Lembro-me, sobretudo, dos cheiros.<\/p>\n

A casa velha da Beira Alta, em Santiago de Cassurr\u00e3es, tinha um cheiro caracter\u00edstico, que era uma mistura de muitos cheiros: o cheiro da pocilga, o cheiro da chamada “sala da aula”, onde se secavam figos, o cheiro do “chalezinho”, que era umas \u00e1guas-furtadas onde as senhoras\u00c2\u00a0faziam a sua sala de costura.<\/p>\n

E o cheiro da latrina, claro. A latrina era uma casinha com 2 por 2 metros, situada na varanda, e consistia num balc\u00e3o de madeira com um buraco redondo no meio. L\u00e1 em baixo, a palha amparava os dejectos. Estrume da melhor qualidade.<\/p>\n

Ao lado do buraco, a literatura: um jornal qualquer, talvez o da par\u00f3quia, talvez o Di\u00e1rio de Not\u00edcias, e Almanaques Bertrand<\/a>.<\/p>\n

Muita companhia me fizeram os Almanaques Bertrand nos momentos que passei sentado naquele buraco. E confesso que o cheiro do papel envelhecido e os outros odores que se misturavam naqueles momentos, eram algo de religioso.<\/p>\n

A avozinha Rita foi-se embora, o tio Germano e a Tia Odaleia tamb\u00e9m, a casa foi ficando vazia, cada vez mais esbarrondada, amea\u00e7ando ru\u00edna.<\/p>\n

Trinta anos depois, fui l\u00e1 buscar os Almanaques. S\u00e3o dos anos 30, 40 e 50 e as suas p\u00e1ginas mostram bem o uso que t\u00eam tido.<\/p>\n

Nos tempos em que escrevi para o P\u00e3o Comanteiga, recorri muitas vezes a eles,\u00c2\u00a0e nunca me desapontaram.<\/p>\n

<\/a>O Almanaque Bertrand publicou-se, todos os anos, entre 1899 e 1969 e este ano, a editora teve a brilhante ideia de lan\u00e7ar um Almanaque 2011\/2012.<\/p>\n

S\u00e3o contos, poemas, passatempos, calend\u00e1rios, receitas liter\u00e1rias, prazeres, listas, cr\u00f3nicas, palavras cruzadas, hor\u00f3scopos, lugares, cita\u00e7\u00f5es, efem\u00e9rides, curiosidades, ilustra\u00e7\u00f5es, e muitas outras inutilidades imensamente \u00fateis.<\/p>\n

Como esta lista de “lugares portugueses com nomes danados para o pecado”, dos quais destaco Regato da Coitada (Viana do Castelo), Rego do Azar (Ponte de Lima), Vale da Rata (Viana do Alentejo) ou Entalada (Melga\u00e7o).<\/p>\n

Ou como estes deliciosos aforismos de Jos\u00e9 Sesinando, t\u00e3o ao gosto do P\u00e3o Comanteiga: \u00c2\u00abquem n\u00e3o tem um Roll’s, r\u00f3i-se\u00c2\u00bb; \u00c2\u00abos terroristas raciocinam por explos\u00e3o de partes\u00c2\u00bb; \u00c2\u00abEm Cabo Verde, Deus pegou no homem e crioulo \u00ed\u00a0 sua imagem e semelhan\u00e7a\u00c2\u00bb; \u00c2\u00abFoi Cop\u00e9rnico que viu a primeira estrela pular\u00c2\u00bb.<\/p>\n

Ou ainda uma “lista de nomes de lugares ligeiramente compridos”, entre os quais, Parangaricutirimicuaro, no M\u00e9xico, ou Pekwachnamaykoskwaskwaypinwanik, no Canad\u00e1.<\/p>\n

Espero bem que a Bertrand retome mesmo a tradi\u00e7\u00e3o e passe a editar Almanaques todos os anos.<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

Lembro-me, sobretudo, dos cheiros. A casa velha da Beira Alta, em Santiago de Cassurr\u00e3es, tinha um cheiro caracter\u00edstico, que era uma mistura de muitos cheiros: o cheiro da pocilga, o cheiro da chamada “sala da aula”, onde se secavam figos, o cheiro do “chalezinho”, que era umas \u00e1guas-furtadas onde as senhoras\u00c2\u00a0faziam a sua sala de […]<\/p>\n","protected":false},"author":1,"featured_media":0,"comment_status":"open","ping_status":"open","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"jetpack_post_was_ever_published":false,"_jetpack_newsletter_access":"","_jetpack_dont_email_post_to_subs":false,"_jetpack_newsletter_tier_id":0,"_jetpack_memberships_contains_paywalled_content":false,"_jetpack_memberships_contains_paid_content":false,"footnotes":""},"categories":[6,19],"tags":[782,61,93],"class_list":["post-3927","post","type-post","status-publish","format-standard","hentry","category-lido","category-memorias-de-um-ex-fumador","tag-almanaques","tag-livros","tag-memorias"],"jetpack_featured_media_url":"","jetpack_shortlink":"https:\/\/wp.me\/p2Cpjx-11l","jetpack_sharing_enabled":true,"_links":{"self":[{"href":"https:\/\/www.coiso.net\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/3927","targetHints":{"allow":["GET"]}}],"collection":[{"href":"https:\/\/www.coiso.net\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/www.coiso.net\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.coiso.net\/wp-json\/wp\/v2\/users\/1"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.coiso.net\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=3927"}],"version-history":[{"count":0,"href":"https:\/\/www.coiso.net\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/3927\/revisions"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/www.coiso.net\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=3927"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/www.coiso.net\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=3927"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/www.coiso.net\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=3927"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}