O Colosso de Maroussi<\/em> (1941), mas s\u00f3 agora, gra\u00e7as a esta edi\u00e7\u00e3o da Tinta da China (tradu\u00e7\u00e3o de Raquel Mouta), consegui l\u00ea-lo.<\/p>\nAlguns cr\u00edticos e o pr\u00f3prio Miller consideram esta como a sua melhor obra liter\u00e1ria. N\u00e3o sei dizer se isso \u00e9 verdade. Trata-se, de facto, de um livro excessivo, ao bom estilo exagerado de Miller, em que o autor exp\u00f5e as suas ideias ut\u00f3picas sobre a Humanidade.<\/p>\n
Em 1941, Miller decidiu fazer uma pausa na sua actividade liter\u00e1ria e, deixando Paris, onde residia, foi passar seis meses \u00ed\u00a0 Gr\u00e9cia. A segunda guerra mundial j\u00e1 tinha come\u00e7ado h\u00e1 dois anos, mas Miller passa-lhe ao lado, t\u00e3o fascinado que est\u00e1 pela Gr\u00e9cia, que ele elogia at\u00e9 ao infinito.<\/p>\n
P\u00e1gina 28: \u00c2\u00abOs homens podem andar por a\u00ed no seu corropio insignificante e in\u00fatil, at\u00e9 mesmo na Gr\u00e9cia, mas a magia divina ainda aqui \u00e9 operante e, por muito que a ra\u00e7a humana fa\u00e7a ou tente fazer, a Gr\u00e9cia continua a ser um local sagrado – e tenho a convic\u00e7\u00e3o de que assim continuar\u00e1 a ser at\u00e9 ao fim dos tempos.\u00c2\u00bb<\/em><\/p>\nClaro que Miller n\u00e3o podia adivinhar que a Gr\u00e9cia dos nossos dias iria estar de joelhos, humilhada pelos Mercados e que o facto de ter sido o ber\u00e7o da civiliza\u00e7\u00e3o ocidental tem tanto valor como cascas de amendoins.<\/p>\n
Fascinado pelos locais hist\u00f3ricos gregos, Miller encontra neles a solu\u00e7\u00e3o para todos os males.<\/p>\n
P\u00e1gina 100: \u00c2\u00abN\u00e3o precisamos de melhores instrumentos cir\u00fargicos, precisamos de uma vida melhor. Se todos os cirurgi\u00f5es, todos os psicanalistas, todos os m\u00e9dicos em geral pudessem ser afastados da sua actividade e reunidos por um breve per\u00edodo no grande anfiteatro de Epidauro, se pudessem discutir em paz e sossego as necessidades urgentes e fundamentais da humanidade em geral, a resposta seria r\u00e1pida e un\u00e2nime: REVOLU\u00ed\u2021\u00ed\u0192O\u00c2\u00bb.<\/em><\/p>\nAo longo do livro, Miller vai visitando o Peloponeso, Ol\u00edmpia, Delfos, algumas ilhas gregas, faz amizade com escritores e artistas gregos, mas o que lhe interessa mais \u00e9 o comum dos mortais. Glorifica a pobreza. Endeusa a simplicidade e diaboliza a Am\u00e9rica, como s\u00edmbolo do capitalismo furioso.<\/p>\n
E \u00e9 excessivo nas palavras. Por exemplo, isto, a prop\u00f3sito de Saturno:<\/p>\n
P\u00e1gina 127: \u00c2\u00abSaturno \u00e9 um s\u00edmbolo vivo da tristeza, morbidez, desgra\u00e7a e fatalidade. A sua tonalidade de um branco leitoso desperta associa\u00e7\u00f5es inevit\u00e1veis com tripas, mat\u00e9ria cinzenta, \u00f3rg\u00e3os vulner\u00e1veis e ocultos, doen\u00e7as repugnantes, tubos de ensaio, esp\u00e9cimes de laborat\u00f3rio, catarro, reuma, ectoplasma, tonalidades melanc\u00f3licas, fen\u00f3menos m\u00f3rbidos, guerras de \u00edncubus e s\u00facubus, esterilidade, anemia, indecis\u00e3o, derrotismo, obstipa\u00e7\u00e3o, antitoxinas, romances fracos, h\u00e9rnias, meningite, letra-morta, burocracia, condi\u00e7\u00f5es de vida da classe trabalhadora, f\u00e1bricas clandestinas, a YMCA, encontros do Esfor\u00e7o Crist\u00e3o, sess\u00f5es esp\u00edritas, poetas como T. S. Elliot, fan\u00e1ticos como John Alexander Dowie, curandeiras como Mary Baker Eddy, estadistas com Chamberlain, fatalidades triviais como escorregar numa casca de banana e partir a cabe\u00e7a, sonhar com dias melhores e ficar entalado entre dois cami\u00f5es, afogar-se na pr\u00f3pria banheira, matar acidentalmente o nosso melhor amigo, morrer de solu\u00e7os e n\u00e3o no campo de batalha, e assim por diante, ad infinitum\u00c2\u00bb.<\/em><\/p>\nMiller estava, nesta altura, muito zangado com a Am\u00e9rica e verdadeiramente apaixonado pela Gr\u00e9cia.<\/p>\n
P\u00e1gina 245: \u00c2\u00abHoje, como ontem, a Gr\u00e9cia \u00e9 extremamente importante para quem pretende encontrar-se a si mesmo. A minha experi\u00eancia n\u00e3o \u00e9 \u00fanica. E talvez devesse acrescentar que n\u00e3o h\u00e1 povo no mundo que precise mais daquilo que a Gr\u00e9cia tem para oferecer do que os americanos. a Gr\u00e9cia n\u00e3o \u00e9 apenas a ant\u00edtese da Am\u00e9rica, \u00e9 mais do que isso, \u00e9 a solu\u00e7\u00e3o para os males que nos atormentam. Economicamente, pode parecer insignificante, mas espiritualmente a Gr\u00e9cia ainda \u00e9 a m\u00e3e de todas as na\u00e7\u00f5es, a fonte da sabedoria e da inspira\u00e7\u00e3o\u00c2\u00bb.<\/em><\/p>\nN\u00e3o deixa de ser ir\u00f3nico ler estas palavras num momento em que a Gr\u00e9cia est\u00e1 t\u00e3o em baixo, dependente da ajuda internacional e, internamente, a bra\u00e7os com uma crise de identidade.<\/p>\n
O Colosso de Maroussi<\/em> \u00e9 um livro curioso, sobretudo, pelos excessos e pela paix\u00e3o de Miller e acaba por ser um livro de viagens, datado, \u00e9 certo, mas vivido.<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"Henry Miller (1891-1980) n\u00e3o \u00e9 um autor consensual. Eu gosto muito de Henry Miller. Comecei por ler, em 1972, Pesadelo Climatizado (The Air Conditioned Nightmare, 1945) e, no ano seguinte, O Olho Cosmol\u00f3gico (The Cosmoligical Eye, 1939), ambos em edi\u00e7\u00e3o Estampa, numa colec\u00e7\u00e3o em que foram divulgados grandes autores, praticamente desconhecidos em Portugal. Em 1977 […]<\/p>\n","protected":false},"author":1,"featured_media":0,"comment_status":"open","ping_status":"open","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"jetpack_post_was_ever_published":false,"_jetpack_newsletter_access":"","_jetpack_dont_email_post_to_subs":false,"_jetpack_newsletter_tier_id":0,"_jetpack_memberships_contains_paywalled_content":false,"_jetpack_memberships_contains_paid_content":false,"footnotes":""},"categories":[13],"tags":[845,61,482],"class_list":["post-4758","post","type-post","status-publish","format-standard","hentry","category-o-imperio-dos-estudos","tag-henry-miller","tag-livros","tag-viagens"],"jetpack_featured_media_url":"","jetpack_shortlink":"https:\/\/wp.me\/p2Cpjx-1eK","jetpack_sharing_enabled":true,"_links":{"self":[{"href":"https:\/\/www.coiso.net\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/4758","targetHints":{"allow":["GET"]}}],"collection":[{"href":"https:\/\/www.coiso.net\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/www.coiso.net\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.coiso.net\/wp-json\/wp\/v2\/users\/1"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.coiso.net\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=4758"}],"version-history":[{"count":0,"href":"https:\/\/www.coiso.net\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/4758\/revisions"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/www.coiso.net\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=4758"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/www.coiso.net\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=4758"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/www.coiso.net\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=4758"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}