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O Coiso
Visita a Veneza

14/18 Outubro 2004


Veneza é uma cidade única – e isto é um lugar comum. Caminhar pelas ruas estreitas, atravessar as centenas de pontes minúsculas que ligam as ruas, ver as casas a emergirem da água, perceber que toda a vida da cidade se faz pela água, os barcos de bombeiros, os barcos da recolha do lixo, os barcos da polícia, os barcos-ambulância, os barcos que fazem a distribuição dos víveres – tudo isso é único. A experiência torna-se ainda mais surrealista quando se visita Veneza em época de “acqua alta”, com o Adriático a inundar a baixa da cidade, a água a surgir por debaixo dos passeios, a multidão a caminhar sobre pranchas de madeira, os polícias de galochas até às ancas. Foi esta experiência única que vivemos, nós e a Marta, nestes quatro dias, em Veneza.


A Piazzeta de S. Marcos alagada, em plena “acqua alta”.

Quinta, 14 de Outubro
Passear de gôndola
Levantámos voo de Lisboa por volta das 8 da manhã. Foi uma viagem rápida, de pouco mais de duas horas, feita quase sempre a dormir (tínhamo-nos levantado às 5 da matina!). No aeroporto de Marco Polo, esperava-nos a Rafaela, que nos conduziu até ao cais, onde apanhámos um táxi aquático até Veneza. A uma velocidade razoável, percorremos a estrada inventada no meio do mar, com estacas de madeira a estabelecer os limites e sinais de trânsito como em qualquer outra estrada.

Entrámos em Veneza pelo canal que fica logo atrás do Palácio Ducal, passámos por baixo da famosa Ponte dos Suspiros e não pudemos ir muito mais além, devido à maré alta que não permitia que o barco passasse por baixo de mais pontes. Atracámos por ali, onde outra menina nos aguardava, para nos guiar até ao hotel.

Ficámos no Ca’ del Campo, numa ruazinha chamada Campo de la Guerra – um hotel pequenino mas muito agradável, com a particularidade de ter a recepção no último andar. O nosso quarto era o 101, um simpático triplo, com uma espécie de antecâmara, onde a Marta dormiu e o quarto propriamente dito, onde dormimos nós.

Assim que nos instalámos, saímos para comer qualquer coisa e foi a nossa única incursão no McDonalds: ficava perto do hotel, já sabemos de antemão o que vamos comer e é rápido. Logo tomámos contacto com os preços de Veneza: três menus Royal de Luxe por 20 euros!

Depois, fomos à Praça de S. Marcos, que ficava logo ali, a cerca de 5 minutos do hotel e, para ter uma ideia da cidade, subimos ao Campanile. Lá de cima, abarca-se toda a cidade e as ilhas da lagoa. O céu tinha algumas nuvens e estava frio, mas não havia sinais da chuva que a metereologia previa.
Eu e a Mila estivemos em Veneza em 1992, durante um tour acelerado por Itália (sete ou oito cidades numa semana!); nessa altura, dormimos uma noite em Mestre e passámos um único dia na cidade. No entanto, ao olhar para a Praça de S. Marcos, para a Basílica e para o palácio Ducal, um tipo acha que já esteve ali centenas de vezes, graças às imagens que vamos vendo no cinema, por exemplo. Mas a Praça surpreende sempre, a Basílica é imponente e a azáfama fluvial é um extra.

Sem programa definido, andámos por ali e acabámos por decidir fazer o nosso passeio de gôndola, não fosse chover nos restantes dias. Contratámos um passeio de cerca de 40-50 minutos, por 100 euros – e não podemos dizer aos gondoleiros para irem roubar para a estrada, já que não há estrada nenhuma; por isso, eles roubam nos canais. Mas enfim, vir a Veneza e não andar de gôndola é pecado. Vogámos pela zona do bairro do Castello, calmamente, ao ritmo do remo do gondoleiro e o balancear fez a Marta passar pelas brasas. Em certos pontos dos canais, o silêncio é especial e a explicação é óbvia: não há carros! Veneza deve ser a única cidade que não precisa de aderir àquela iniciativa pateta do Dia sem Carros!...

Foi um passeio agradável. Aliás, será a única maneira de ver a cidade a partir dos canais, sobretudo dos mais estreitos, onde nem os barcos a motor passam.
Regressámos ao hotel, podres de sono e dormimos uma sesta. Saímos para jantar. Decidimo-nos por um restaurante ali próximo, o Barbanera, gostámos e jantámos lá todos os dias: pizzas e pastas, pastas e pizzas; não era caro e o ambiente era agradável; uma idiossincrasia: apesar da comida ser obviamente italiana, todas as empregadas do restaurante eram asiáticas...

Depois do jantar, fomos fazer a digestão caminhando pela Praça de S. Marcos e, depois, até Rialto. Às 10 da noite estávamos na caminha. E que bem que dormimos todos aqueles dias!...


Marta e Mila, passeando de gôndola, com a piazzeta de S. Marco ao fundo.

Sexta, 15 de Outubro
Murano, Burano e o Canale Grande
O dia acordou nublado, mas com o sol a espreitar durante longos momentos. Decidimos ir conhecer duas ilhas da lagoa. Comprámos um bilhete turístico de um dia (10 euros e meio) e apanhámos o vaporetto em S. Zacheria.

Logo de manhã, tínhamos ouvido a sirene que avisa que vai haver “acqua alta”. Quando chegámos a Murano, a acqua estava mesmo alta, a inundar os passeios. Passeámos um pouco por Murano, que não nos pareceu nada de especial: muitas lojas de vidro, claro, mas pouco mais. Ainda entrámos numa fábrica e sentámo-nos um pouco, a observar três operários a fazerem jarras em série.

Regressámos ao cais e apanhámos o vaporeto para Burano. Esta ilha, pelo contrário, agradou-nos bastante – e não foi por causa das rendas e bordados típicos. É uma ilha pequena, com os canais a transbordar para os passeios e as casinhas todas pintadas de cores berrantes: roxo, azul forte, amarelo vivo. Almoçámos uma excelente pizza e regressámos ao vaporetto.

Depois de atravessarmos a lagoa, descemos em Fondamenta Nove e apanhámos a Linha 1, que percorre o Canale Grande, parando em todas as estações e apeadeiros. Às tantas, um tipo até se esquece que viaja de barco e o vaporetto funciona como um autocarro. Lentamente, fomos admirando os velhos palácios, a Ca’ d’Oro, a ponte de Rialto e o dia a dia de uma cidade aquática.

Passámos sob a ponte de madeira da Academia e descemos em S. Marcos.
Regressámos ao hotel para descansar um pouco e, depois, fomos passear para a zona de La Fenice, onde estão as lojas das grandes marcas. À hora em que fecham essas lojas, começam a surgir, nas ruas, os vendedores da candonga. São todos africanos e vendem imitações das malas Louis Vitton. A Marta não resistiu e comprou uma malinha, depois de uma grande negociação com um negro calmeirão que lhe pediu 45 euros por uma imitação, que acabou em 15 euros, embora lhe tivesse pedido silêncio absoluto sobre o negócio.


Artur e Marta em Burano, com as suas casas pintadas de cores garridas.

As lojas de vidros, de máscaras, de artigos de papel, sucedem-se, umas atrás das outras. A Mila e a Marta perderam-se nas lojas, para comprar colares de missangas, rebuçados e cerejas de vidro e outras miudezas.

Jantámos no Barbanera, claro e voltámos à Praça de S. Marcos para deambular por ali, escutando as três ou quatro mini-orquestras que obsequeiam os turistas com aberturas de ópera para violino, violoncelo, piano e acordeão. Regressámos ao hotel, para mais uma noite descansada.

Sábado, 16 de Outubro
A Basílica e o Palácio Ducal
Durante a noite trovejou e, de manhã, chovia a potes. Finalmente, as previsões metereológicas confirmavam-se. Preparámo-nos para a chuva e avançámos para a Praça de S. Marcos. A chuva, a multidão do fim de semana e a “acqua alta” transformaram a Praça num caos. Milhares de turistas, de gabardina e chapéu de chuva, atravancavam as pranchas de madeira que a edilidade coloca sobre as armações de ferro para que possamos andar por ali sem chapinharmos no Adriático. Vendedores locais aproveitam a ocasião para vender, por 10 euros, uma espécies de galochas improvisadas; alguns, mais afoitos, descalçam-se, arregaçam as calças e aventuram-se por fora das passadeiras.

À chuva, esperámos cerca de um quarto de hora para entrar na Basílica.
Enfim, arte sacra não me entusiasma por aí além; espanta-me, de facto, a arquitectura, as cúpulas fantásticas, as colunas que nunca mais acabam – mas daí até pagar 1,5 euros para ver a Pala d’ Oro, que não passa de um retábulo em ouro, cravejado de pedras preciosas e que daria de comer a milhares de cristãos esfomeados...

Subimos ao varandim da Basílica para vermos a Praça inundada e o espectáculo das filas de turistas sobre as pranchas de madeira. A chuva tinha parado e o sol voltara.

Passámos, então, ao Palácio Ducal, para visitarmos as inúmeras salas onde decorriam as estranhas maquinações da democracia veneziana, onde os Dodges eram escolhidos, depois de um complicado sistema de eleição e lotaria. Destaque para a enorme sala, com 50 metros de comprimento, sem nenhuma coluna e escorar o tecto, onde decorria uma dessas cerimónias complicadas.

Saímos do Palácio Ducal em plena maré alta, por volta das 12h 30 e almoçámos numa esplanada da Riva degli Schiavoni. Depois fomos por ali fora, ao longo da margem, até ao Arsenale e penetrámos na cidade novamente, por ruas e ruelas, um pouco ao acaso. O que vale é que, de quando em vez, surgem, nas paredes dos edifícios, indicações em letreiros amarelos: “Per Rialto” e “Per S. Marco”. São estas as duas indicações básicas para quem anda à deriva em Veneza. Fomos para Rialto.


Mila e Marta com a Basílica de S. Marcos ao fundo.

A ponte de Rialto está sempre atolada de malta a subir e a descer as escadas, ou encostada nas balaustradas, admirando a azáfama do Canale Grande. Nas lojas da ponte, fizemos mais algumas compras, nomeadamente, pastas de diversas cores e feitios, para trazer ao Pedro e à Dalila e mais coisas de vidro.
Estava na hora do gelado. Até eu, que não sou grande fã de gelados, me deliciei, todos os dias, com um geladinho.

Regressámos ao hotel para a sesta da tarde. A calma da cidade ajudou-nos a reequilibrar os sonos.

Jantámos, mais uma vez, no restaurante do costume. Eu comi um excelente spaguetti al frutti del mare, que estava óptimo. As meninas experimentaram pastas com nomes estranhos e estava tudo delicioso.

O passeio post-prandial levou-nos até à zona da Academia, atravessando a ponte de madeira e passando por uma zona da cidade que é mais ampla, com algumas praças mais ou menos espaçosas. Gente por todo o lado, mas sempre uma sensação de segurança, mesmo quando decidíamos percorrer algum beco mais estreito sem sabermos muito bem onde iria parar. Mas, no fim do beco, há sempre uma pequena ponte, como se fosse de brincadeira, que nos leva a outra ruela, e a outra e a outra, até estarmos, novamente, em S. Marcos.

Neste dia, a Mila não se esqueceu de colocar o pedómetro logo de manhã. No final do dia, totalizava cerca de 15 km!

Domingo, 17 de Outubro
Lido e a zona da Academia
A Marta manifestou curiosidade em conhecer as praias do Lido e, como estava um domingo solarengo, apanhámos o vaporetto em S. Zacheria e rumámos à única ilha da lagoa quem tem carros. Depois de uma viagem curta, observado os venezianos a entrarem e saírem do vaporetto, a caminho dos seus programas dominicais, chegámos ao Lido, sem saber muito bem para onde ir. Percorremos a avenida principal e, lá ao fundo, eram as praias – quase todas particulares, propriedade de hotéis; uma delas estava aberta ao público e fomos ver o mar. A praia é uma desilusão, com areia grossa e quase negra. Sentámo-nos a apanhar um pouco de sol e regressámos ao cais, explorando um pouco da ilha, que não tem nada que mereça ser visto; ainda passámos pelo Hotel des Bains, onde decorre a acção do famoso “Morte em Veneza”, de Thomas Mann.

De regresso a Veneza, fomos para a zona da Academia, para evitar a maré alta, e almoçámos por lá, numa fast-food do Burguer King que serve pizzas; não foi bom...


Artur, Marta e Mila, junto ao museu de Peggy Guggenheim, no bairro da Academia.

A zona da Academia é mais tranquila que o resto da cidade, com menos turistas e com mais espaços abertos. Fomos visitar o museu de arte contemporânea de Peggy Guggenheim. Caro para burro: 10 euros cada entrada! Vimos pinturas de Kadinsky, Picasso, Chagal, Max Ernst, Mondrian, Margrite, etc. A malvada da Peggy tinha uma colecção e pêras. Lá está, sepultada no jardim do palácio onde vivia e que foi transformado em museu; ao seu lado, os seus “babies”, como ela chamava aos cãezinhos que a foram acompanhando ao longo da vida.

Continuámos a caminhar até à igreja da Nossa Senhora da Saúde e, do outro lado do Grande Canal, fica a omnipresente Praça de S. Marcos.

O regresso foi feito através da ponte de Rialto, parando para comprar mais uns temperos e embalagens de pastas.

Depois de mais um descanso no hotel, jantámos no sítio do costume e fomos fazer uma última visita aos músicos de S. Marcos que, apesar da relativamente pequena assistência, atacavam os trechos musicais com vigor e entusiasmo.
Apesar de termos percorrido as mesmas ruas dezenas de vezes nestes quatro dias, havia sempre algo de novo para observar. Por exemplo, enquanto a Mila e a Marta escolhiam uns brincos numa determinada loja, eu fiquei encostado à esquina, sobre uma ponte e decidi contar os transeuntes: em cinco minutos, passaram 217 pessoas por aquela ponte! E não estamos na época alta...
Regressámos ao hotel por volta das 10 da noite. O pedómetro marcava 17 km!

Segunda, 18 de Outubro
O regresso
O pequeno almoço no Hotel Ca’ del Campo, era servido no 4º piso do edifício, nas águas furtadas. Não era variado, mas era competente.

Pouco depois do pequeno almoço, uma americana sessentona, chamada Ziggy (e que podia muito bem ser Stardust...), foi-nos buscar ao hotel. Mais uma vez, por causa da maré alta, tivemos que andar um pouco até ao water taxi, que nos aguardava perto da ponte dos Suspiros. No entanto, alguém tinha estacionado um barco no sítio onde o táxi devia ancorar, pelo que tivemos que saltar da margem para o barco, e deste para o táxi, com as malas atrás. Passámos ainda por outro hotel, onde fomos buscar um casal de americanos decrépitos e arrogantes, subimos um pouco do Grande Canal, passámos pelos bombeiros, com os barquinhos vermelhos todos alinhados e sem nada para fazer e atracámos algures, ao norte de Veneza, onde uma carrinha nos aguardava, para nos levar ao aeroporto.

A viagem correu bem, embora na descida para Lisboa tivéssemos levado uns valentes safanões devido ao mau tempo.

Foi bom revisitar Veneza, sobretudo por podermos levar a Marta connosco.
Falta, agora, voltar a Florença...

 

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Este é o Coiso do Artur Couto e Santos.
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