H\u00e1 tr\u00eas ou quatro dias, passou no telejornal da Sic uma reportagem sobre uma descoberta arqueol\u00f3gica, penso que em Lisboa.<\/p>\n

N\u00e3o estava muito atento e, por isso, n\u00e3o recordo os pormenores. Mas lembro-me do arque\u00f3logo, com uma ta\u00e7a de porcelana na m\u00e3o, dizendo que a dita estava decorada com “imagens er\u00f3ticas, ou melhor, pornogr\u00e1ficas, j\u00e1 que representam cenas de sexo expl\u00edcito”…<\/p>\n

E pensei: ent\u00e3o as imagens decorativas passam de er\u00f3ticas a pornogr\u00e1ficas porque representam cenas de sexo expl\u00edcito?<\/p>\n

Esta foi uma discuss\u00e3o muito presente nos anos subsequentes ao 25 de Abril. Com o fim da ditadura, muitas coisas que estavam proibidas, viram a luz do dia e era dif\u00edcil distinguir entre, por exemplo, o cinema er\u00f3tico e o cinema pornogr\u00e1fico.<\/p>\n

“O \u00ed\u0161ltimo Tango em Paris”, em que Marlon Brando penetra o \u00e2nus de Maria Schneider, com a ajuda de um pouco de manteiga (ambos j\u00e1 morreram…), estreou no S. Jorge e era er\u00f3tico, enquanto “Garganta Funda”, cuja protagonista tinha o cl\u00edtoris nas am\u00edgdalas, se ficou pelo \u00ed\u201cdeon ou o Politeama, j\u00e1 n\u00e3o me lembro bem, e era pornogr\u00e1fico.<\/p>\n

“O Coiso”, em papel, preocupou-se com esta discuss\u00e3o e, no seu n\u00ba 12, de 16 de Maio de 1975, publicava um texto de Wilson Gazosa (pseud\u00f3nimo de M\u00e1rio-Henrique Leiria), em que se dissecava a diferen\u00e7a entre erotismo e pornografia.<\/p>\n

Aqui est\u00e1 ele:<\/p>\n

\u00c2\u00abO Coiso\u00c2\u00bb tem andado bastante preocupado, dado que se sente inculto, ignorante, indigno de ser intelectual do novo tipo. \u00c2\u00abO Coiso\u00c2\u00bb n\u00e3o sabe qual a diferen\u00e7a entre erotismo e pornografia, vejam voc\u00eas!<\/p>\n

Ent\u00e3o veio a minha casa, rebolando o mais depressa poss\u00edvel, e fez-me a pergunta. O diabo \u00e9 que eu tamb\u00e9m n\u00e3o sei, para mim \u00e9 assim: ou gosto ou n\u00e3o gosto.<\/p>\n

Dado isto, \u00c2\u00abO Coiso\u00c2\u00bb ficou ainda mais ralado. Sem saber essa diferen\u00e7a que parece ser fundamental, como \u00e9 que ele podia candidatar-se a cr\u00edtico liter\u00e1rio, de arte, de teatro, de televis\u00e3o, enfim, cr\u00edtico importante no processo revolucion\u00e1rio? Sim, como?<\/p>\n

Achei por bem que nos f\u00ed\u00b4ssemos esclarecer. \u00c9 que eu tenho um amigo, professor universit\u00e1rio \u00e9 evidente, que sabe dessas coisas. \u00c9 democrata tremendo h\u00e1 j\u00e1 uns anos e alguns dias, o que nos d\u00e1 garantias suficientes. Al\u00e9m disso, percebe muito de sem\u00e2ntica e tem uma barba razo\u00e1vel. Mais garantias ainda.<\/p>\n

Fomos, velozes.<\/p>\n

O meu amigo, professor universit\u00e1rio, repito, afirmou-nos, concreto:<\/p>\n

– Ora vejamos. Quando declaro grunf tobotu grink zunk zunk anab\u00f3lico toriku chi cu\u00e9 damoi trabusni, isto \u00e9 erotismo. Dado que a incid\u00eancia zunk zunk se projecta directa e integrantemente em trabusni. Muito bem. Mas se eu afirmar, perempt\u00f3rio, grunf tobotu grink zunk zunk anab\u00f3lico toriku chi cue trabusni damoi, isto \u00e9 pornografia. E porqu\u00ea? Porque, meus caros, a incid\u00eancia passa de trabusni para damoi. Creio que fui suficiente e dialeticamente claro. E agora deixem-me trabalhar.<\/p>\n

Deix\u00e1mo-lo.<\/p>\n

Est\u00e1vamos esclarecidos e certos de que a revolu\u00e7\u00e3o ia caminhar mesmo em frente. L\u00facida, com excelentes colaboradores.<\/p>\n

\u00c2\u00abO Coiso\u00c2\u00bb ainda me falou em Marcuse, Reich, Freud e Josefa de \u00ed\u201cbidos, numa maior necessidade de informa\u00e7\u00e3o. Confesso que nunca encontrei nenhum. E disse-lhe.<\/p>\n

Portanto, fomos para minha casa, cada vez mais preocupados.<\/p>\n

Come\u00e7\u00e1mos a pesquisa, gr\u00e1fica e outra.<\/p>\n

Analis\u00e1mos, numa rela\u00e7\u00e3o profunda, tudo o que encontr\u00e1mos.<\/p>\n

Obtivemos, \u00e9 claro, alguns resultados parciais e n\u00e3o satisfat\u00f3rios, mas que talvez pudessem coincidir com as afirma\u00e7\u00f5es exactas do meu amigo professor universit\u00e1rio (como j\u00e1 disse).<\/p>\n

Assim, observando atentamente esta foto (foto de mu\u00e7ulmano com \u00f3culos escuros)…<\/p>\n

…pensamos que provavelmente ser\u00e1 er\u00f3tica. O \u00f3culo escuro, ocluso, o sorriso excitante, enfim, o doutor Rebelo de Sousa que explique melhor, que n\u00f3s n\u00e3o podemos. Ser\u00e1 realmente er\u00f3tica?<\/p>\n

Com esta outra foto, tivemos a sensa\u00e7\u00e3o de pornografia (foto de Henry Kissinger).<\/p>\n

Vejamos, o \u00f3culo claro, a boca activa, a orelha em posi\u00e7\u00e3o atenta. Mas tamb\u00e9m n\u00e3o estamos certos. O doutor Ferreira que nos ajude, se puder. Ser\u00e1 pornogr\u00e1fica?<\/p>\n

Mas a grande d\u00favida, o enorme espanto e suspei\u00e7\u00e3o, fica-nos com esta foto (foto da rainha Isabel e de membros da Commonwealth).<\/p>\n

O que ser\u00e1? Talvez o doutor Fran\u00e7a, o doutor Coelho, os l\u00f3gicos aut\u00eanticos, nos possam dar qualquer achega.<\/p>\n

No entanto, e com as exaustivas e construtivas observa\u00e7\u00f5es feitas, cheg\u00e1mos a uma conclus\u00e3o provis\u00f3ria que se pode traduzir por zuink trombose catum astroibo unqueque du. Afinal, ser\u00e1 isto pornografia ou erotismo?<\/p>\n

Leitores amigos, agradecemos qualquer contribui\u00e7\u00e3o v\u00e1lida. \u00c9 s\u00f3 mandar, que n\u00f3s aceitamos.”<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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