámo-nos em cadeirões, com os pés apoiados em tamboretes. Veio uma menina para mim e um menino para a Mila. E na hora que se seguiu, fomos às nuvens. Massagem dos pés e pernas, com alguns pontos bem dolorosos e, depois, os ombros e a coluna. Um espectáculo! Ás tantas, o som das pancadas ritmadas que os massagistas nos dão, parecem aplausos. E aplausos merecem estes dois jovens que nos deram uma hora de prazer, apenas com as mãos, por 200 yuans.

Saímos da massagem como se não tivéssemos pés, como se andássemos sobre algodão e fomos fazer um pequeno passeio, sempre acompanhados pelo pobre do Li, três passos atrás de nós, como se fosse um guarda-costas, embora não tenha físico para isso (se calhar, é perito em kung fu...)

Entrámos numa casa para comprar chá verde. A Mila tem bebido chá verde a todas as refeições e ficou fã. O dono da loja era frenético e convidou-nos a sentarmo-nos para provarmos o seu chá. Uma menina preparou três chávenas; nós bebemos, o dono da loja também. Se calhar, é por isso que o homem é tão frenético: deve chegar ao fim do dia com centenas de chávenas de chá no bucho. Comprámos duas chávenas de chá verde, cerca de 300 gramas, por 300 yuans. Nada barato, mas o chá parece ser mesmo bom, com um travo doce, sem precisar de açúcar.

Na praça central de Guilin, passeámos um pouco por uma feira ao ar livre. Nada de interessante. No entanto, se não fosse o Li, se calhar, tínhamos andado mais um pouco. Mas enfim, tivemos pena do rapaz, há mais de 12 horas connosco, e regressámos ao hotel.

Falo agora do trânsito. Há uma hierarquia que tem que ser respeitada: camião, carrinha, carro, motorizada, bicicleta e peão. O desgraçado do peão, ficando no fim da hierarquia, é o elo mais fraco e tem que ceder prioridade a todos os outros. Vemos pessoas, mesmo com carrinhos de bebé, a tentar atravessar nas passadeiras e ninguém pára! O peão tem que se esgueirar por entre os carros, esquivar-se às bicicletas, ter cuidado com as motas e, com sorte, chega ao outro lado da rua sem ser esmagado por uma carrinha ou um camião! Por sua vez, os veículos (todos!) mudam de direcção sempre que lhes apetece, entrando na faixa contrária. A safa é que todos circulam devagar e a coisa resulta. Todos fluem, veículos e pessoas, sem grandes zangas nem buzinadelas.

Já a Mónica, em Guanghzuo, nos tinha falado da política de planeamento familiar do governo chinês, depois de nos ter perguntado quantos filhos tínhamos. Também o Li nos fez a mesma pergunta; depois, explicou-nos a política de planeamento familiar: um casal de chineses só tem direito a um filho; um casal pertencente às minorias, pode ter dois filhos – a quantos filhos terá direito um casal misto? Respondi: um filho e meio. A verdade é que, se o casal for misto, um membro da maioria e um membro de uma das onze minorias étnicas, e se o seu primeiro filho for uma menina, terá direito a uma segunda oportunidade, quatro anos depois. E acabou-se.

Mais uma curiosidade: os andaimes dos prédios em construção são feitos em bambu e são montados, pelos operários, pendurados, sem qualquer protecção. É curioso ver os prédios a erguerem-se dentro de verdadeiras gaiolas de bambu.

Sábado, 21 de Maio
A bordo do voo 7216, Guilin-Beijing, 13h20 – mais vale ser surdo-mudo do que falar inglês. Acabaram de transmitir as normas de segurança para o voo; pelos altifalantes, uma menina falou em chinês; nos pequenos monitores, surge a informação em chinês e inglês, mas esta está tapada pela imagem de uma menina a fazer linguagem gestual.

O Li foi-nos buscar ao hotel às 10h. Já tínhamos tomado duche, arrumado as malas e engolido o pequeno almoço. Dissemos-lhe que não queríamos almoçar – quem conseguiria almoçar às 10h30, antes do voo para Beijing?

Levou-nos até ao aeroporto através de mais uma auto-estrada recente, bordejada por um imenso jardim. Foi o último olhar a Guilin, aos montes e picos a perder de vista. Trocámos moradas de mail e despedimo-nos. Faltavam duas horas para o voo. No aeroporto, decidimos comer uma sandes de fiambre e um café. Pagámos quase 4 contos, a sandes era intragável e tivemos que esperar meia hora pelo fiambre, que ninguém parecia saber onde estava.

Nos monitores do aeroporto, às tantas, as informações sobre os voos deram lugar a uma telenovela chinesa e nunca mais soubemos nada sobre o voo para Beijing.

Já sentadinhos no avião, a Mila continuava céptica: será este o avião certo? Não iremos parar a outro sítio?

Ainda no avião para Beijing, 16h35 – a Mila bem tinha razão em estar com dúvidas em relação a este voo. Só arrancámos às 16h30, isto é, 3h30 depois do previsto.

E como este é um voo doméstico e nós somos selvagens, ficámos sem saber ao certo o que se passou.

Cerca das 13h30, escutou-se um aviso em chinês nos altifalantes do avião e ergueu-se um burburinho entre os passageiros, que são quase todos chineses (penso que, ocidentais, devemos ser uma dezena, no máximo). Alguns começaram a levantar-se e a tirar as malas das bagageiras. Aguardámos por alguma informação em inglês, mas nada. Ainda perguntei a uma hospedeira what's the problem, mas a delicada chinesa manteve o eterno sorriso e ignorou-me olimpicamente. A certa altura, os chineses começaram a sair do avião e nós fomos atrás deles. Uma hospedeira acabou por nos dizer que tínhamos que esperar na sala de embarque porque a torre de controlo não tinha dado autorização para a descolagem.

E voltámos à sala de embarque, onde ficámos quase 3 horas. Serviram-nos uma refeição quase incomestível e só regressámos ao avião por volta das 16h. Então, o comandante lá conseguiu articular algo em inglês: que saíamos atrasados porque o avião tinha ficado a aguardar correio. Deve ser correio especial, para o 1º ministro chinês. Será que o gajo não tem mail?

Deste modo, só vamos chegar a Beijing lá para as 19h e o dia de hoje é perdido.

Beijing
Quarto 928, Peninsula Palace Hotel, Beijing, 22h30 – duas horas e meia de voo com alguma turbulência e aterrámos em Beijing às 19h. Muito tempo à espera das malas e quando finalmente saímos, não havia ninguém à nossa espera. Aparentemente. Comecei a ligar o número do representante local quando apareceu mais uma chinesinha simpática, que disse chamar-se Carolina, o nome que escolheu de uma lista que a sua professora de espanhol lhe mostrou. E seguimos para o hotel.

O hotel é de um luxo obsceno e o quarto que nos foi destinado é um insulto aos milhões de chineses que vivem nos tais apartamentos de 30 metros quadrados. É uma suite enorme, com um escritório equipado com fax, plasma enorme em frente às camas e lcd na casa de banho!

O jantar foi no Jing, aqui no hotel e foi excelente: uma entrada de salmão tártaro, um prato de peito de frango com especiarias e café.

Enfim, uma compensação para o dia chato que passámos.

Domingo, 22 de Maio
Jardim Yuanming, 16h20 - os chineses ainda têm que aprender em matéria de entreter o turista. Hoje, às 15h30, tínhamos o nosso programa terminado, estávamos perto do restaurante onde devemos jantar e a vários quilómetros do hotel. Resultado: viemos para este jardim, fazer tempo para o jantar que, mesmo assim, será às 17h30, com sorte! Claro que bastava ter arranjado um restaurante perto do hotel ou ter esticado mais o programa. Enfim, com o tempo, hão-de aprender.

Às 9h, a Carolina foi-nos buscar e partimos para a visita da Cidade Proibida (Gugong Bowugan). Foi aqui que, durante 500 anos, viveram os imperadores chineses e a sua complicada corte, de imperatrizes, conselheiros, concubinas e pessoal geral. O complexo começou a ser construído pelo imperador Yongle, em 1407. o conjunto de palácios e restantes edifícios é, de facto, único e podemos admirar os tectos pintados, as estátuas de leões e tartarugas e dragões, os grandes portões com nomes como Eterna Felicidade ou Tranquilidade Incomparável ou Descanso benevolente, ou coisa que o valha, as inúmeras pontes. A sequência dos portões e palácios vem nos livros (Porta do Meio-dia, Palácio da Harmonia Suprema, Palácio da harmonia Preservada, Palácio da Pureza Celeste, Palácio da União, Palácio da Tranquilidade Terrestre...). O que interessa é que a Cidade Proibida não se parece com nada que eu tenha visto antes.

Terminámos a visita por volta das 10h30 e levaram-nos à Praça Tiananmen (da Paz Celestial), onde caminhámos cerca de uma hora. Imponente, de facto. Ao centro, um obelisco é o Monumento aos Heróis do Povo (Renmin Yingxiong Jinianbei); num dos topos, a tribuna de onde o Presidente Mao proclamou a República Popular da China; no outro topo, o mausoléu onde está o corpo embalsamado de Mao; num dos lados, a Assembleia do Povo (não se pode lá entrar, disse a Carolina; isto é: no Palácio do Povo, o povo fica cá fora...); no outro lado, o Museu Nacional.

A Praça da Paz Celestial é a maior praça do mundo e, de facto, um tipo sente-se esmagado pela imponência da coisa. Imagino como se sentirá aqui um tipo que sofra de agarofobia...

Uma multidão de chineses deambulava pela Praça, tirando fotos com a tribuna do Mao ao fundo. Fizemos o mesmo, claro. A tribuna é, talvez, o monumento mais emblemático, com a grande foto de Mao, ao centro, e os caracteres chineses que dizem, de um lado, "longa vida à república Popular da China" e, do outro, "longa vida á união dos povos do mundo" (mas a tradução pode não ser bem esta, porque já encontrei versões diferentes...). O mausoléu do Mao tinha uma fila enorme de gente que queria entrar. À frente, dois conjuntos esculturais, mostrando uma fila de trabalhadores em marcha revolucionária e que serviu de inspiração a muitos cartazes do MRPP.

No meio da Praça, fomos atacados por vendedores e, como demos trela ao primeiro, fomos assaltados por uma manda deles. Comprámos uma versão do famoso livro vermelho com citações de Mao, por 150 yuans e que, mais à frente, outro vendedor vendia por 50! Comprámos ainda um livro sobre a Cidade Proibida, mas aí regateámos: pediram 200 yuans, oferecemos 100, ficou por 140. logo a seguir, o mesmo tipo propôs-nos dois livros por 200! É o costume, nem vale a pena ficar chateado!...

E fomos almoçar. O restaurante fica no 4º piso de um edifício anexo ao do Museu Nacional. No piso térreo, tudo degradado. Lá em cima, um restaurante imenso, decorado com grandes jarrões, cadeirões, armários - tudo à venda. Comemos bem, como tem sido habitual: sopa, cogumelos fritos, vaca com molho de ostra, legumes e um prato de galinha agri-doce, de que não gostámos.

Depois do almoço, atravessámos a cidade para ir até ao Palácio de Verão (Yeheyuan). Beijing é uma cidade imensa, com 13 milhões de habitantes. Percorremos avenidas largas, com seis faixas de cada lado, com edifícios imponentes e um trânsito intenso, embora mais ordenado que em Guanghzou ou Guilin.

Antes do Palácio de Verão, ainda tínhamos que visitar uma pequena fábrica de seda. Foi interessante ver as bordadeiras, que fazem verdadeiras pinturas em pontos de seda; e também o modo como os casulos dos bichos de seda se transformam em finíssimos fios. Noutro local, uma operária molha os casulos em água e estica-os, com a ajuda de uma peça de metal em forma de semi-elipse; mais à frente, quatro operárias esticam ainda mais os casulos e colocam-nos em camadas, até formar um edredon. Vinha mesmo a calhar: comprámos um! E ainda comprámos uma jaqueta para a Mila, um pijama para o nosso neto e um pequeno quadro, bordado a seda, representando papagaios de papel.

E fomos então visitar o Palácio de Verão. A Carolina contou-nos a história toda do palácio, misturada com o argumento do Último Imperador, do Bertolucci. Foi a imperatriz Nihulu que o mandou construir em 1751 e os números são impressionantes: 290 hectares, 3 mil edifícios, 420 mil árvores. Como todos os jardins chineses, aqui estão os cinco elementos fundamentais: a água (o imenso lago Kunming, com 220 hectares), a terra, as árvores, as pedras decorativas e as construções (corredores cobertos, pavilhões, pagodes). Um dos corredores impressiona: 720 metros cobertos, com todos os tectos e colunas pintados (cerca de 10 mil pinturas diferentes) e 4 pagodes, um por cada estação do ano. O jardim pulula de gente e era uma aventura conseguir boas fotos no meio do maralhal. Numa das margens do lago, um imenso barco de mármore.

E foi quando a Carolina descobriu que era ainda muito cedo para jantarmos...

E cá estamos, às 17h05, sentados noutro imenso restaurante, preparados para jantar... claro que somos os únicos. Não está cá mais ninguém, a não ser os empregados, que preparam as mesas...

Quarto do hotel, 23h - afinal, a comida chinesa prega-nos partidas destas: jantámos às 5h30 da tarde e jantámos bem! E 10 minutos depois de começarmos, começaram a chegar os outros clientes e, quando saímos, por volta das 6h15, estavam a chegar hordas de turistas. Não há dúvida que este é o horário dos chineses...

Demorámos quase uma hora a regressar ao hotel. Despedimo-nos da guia e fomos andar. Percorremos uma rua pedonal (Wangfujing Dajie), cheia de gente e de lojas. Algumas delas, semelhantes aos bazares chineses de Portugal, deviam estar a saldar tudo porque havia multidões lá dentro e faziam filas, cá fora. Noutra loja, dezenas de chinesas escolhiam bijuteria de um monte imenso. Até eu comprei quatro t-shirts por menos de 2 contos!

Caminhando rua fora e reparando no ar sorridente da malta toda, não me parece que eles estejam muito preocupados por viverem em ditadura. Se não fossem os caracteres chineses nos anúncios, poderíamos que estávamos numa rua de uma grande capital europeia: pares de namorados, namorando, famílias inteiras passeando, rianças a comer gelados, música a sair dos altifalantes colocados à porta das lojas, um McDonald's aqui, um KFC acolá...

Claro que, virando à direita, para uma rua estreita, entramos no mundo dos pequenos restaurantes chineses e os aromas que se cruzam no ar não deixam dúvidas: estamos na China. Mais à frente, no varandim de um restaurante, uma representação tipo ópera de Pequim, para atrair clientes. Comidas estranhas nas montras, uma multidão de um lado para o outro, tudo muito frenético.

Uma das peculiaridades mais irritantes dos chineses é o facto de continuarem a cuspir para o chão. Aqui, em Beijing, que deveria dar o exemplo porque é a capital, não parece haver nenhuma campanha contra a cuspidela, como vimos noutras cidades. Então, é vê-los cuspir em tudo o que é sítio. O nosso motorista, hoje, até aproveitou um sinal vermelho para abrir a portado carro e cuspir no chão. Por que será? Será que os chineses produzem mais saliva que os ocidentais? Os caixotes do lixo, na rua, têm um recipiente para cinzeiro, a que foi retirado o fundo, para que as cuspidelas possam escorregar para o lixo, caso contrário, aquilo estaria cheio de beatas a sobrenadar no cuspo de milhares de chineses.

Outra peculiaridade, mais engraçada: os bebés usam calças sem fundilhos e andam com o rabiosque à mostra. Poupa-se em fraldas...

Por volta das 20h30 comprámos um gelado (um euro cada um) e regressámos ao hotel, devagarinho, para fazer tempo. O pedómetro marcava 26 km!

Segunda, 23 de Maio
Quarto do hotel - às 5 da manhã (10 da noite, em Portugal), fomos acordados por uma chuva de mensagens de telemóvel.

O Sousa, lacónico: "somos campeões".
A Marta, formal: "parabéns pelo feito".
O Pedro, eufórico: "o Benfica é campeão, caraças! O Sporting perdeu 4-2! Viva o glorioso! É a loucura total! Eu sei que são 5 da manhã, mas é o Benfica!"
O Jorge (ou a Inês?): "SLB, glorioso, SLB! Benfica campeão!"

Onze anos depois, o Benfica volta a ser campeão - e eu na China!

E eu muito bem na China!

Depois da confusão das mensagens, voltámos para a cama e dormimos até às 7h30, tomámos o pequeno almoço e, às 9h, a Carolina, aliás, Pam, veio-nos buscar e partimos para a vista à Grande Muralha, que fica a cerca de 70 km a norte de Beijing. Cerca de 1 hora depois já estávamos no sector de Badaling, que é o mais visitado.

A Grande Muralha (Changcheng) é mesmo grande, como imaginávamos. Estende-se por mais de 5 mil km e acompanha todo o recorte dos montes e vales. Um trabalho ciclópico! Paciência de chinês! Imagino quanto não terão morrido para se construir esta barreira à invasão dos inimigos do império. Caminhámos ao longo da muralha, para um lado e para outro, cerca de 4 km. E garanto que não é fácil porque, em alguns pontos, a muralha sobe quase a pique e, no topo, uma atalaia. A descida é tão complicada como a subida. As pernas começam a protestar. Claro que tirámos mais uma série de fotos. A construção estende-se a perder de vista e vai acompanhando o relevo do terreno montanhoso. Uma multidão de turistas, muitos deles chineses, ia e vinha, ao longo da muralha. E mais uma landmark do mundo faz parte da nossa pequena história privada!

Antes da visita à muralha, fomos a uma fábrica de objectos em jade. Mais uma das visitas obrigatórias para os turistas, destinadas a caçar notas. Mostraram-nos alguns passos da transformação da pedra e toca para a loja, que isso é que é importante. Comprámos uma pulseira de jade, para a Marta e mais umas pulseiritas para distribuir pelas miúdas da família. No fim da visita, fui á casa de banho e apanhei um chinês a cagar de cócoras, com a porta aberta!

Depois da Grande Muralha, fomos almoçar um restaurante monstruoso, a caminho dos túmulos dos imperadores. O restaurante ficava num pavilhão enorme, antecedido por uma loja cheia de bri-a-brac. Almoço competente. Ao nosso lado, duas italianas ainda jovens, olhavam para a comida, enjoadas - até filmaram a sopa, que tinha bofe lá dentro. Comemos disso ontem e estamos vivos! As pequenas nunca deviam ter ido a um restaurante chinês, da maneira como examinavam e cheiravam as algas, miravam e remiravam os cogumelos. Que fazem estas duas na China?

E fomos para os túmulos dos imperadores. São 13 túmulos dos imperadores da dinastia Ming, mas só visitámos o do imperador Ding. Todos foram escavados na terra, num local com um bom fen shuei: uma montanha à direita (o tigre), outra à esquerda (o dragão), como se estivessem a guardar o local, e um grande reservatório de água. Se há montanhas e água, o fen shuei é bom...

Descemos 150 degraus para chegar ao palácio subterrâneo, constituído por uma série de salas enormes. Numa delas, o grande túmulo do imperador, ladeado pelos túmulos das duas imperatrizes. De resto, os tronos e pouco mais. Cá em cima, duas salas exibem alguns dos objectos encontrados nos túmulos: moedas, sedas, objectos em jade. É curioso, mas não é nada de espectacular, sobretudo para quem vinha da Grande Muralha.

E regressámos a Beijing, para o jantar, que foi no restaurante Fang Ze Xuan, no Palácio da Terra.

Mas antes, passeámos por uma enorme feira ao ar livre, daquelas para autóctones, onde não vimos nenhum ocidental. Comprámos 15 pares de pauzinhos por um euro! Nas inúmeras bancas, tudo e mais alguma coisa, de roupas a peixes e flores, mas virado para o mercado interno. Passeámos ainda por um parque anexo, com chineses a pescar num lago com uma espécie de viveiro de peixes, avós a passear os netos, de cu à mostra, namorados e uma grande tranquilidade.

O jantar foi, talvez, o mais fraco de todos, até agora, mas aceitável.

Agora, no hotel, são 20 horas e estou a ver o Benfica a ser campeão, na RTP-i.

23h20 - o pedómetro, hoje, marcou cerca de 25 km!

Depois de vermos as notícias do futebol, saímos para mais uma caminhada pela rua pedonal. Na feira, comprei um mapa de Beijing que não me serve para nada porque está todo em mandarim!

Os caracteres chineses são, de facto, um mistério. Para além do significado fonético, têm uma beleza gráfica própria e, muito deles, têm significado simbólico, também. Por exemplo, há um caracter que está por todo o lado: é composto por dois conjuntos gráficos, simétricos e significa dupla felicidade. Onde quer que ele esteja, os chineses passam a mão sobre ele duas vezes - assim obterão dupla felicidade.

Ver os chineses a escrever é um espectáculo único. Se nós, com apenas 26 letras, escrevemos coisas que, mais tarde, não somos capazes de decifrar, como se passará com eles, que têm não sei quantos caracteres (2 mil, diz-se...)?

Nas lojas, por exemplo, por cada compra, dão-nos uma factura em triplicado, em papel de arroz, tão fino que tememos que se desintegre a caminho da caixa. Na factura, dezenas de caracteres que a vendedora desenhou a uma velocidade incompreensível. Depois, a caixeira carimba os três papéis, escreve mais uns rabiscos e a venda está consumada.

Tudo é novo e estranho, no mundo dos caracteres chineses: o horário dos autocarros, os letreiros de néon de marcas que conhecemos bem, os sinais nas estradas. E, já que falo de estradas, registo que os habitantes da capital do Império de Mao ainda não usam cinto de segurança, nem nas auto-estradas! Aliás, o comportamento dos automobilistas na auto-estrada é tão anti-regras como na cidade. Podem decidir ir a 60 km/h na faixa da esquerda, ou então, mudam de faixa constantemente, ultrapassando pela direita, ou mesmo pela berma!

Ora bem, descemos então a tal rua pedonal, comprei duas camisas bem giras por cerca de 8 contos, virámos à direita e caminhámos até à Praça Tiananmen, passando pelo monstruoso Hotel Beijing, o primeiro hotel da cidade, propriedade do Estado e que consiste e vários edifícios, que ocupam todo um quarteirão.

A Praça Tiananmen, á noite, é um mar de gente, sobretudo junto à fotografia gigante de Mao. Todos querem tiar uma foto com o camarada Mao em fundo. Mas às 21h30, o camarada Mao vai fazer ó-ó. Os guardas vermelhos (que, por acaso, são verdes, nas fardas), fecham as portas que dão acesso à tribuna e o pessoal dispersa.

Terça, 24 de Maio
Aeroporto de Beijing, 9h - acordámos às 6 da manhã e ás 7 e picos estávamos a caminho do aeroporto, com a Pam e o motorista que, para nós, apenas disse hello, embora falasse muito com a miúda, num tom voz monocórdico e nasalado. Demorámos cerca de uma hora a chegar ao aeroporto, por entre o tráfego da hora de ponta. Beijing tem cada vez mais carros particulares e todos de gama média-alta. Acho que não vi nenhum carro utilitário. Muitos Audis e BMW, muitos carro japoneses e coreanos (andámos num Hyundai), muitos VW Passat, Jeta e Santana!

Imensos blocos de vidro, com 40 pisos e mais, estão a ser construídos por todo o lado. A cidade está em permanente crescimento.

No aeroporto, apercebemo-nos que tínhamos chegado demasiado cedo. O nosso voo é só às 10h30 e o avião parte de outro terminal.

Despedimo-nos da Pam, mais uma simpática guia chinesa, que nos acompanhou nestes dias, em Beijing.

Voo Beijing-Xi'an, 11h20 - em qualquer refeição chinesa, seja no mais chique restaurante de hotel, ou no restaurante mais modesto, ou mesmo no avião, o palito está sempre presente. Podes não ter guardanapo para limpar os beiços, como nesta refeição de catering que acabámos de comer, mas tens o palito para retirar os restos de comida chinesa, que é muito fibrosa, de entre os dentes. Depois, se fores chinês e te estiveres borrifando para os costumes ocidentais, cospes esses restos para o chão...

O voo partiu a horas e dentro de 30 minutos devemos estar em Xi'an. O tempo passou depressa, com a a juda da narrativa brilhante do Paul Auster e da sua Música do Acaso.

Xi'an
Quarto 810 do Shangri-La Golden Flower, 16h15 - o voo foi tranquilo, sem turbulência e chegámos a Xi'an por volta das 12h30. À nossa espera, mais uma chinesinha pequenina e magrinha, que disse chamar-se Ângela.

E lá fomos nós por mais uma interminável auto-estrada, a caminho de mais uma cidade chinesa. Pelo caminho, ainda tivemos a oportunidade de ver um chinês, com o carro parado na berma da auto-estrada, a verter águas.

A guia foi transmitindo informações sobre Xi'an, em castelhano, como esta é uma das cidades mais antigas da China, que tem 6 milhões de habitantes, que está em completa renovação, que tem muita importância económica para o país, que era aqui o início da chamada rota da seda, etc. Levou-nos ao Bell Tower Hotel, onde almoçámos. Tempo quente e seco e uma neblina no ar, que a guia afirmou não ser poluição, mas pó da meseta onde Xi'an está situada.

O hotel onde almoçámos fica dentro das muralhas que rodeiam a cidade, junto á torre do sino. Era aqui que, de manhã, o sino tocava para assinalar a descida da ponte levadiça que dava acesso à cidade. Mais à frente, fica a torre do tambor, o qual soava ao fim da tarde, quando a ponte era novamente içada, fechando a entrada na cidade.

A muralha está muito bem conservada, parece ter sido construída há pouco tempo e, no entanto, é mais antiga que Cristo. Fomos visitar a muralha depois do almoço, subindo ao alto de uma das quatro portas, uma em cada ponto cardeal. Subimos a uma das atalaias, de onde se pode ver uma boa parte da cidade. A muralha forma um quadrado, tem 14 metros de largura e atalaias com intervalos de 120 metros, já que o alcance de uma seta era de 60 metros. Os chineses sabiam proteger-se das invasões - agora, são eles que nos invadem a nós...

A guia levou-nos, então, para o Sheraton, por engano e, depois, atravessámos a cidade toda para virmos para o Shangri-la.

18h15 - O Shangri-la fica mesmo muito longe das muralhas da cidade, portanto, decidimos dar um pequeno passeio em redor do hotel. Foi um banho de cor local: lojas pequenas, de comércio local, vendas de bicicletas, tipos a jogar cartas e algo semelhante a majong, chineses sentados nos tornozelos, a fumar. E milhares de carros, autocarros, bicicletas, com e sem atrelados, algumas carregadas até acima, famílias inteiras nos atrelados. Numa esquina, tirámos várias fotos à bagunça. Uma criança atravessa não sei quantas faixas de rodagem, um ciclista faz-lhe uma razia por trás, outro pela frente. Um casal sentado nos tornozelos fala ao telemóvel. Um avô sorridente, com a neta ao colo, linda. Noutra rua, lojas com manequins alinhados, centenas de manequins dos anos 60. inúmeras biciletas alinhadas em parques. Chineses com esparguete em sacos plásticos transparentes. Uma azáfama sem parar...

Quarta, 25 de Maio
Quarto do Shangri-la, 16h - depois de uma excelente noite de sono (foram quase 9 horas), e do pequeno almoço, partimos com a Ângela, em direcção ao Museu dos Guerreiros de Terracota, que fica a cerca de 80 km de Xi'an.

O sítio arqueológico só foi descoberto em 1974 e é constituído por mais de 8 mil figuras de guerreiros e cavalos, em terracota, fazendo parte do Palácio funerário de Qin Shi Huangdi, o 1º imperador da China unificada, fundador do sistema feudal e que terá começado a construir esta enormidade, cerca de 200 anos antes de Cristo vir à terra. De acordo com os princípios do fen shuei (que quer dizer vento e água), o imperador decidiu construir o seu túmulo entre uma montanha (Li) e um rio (Tung). Fazendo parte do complexo funerário, mandou escavar várias fossas e encheu-as com guerreiros em tamanho natural, feitos em terracota, e que são todos diferentes. Nos melhor conservados, podem ver-se sapatilhas com atilhos, a sola das sapatilhas, as meias, as armaduras, a perfeição dos rostos, os cabelos com diversos penteados complexos - um realismo extraordinário.

Ne primeira secção, que é a maior, podemos ver cerca de 6 mil figuras, muitas delas já completamente reconstruídas - o que deve ter sido um trabalho que a Mila gostaria de ter feito, porque tudo isto estava feito em cacos. Os camponeses de então, assim que souberam que o imperador tinha morrido, revoltaram-se e queimaram isto tudo; depois, com os anos, o peso das terras fez o resto: os tectos das fossas, que eram de colmo e madeira, cederam, e esmigalharam as figuras. Não admira que os camponeses se tenham revoltado: muitos deles devem ter sofrido a construir esta loucura. Além disso, diz-se que o imperador vigiava os trabalhos de perto e, se não gostava de uma determinada figura de terracota, degolava o respectivo artista. Era um gajo porreiro, esta Qin que, no fundo, era um coleccionista. Se fosse vivo, hoje em dia, seria um doido por Lego e comboios Markling.

Os chineses dizem que esta é a 8ª maravilha do mundo, palavras usadas por Jacques Chirac, quando visitou este sítio. Não sei se será a 8ª ou a 9ª maravilha, mas não há dúvida que é algo de insólito e único no mundo.

Os outros dois pavilhões servem para ver como as fossas foram encontradas e ainda estão por explorar. O 4º pavilhão é um museu, onde estão guardadas as figuras melhor conservadas 8algumas ainda com as cores com foram pintadas).

Depois de mais este ponto alto da nossa viagem à China, almoçámos num restaurante junto à estrada. A comida, aqui, é bem diferente da do sul: menos molhos, mais picante. As refeições têm sempre um prato agri-doce; hoje veio também um prato cm amendoins fritos e outro com batata caramelizada. Continuo sem saudades da comida portuguesa. Como diz a Mila, nesta terra é fácil um tipo tornar-se vegetariano.

A caminho da cidade, parámos em mas uma loja caça turistas. Desta vez, uma fábrica de réplicas de guerreiros de terracota. Um chinesinho pequenino explicou-nos, em inglês, alguns dos processos de fabrico das estátuas. Para o calar, comprámos uma caixa com as figuras do soldado, do arqueiro e do general.

E como era muito cedo, a Ângela perguntou se queríamos visitar o grande Pagode do Ganso. Claro que queremos. Pagámos 150 yuans e fomos. E ainda bem que fomos porque é um sítio muito interessante. Construído nos terrenos do antigo Templo da Grande Benevolência, o Grande Pagode do Ganso é uma estrutura com 64 metros de altura, construída em 627 e reconstruída no século 14. destinava-se a guardar escrituras sagradas do budismo e foi mandado construir por um imperador, a pedido de um monge que tinha partido para a Índia, em busca de ensinamentos sobre Buda. O Grande Pagode está situado num complexo cheio de jardins lindíssimos e com pavilhões onde ainda vivem alguns monges. Lá estão as habituais torres do sino e do tambor e diversos altares com figuras do budismo.

A Ângela constou-nos a história do tal monge Xuan Zang e a lenda ligada ao pagode: um grupo de monges budistas da Índia estava num certo local, cheio de fome e sede, quando um bando de gansos decidiu suicidar-se para dar de comer aos monges; estes, sensibilizados com a atitude dos gansos, decidiram enterrá-los, em vez de os comerem. Nesse local, na Índia, construiu-se um pagode para assinalar esse feito. Xuan Zang, quando regressou à China, pediu ao imperador que fizesse o mesmo. Ao passear por aqui e ao ver as pinturas e os baixos relevos que contam a odisseia deste monge, um tipo compreende que não sabe nada das outras religiões mas que, no fundo, todas elas se assemelham, nas suas parábolas e nos seus homens santos.

22h30 - mais uma boa surpresa desta viagem foi o espectáculo a que assistimos na Shaanxi Grand Opera House de Xi'an. Estávamos à espera daqueles espectáculos para turistas, sem muito interesse e que seria apenas uma maneira de passar um pouco da noite, já que não se pode fazer mais nada em Xi'an.

Afinal, o espectáculo - apesar de ser para turistas - é muito interessante, com bailados e música folclórica desta região, mais especificamente, da época da dinastia Tang. Os bailados são diferentes do que estamos habituados a ver e as chinesinhas são todas bonitas e graciosas. Mas o mais curioso são as peças instrumentais, sobretudo as de percussão. Os instrumentos são réplicas dos da época e quase todos desconhecidos para mim. Uma das peças, intitulada "Zaragata entre patos" é tocada por dois xilofones minúsculos, um gongo e três pratos de tamanhos diferentes e é muito interessante. Foi uma boa maneira de passar o serão, enquanto lá fora chovia copiosamente. É bom para limpar o ar da poeira, disse a Angela.

Ao regressar ao hotel, as ruas continuavam tão animadas como de dia. E junto a um dos viadutos, uma multidão ensaiava danças de salão!

Os viadutos, as pontes pedonais aéreas, as estradas sobre outras estradas, é outra das características destas cidades chinesas. De súbito, no meio de uma avenida, nasce outra avenida, num plano superior e que parece continuar para o infinito.

Quinta, 26 de Maio
Aeroporto de Xi'an Yang, 9h15 - mais um dia a levantar ás 6h30, mas não nos faz diferença. A Angela, que afinal se chama Jang Juê Fang, veio-nos buscar às 8h e atravessámos a cidade, a caminho do aeroporto, que fica a cerca de 40 minutos do hotel. Oportunidade para ver os chineses a praticar tai shi e danças de salão, um pouco por todo o lado, nomeadamente, debaixo dos viadutos. Oportunidade, também, para ver as estátuas que representam o imperador e a imperatriz e que estão por todo o lado, à porta de algumas casas, de restaurantes, de hotéis. Eles dizem que é a estátua de um leão, mas é um leão imaginado. A que representa o imperador, tem uma bola sob a pata, significando que tem o poder sobre a terra; o da imperatriz, tem um pequeno leão sob a pata, querendo que ela é a responsável pela descendência.

Despedimo-nos da Fang, trocámos mails e aguardamos o embarque.

Voo Xi'an-Beijing, 11h25 - where are you from, perguntam sempre os english speakers, assim que nos apanham. Ontem, no teatro Xaansi, sentámo-nos á mesa com um casal de norte-americanos (o teatro também serve refeições). Assim que nos sentámos, ele perguntou de onde éramos. Ouvem-nos falar espanhol com a guia, falar outra língua qualquer entre nós e ficam curiosos. Depois, quando percebem que também falamos inglês, continuam com as perguntas: how many days in China, how many hours from Portugal to China, wich cities did you visit, how about Guilin, it's nice? E por aí fora...

Xangai
Quarto 1018 do Pudong Shangri-la Hotel, 22h20 - o avião aterrou em Xangai perto do meio-dia. À nossa espera, uma chinesinha ainda mais pequenina que as anteriores, que disse chamar-se Lena (pronunciar Lina). Muito efusiva e saltitante, acompanhou-nos até ao carro e começou uma cena digna do "Lost in translation". A Lena bem tenta falar inglês mas, pelo meio, mete algumas palavras em chinês e, além disso, o inglês dela é mais mandarenglish. Por exemplo, "Li river" fica "Li livel". Quer dizer que a velha história de os chineses não conseguirem dizer os érres, confirma-se com a Lena. Mas além disso, a miúda tem outras falhas na pronúncia, o que faz com que metade do que diz, não se perceba. Por outro lado, como deve ter um vocabulário muito limitado, não percebe metade do que dizemos. Quer dizer que, nos nosso diálogos, há muito que fica lost in translation. Quando lhe dissemos que éramos from Portugal, com a nossa pronúncia very british, ela ficou a zero. Só quando associámos Portugal a Macau é que ela percebeu e exclamou: Ah! Putuaia! Pois é, Portugal, ou Portugália, transformou-se em Pututaia.

Mas enfim, a miúda é muito gira e, apesar da dificuldade da comunicação, entendemo-nos quanto baste.

Do aeroporto seguimos para o restaurante, para o almoço, por entre o tráfego do costume. Em Xangai, a loucura dos viadutos ainda parece ser maior. Sempre são 18 milhões de habitantes...

Seguiu-se a visita ao Templo do Buda de Jade (Yufo Si), que construído em 1882 e contém diversas estátuas dos muitos Budas que, afinal, existem; entre eles, o tal Buda de Jade, que veio da Birmânia e não se pode fotografar. O templo está activo, isto é, não é apenas uma atracção turística. Vimos muitos chineses venerando os diversos Budas. O cheiro a incenso é intenso e a ignorância da Lena sobre o mundo ocidental é um pouco maior do que a nossa, em relação ao mundo dela. A moça ficou espantada quando lhe dissemos que, em Putuaia, não há dragões. Pensava que havia dragões em todo o mundo!, exclamou ela. Curioso o facto de termos visto Budas com a cruz suástica desenhada no peito.

Antes de fazermos o check in em mais um Shangri-La, o Pudong, ainda fomos a mais uma fábrica de seda, onde só comprámos lenços.

O hotel fica na área de Pudong, no outro lado do rio Huang Pu, que se está a transformar numa espécie de Manhattan. Calhou-nos o quarto1018, outra coisa enorme, com uma cama que dá para 4 pessoas. Se forem chineses como a Lena, cabem oito...

Check in feito, malas no quarto e saímos para um curto passeio com a irrequieta Lena, ao longo do rio. O passeio chama-se Bing Jiang Da Dao e é semelhante à Av of Stars, em Hong Kong. Do lado de lá, destacam-se os edifícios coloniais, do tempo dos ingleses, alemães e franceses, antes das guerras do ópio.

O jantar foi no Restaurante Seagul e a Lena estava mais excitada que nós. Pelos vistos, não é habitual acompanhar turistas a lugares tão luxuosos. Antes de jantar, assistimos à preparação de diversos chás, que também provámos. Provámos e comprámos, claro.

O restaurante é mais um enorme salão, com um palco ao fundo, onde umas meninas escanzeladas dançavam ao estilo ocidental (até dançaram ao som da Britney Spears!...). depois veio um chileno que tocou diversas músicas em múltiplos instrumentos de sopro. Conseguiu tocar todos mal. "El Condor Pasa", tocado por ele, soou pior do que tocado por mim, em flauta de bisel. Então, quando se abalançou num "Silent night" em clarinete, foi de ir às lágrimas. A Lena, entretanto, estava felicíssima e disse que era a primeira vez que estava naquele restaurante com espectáculo a decorrer!

O jantar estava de acordo com o espectáculo - foi a pior refeição, até agora.

Terminada a refeição, a Lena fez questão de nos informar que o motorista nos ia levar ao hotel em marcha lenta, para podermos admirar os arranha-céus. Suspeito que ela e o motorista é que queriam ver o panorama. Nós fomos o pretexto. A 20 à hora, lá fomos, nós no banco de trás, desejosos de regressar ao hotel para podermos explorar a zona sozinhos, a Lena e o motorista, á frente, muito entusiasmados, apontando par os diversos edifícios e fazendo comentários em chinês.

Depois de nos deixarem, voltámos, sozinhos ao Riverside promenade, para tirar fotos á vontade e, depois, passámos pela Torre Pérola do Oriente, que parece uma agulha de tricot com três bolas e que tem 448 metros de altura, sendo a mais alta da Ásia e a 5ª do mundo. Passámos também pela Torre Jinmao, um edifício elegante, que faz lembrar um pagode art déco; tem 88 andares e o Grand Hyatt Hotel fica entre o 53º e o 88º andares.

Sexta, 27 de Maio
Hotel, 15h - Xangai à chuva e uma guia desorientada. Assim se pode resumir o dia de hoje, até agora.

A Lena veio às 9h e logo aí se percebeu a sua desorientação. Ainda dentro do hotel, começou a andar numa direcção, depois noutra, como se andasse à procura da saída. E nós atrás dela. De súbito, sem dizer nada, avança para um elevador, troca algumas palavras com um empregado do hotel, naquele modo peculiar que os chineses têm de falar, como se estivessem zangados. Entramos no elevador e descemos ao parque de estacionamento, aparentemente à procura do motorista. Mais mudanças de direcção, mais troca de palavras com os seguranças do parque, subimos uma rampa, descemos outra e estamos na rua! Chove a potes e nós só trouxemos as gabardinas; deixámos os chapéus de chuva no quarto. Entretanto, a guia desapareceu. Deixámo-nos ficar à entrada do parque, resguardados da chuva. Ei-la que regressa, dizendo qualquer coisa incompreensível sobre o motorista. Follow me. Essa percebemos. Lá fomos e, finalmente, lá estava o motorista, a bordo de uma carrinha nova em folha. A guia ficou muito entusiasmada. Oh! Nice cal! A Lena estava contentíssima por estar a bordo de um carro tão novo e tão bonito. Trocou umas palavras com o motorista e, depois de fazer umas contas de cabeça, disse-nos que a carrinha custava o equivalente a cerca de 20 mil euros. Barata, dissemos nós. Então, lá começa ela a falar mandarenglish sobre carros e impostos e mais não sei o quê. Mais tarde, haveria de nos dizer qualquer coisa como "é bom ser guia porque assim posso visitar a cidade e a comida está incluída!" o que nos faz pensar que a miúda anda nisto há pouco tempo e que nós estamos a servir de estágio...

Lá fomos, por entre o trânsito caótico de Xangai, agravado pela chuva, até à parte antiga da cidade. Quando saímos da carrinha, a chuva caía com mais intensidade. Começámos a percorrer ruas estreitas com casas de dois pisos, muito degradadas. Em breve estávamos encharcados. Rendemo-nos. A Lena foi-nos comprar dois guarda-chuva. Disse-nos que tinha comprado os mais caros, porque eram os melhores; 20 yuans cada um. Abri o meu e partiu-se imediatamente! Foi uma boa gargalhada! A guia ficou zangada com a vendedora e trocou os dois guarda-chuva por outros dois, mais baratos: 10 yuans cada um. Ainda estão inteiros. Com os chapéus de chuva foi mais aceitável andar à chuva.

Atravessámos uma zona cheia de bazares chineses, com os telhados típicos, até à entrada do jardim Yu (Yu Yuan). Foi construído em 1559 e diversas vezes reconstruído e foi uma pena estar a chover porque o jardim é bem agradável. Antes de entrarmos, comprámos comida para peixes. Basta deitar uns grãozinhos no lago que rodeia a casa de chá que dá entrada ao jardim, e eles aparecem às dezenas.

O jardim é composto por um conjunto de pavilhões, corredores, pontes de pedra, árvores seculares (uma ginko biloba com 400 anos) e pequenos lagos, como é costume nos jardins chineses.

Depois, passeámos pelas ruas em redor do jardim, sempre à chuva. Ainda era cedo para almoçar mas a Lena não sabia bem o que havia de fazer connosco. Do you want to see the snake? Referia-se àquela coisa horrível que consiste num garrafão de vidro com um líquido amarelado e uma cobra lá dentro e que não sei se é aguardente ou remédio, ou ambos. Não, não queremos ver a snake. A Mila queria comprar mis uns quadros bordados a seda. After lunch, diz a Lena. Caminhamos mais um pouco. Do you like beel, pergunta ela. Sim, I like beer, digo eu. Tsingtao beer vely good!, exclama a Lena e entra num dos bazares. Compramos duas t-shirts, só para não ficarmos parados. Let's go upstails to dlink beel, diz ela. Beber cerveja às 11 da manhã? Estás clazy! Andamos mais um pouco. Acabamos por entrar num grande armazém. O restaurante é no 4º piso. Como é cedo, podemos look alound. Acabámos por comprar um magneto de Xangai e uma glavata para o Fernando. Sentámo-nos com a Lena a beber mais chá. Pelos vistos, os restaurantes de Xangai têm esta espécie de tea show antes das refeições para os turistas gastarem mais umas notas. Aqui, até aceitam euros - afinal, vale mais que o dólar.

Finalmente, subimos para o almoço, em mais um salão imenso. Confirma-se que a comida de Xangai é a pior. Se tivéssemos começado a viagem por aqui, ficaríamos apreensivos. O prato agri-doce era de peixe e estava cheio de espinhas; a sacrossanta vaca com molho de ostra, a melancia (não comia melancia há décadas!). safou-se a sopa, que era boa.

Acabámos de almoçar à uma da tarde. Vamos ver se compramos os tais bordados de seda. A Mila quer uns específicos, com desenhos muito naif. A Lena leva-nos a mais uma daquelas lojas para caçar turistas. Um tipo muito simpático recebe-nos e mostra-nos os quadros. Não são exactamente como os que vimos Beijing, mas a Mila escolhe dois. Entretanto, a Lena desapareceu. Foi á casa de banho, diz o nosso cicerone. Para fazer tempo, faz-nos um tour da loja. Leva-nos até junto a quatro bordadeiras; uma delas, diz ele, tem 52 anos, a nossa idade (parece ter mais 20). De facto, é extraordinário o trabalho destas mulheres, com agulhas minúsculas, ponto após ponto, até preencherem uma tela. O que impressiona são as cores, os matizes, sobretudo dos rostos. O cicerone diz que Bill Clinton (sempre ele!) levou um quadro bordado a seda, com o seu retrato. Olhamos em redor - nada de Lena. Damos mais umas voltas pela loja. Where are you from, pergunta o cicerone. Portugal? Não sabe o que é. Afasta uma cortina e leva-nos a uma pequena sala onde está um mapa mundo. Apontamos-lhe Portugal. Ah! Potu-hal, diz ele, Figo!, exclama.

Finalmente, a Lena aparece.

O almoço está cumprido, o jantar será às 6, está a chover - o que vamos fazer? Aí está a guia á nora, outra vez. Propõe várias coisas, nomeadamente, irmos para uma livraria de livros estrangeiros! A miúda está doida!

Vamos para o hotel e depois vais lá buscar-nos para o jantar. E se fôssemos ver não sei o quê relacionado com o Confúcio? Ok, vamos lá ver isso... Voltamos à carrinha. O motorista batia uma sorna. Pomo-nos a caminho. A Lena e o motorista barafustam um com o outro. Vamos muito devagar e está-se mesmo a ver que não sabem bem onde fica a tal coisa do Confúcio. Olham para um lado e para outro, vamos a 10 à hora e, às tantas, let's go to the hotel. Ora aí está uma boa decisão, Lena!

Só que o hotel fica do outro lado do Huang Pu. Demoramos cerca de uma hora a cá chegar! Engarrafamentos monstros. Ainda não tínhamos visto nenhum, na China. Os viadutos, a vários níveis, estão todos preenchidos com carros parados. Uma seca! E nós, todos molhados...

Chegamos, finalmente. Despimos as roupas molhadas. Olho pela janela do quarto: parou de chover!

22h – sem chuva é bem melhor passear em Xangai.

Depois de descansarmos cerca de duas horas, descemos ao lobby pelas 17h, para nos reencontrarmos com a nossa guia. Como é da praxe, neste hotel, uma chinesinha com 1 metro e 80 e com um longo vestido vermelho com uma racha até ao pescoço, aguarda-nos junto ao elevador, segurando a porta e outra, igualzinha, segura a porta do hotel, para sairmos. Nestes dois dias vimos uma meia dúzia destas chinesinhas, todas diferentes e, no entanto, todas iguais, nos vestidos, na altura e no sorrriso.

Passámos sobre o Huang Pu, por um dos múltiplos viadutos, sempre em marcha lenta e saímos junto ao Bund (Wai Tan), a avenida junto ao rio, só com edifícios coloniais, do tempo em que os franceses, ingleses e alemães por aqui viviam, do tráfico de ópio e das apostas das corridas de cavalos e de galgos. A história vem nos livros. O contraste entre este lado do rio e Pudong, é evidente. Entrámos no Peace Hotel (Heping Fandian), um dos edifício mais antigos, de 1906, e subimos ao telhado para uma foto espectacular. Descemos, depois, a Nanjing Road – aliás, load. Como diria a Lena: se o loom has no loof, it lains inside the loom – é só substituir os éles pelos érres.

Nanjing Road é uma longa rua pedonal com uma multidão lá dentro. Ver dezenas de cidadãos aguardando que o semáforo fique verde para atravessarem, é um espectáculo. Parecem pequenas manifestações junto de cada passagem de peões.

Para quem faz colecção de latas esquecidas pelas ruas das cidades do mundo, a concorrência, aqui, é feroz. Há vários tipos que andam à cata de latas e garrafas por toda a cidade. Vim um que usa um espelho para ver se, dentro do caixote, há algo que lhe interesse (mesmo assim, ainda consegui cerce de 20 latitas...).

Mais abaixo, a Praça do Povo (Renmin Guang Chang), rodeada por edifícios imponentes, arranha-céus de formas exóticas, pelo Grande Teatro (Da Ju Yuan) e pelo Museu de Xangai. E campos relvados, e árvores e flores. Andámos por ali um bom bocado e quase nos esquecemos do bulício da cidade. Os chineses têm um modo curioso de fazer realçar ar árvores dos seus jardins, à noite, iluminando-as, por baixo, com potentes holofotes verdes.

E vamos jantar. Desta vez, num restaurante com pequenas sala privadas. Ficámos sozinhos na sala Dinamarca. E porquê Dinamarca? Aparentemente porque tinha um poster com um soldado dinamarquês. O resto, era igual a todos os outros restaurantes chineses por onde passámos. O jantar estava picante e apenas comestível.

Apesar da desorientação da Lena, acabámos por ficar com uma boa ideia de Xangai.

Antes de nos recolhermos, ainda demos mais um passeio ao longo do Huang Pu, mas do lado de Pudong.

Sábado, 28 de Maio
Voo Air France 115, 23h10 – nem sei por onde começar! O dia de hoje foi uma verdadeira epopeia e, por momentos, pensámos que não conseguíamos chegar ao aeroporto a horas. Tudo por causa da nossa guia desorientada.

O dia de hoje era suposto ser uma seca, sem programa definido e uma longa espera, até ao voo de regresso, marcado para as 23h30. Assim, ontem, quando a Lena falou na possibilidade de visitarmos Suzhou, cidade famosa pelos seus jardins, achámos que seria uma boa maneira de passarmos o dia. Pagámos 120 euros e, esta manhã, às 8h30, a miúda veio-nos buscar, a bordo de uma carrinha um bocado desconfortável, em comparação com a que nos transportou ontem. Era um pouco anacrónico, andar às voltinhas por Xangai, numa carrinha nova em folha e, agora, fazer uma viagem de cerca de 140 km, numa caranguejola. Mas enfim... Passámos, primeiro, por outro hotel, para ir buscar um casal de indianos, que também embarcou nesta aventura desagradável (a Lena tinha dito que seria um grande grupo...)

Lá fomos, estrada fora. Segundo a guia, seria cerca de uma hora de viagem. Mas logo percebemos que não ia ser assim tão rápido. Para começar, o motorista levava o mapa aberto e, de vez em quando, consultava-o, o que não era bom sinal. Depois, a auto-estrada tinha diversos troços em obras, o que obrigou a paragens e filas intermináveis. Duas horas depois, avistámos Suzhou ou, pelo menos, letreiros que indicavam a cidade. Aí, foi o caos. O motorista enganou-se, embora ninguém nos tenha dito nada, e optou por um acesso que estava completamente entupido. Depois de uma fila maciça, chegámos ao fim do tal acesso, passámos a portagem (sim, na China, todas as auto-estradas têm portagens), demos meia volta e regressámos ao ponto de partida. Resumindo: chegámos ao nosso destino 3 horas depois, isto é, às 11h30! Lá visitámos um pequeno jardim, semelhante ao Yuyuan, que visitámos ontem, em Xangai. Bonito, mas já visto. Em seguida, fomos visitar uma ponte muito antiga sobre um dos canais que atravessa a cidade e parte das muralhas. A paisagem era bonita mas a Lena logo foi avisando que estava cheia de fome. Vamos lá almoçar. Quando regressámos à carrinha, topei o motorista deitado no chão, olhando para o chassis da carrinha, com cara de caso. Cheirava a queimado. Eu já tinha notado um ruído metálico que provinha algures do motor do veículo e, sinceramente, a ideia de ficarmos empanados passou-me pela cabeça, mas não disse nada porque, nestes dias de viagem de avião, a Mila fica sempre um pouco nervosa e não queria aumentar-lhe o nervosismo. Quando entrámos na carrinha, o cheiro a queimado era óbvio. Mas lá seguimos para o almoço, que foi o melhor da nossa estadia em Xangai.

A seguir ao almoço, o casal indiano (que vive e trabalha no Qatar), foi visitar uma fábrica de seda que ficava logo ali e nós, fartos de sedas, sentámo-nos a fumar um cigarro, enquanto assistíamos à agitação da guia, correndo de um lado para o outro, com ar aflito. No entanto, só muito tempo depois se decidiu a vir ter connosco e para nos pedir 30 euros emprestados – é que a carrinha tinha um pequeno problema e era preciso arranjar outro carro! E desaparece, a correr! Passam mais 15 minutos e não há solução. A Lena envia mensagens por telemóvel, corre de um lado para o outro, e nós a zero! De repente, a Mila lembra-se que o meu casaco e a sua mochila ficaram na carrinha. Ondxe está a carrinha? A Lena parece não saber. Afinal, a carrinha está estacionada ali perto. Vamos até lá mas a carrinha está trancada; no entanto, tem uma janela aberta. Pela janela, a Mila saca o casaco e a mochila, como qualquer outra pessoa poderia ter feito. Do motorista, nem sombras... entretanto, a guia decide outra coisa: devolve-me os 30 euros, mas já convertidos em yuans e pede 600 yuans emprestados ao indiano, que fica teso. Dá 400 ao motorista, que desaparece de cena e anuncia-nos que vai chamar dois táxis para nos levar ao jardim mais bonito de Suzhou; depois, iremos de comboio para Xangai. Começamos a vera nossa vida a andar para trás: táxi para o jardim, táxi para a estação, comboio até Xangai, táxi até ao Shangri-La para sacar as malas, táxi até ao aeroporto?... com a Lena a comandar? Era de desconfiar...

Vieram os táxis e foi uma louca correria até ao Jardim da Humilde Administração – pisámos traços contínuos, andámos na faixa contrária, fizemos diagonais perfeitas, roçámos ciclistas desprevenidos – enfim, todas aquelas habilidades que temos visto nestas duas semanas na China. Só que, desta vez, nós íamos lá dentro!

A visita ao jardim foi uma palhaçada. Quando entrámos, já passava das 3 da tarde. O comboio era às 5h10. Follow me, disse a Lena. This way, disse a Lena. E eu a ver que this way vai dar às toilets... demos uma volta a uma ínfima parte do jardim, evitando a parte mais bonita (apenas a entrevimos...), tirámos umas quantas fotos e ala para a estação, em mais uma louca corrida de táxi.

A estação de comboio de Suzhou é inenarrável: centenas de pessoas por todo o lado, uma imensa sala de espera apinhada de gente e diversas salas de embarque, uma para cada comboio. Novo número da Lena com os bilhetes de comboio (dois tipos foram-lhe levar os bilhetes ao jardim, fruto das muitas mensagens que a miúda enviou), que lá acabaram por aparecer no fundo da sua mala.

De qualquer modo, foi uma oportunidade de conhecer por dentro a China dos transportes públicos. A viagem durou cerca de uma hora (um terço da viagem de carro!) e a guia conseguiu contactar alguém para nos ir buscar a Xangai.

A estação de Xangai ainda é mais multitudinária que a de Suzhou. Milhares de pessoas numa grande praça, sentadas no chão, fazendo pique-niques, com sacos enormes, famílias inteiras, jogando às cartas, fumando. Milhares de chineses à espera do comboio.

Eram 6h45. A outra carrinha lá estava à nossa espera e, a partir daqui, tudo correu normalmente: levaram o casal indiano ao seu hotel, depois deixaram-nos no Shangri-La. Comemos um hamburguer no bar do lobby, levantámos as malas e a carrinha levou-nos para o aeroporto. Ufa!

Pagámos 24 contos por um extra, que incluiu não ver quase nada de Suzhou, ficar ansiosos, com medo de ficarmos em terra e conhecer os caminhos de ferro chineses.

Esta guia (que, afinal, tem 26 anos, apesar de parecer ainda adolescente) ainda tem muito que aprender, se entretanto não for despedida. Nem no aeroporto se safou, não tendo ajudado nada. Aliás, fomos nós que lhe mostrámos onde era o check in! E a cereja em cima do bolo: a pedido dela, a caminho do aeroporto, o motorista pôs a tocar uma cassete de dance music, animada por um histérico dj chinês! Se o aeroporto fosse um pouco mais longe, seria obrigado a assassinar alguém! Para acompanhar a música, o motorista mudava constantemente de faixa, chegando a cruzar quatro faixas numa única manobra e sem nenhuma razão aparente!

Mas enfim... já vamos a caminho de Paris (a 9 274 km de Xangai) e a Lena vai ter que continuar a viver em Xangai...

Este episódio de hoje não ensombra, no entanto, esta excelente viagem à China.

Na nossa memória hão-de perdurar coisas como a baía de Hong Kong, os templos chineses, Hong Kong Jay, a fachada da igreja de S. Paulo, em Macau, a Praça de Tiananmen, em Beijing, a Cidade Proibida, a Grande Muralha, os guerreiros de terracota de Xi'na, os arranha-céus de Xangai mas, sobretudo, o rio Li e as suas margens, os milhares de montes envoltos na neblina.

E, para o ano, Rússia!

 

 




 

voltar ao topo

 

 

 

 

 


 

 


Este é o Coiso do Artur Couto e Santos.
Se tiver algum comentário a fazer ao meu Coiso, carregue aqui:

arturcs@netcabo.pt