Finalmente aposentado, tenho tempo e disponibilidade para voltar a ir ao cinema com regularidade. Nos \u00faltimos, digamos, dez anos, fiquei t\u00e3o absorvido com a minha profiss\u00e3o que s\u00f3 episodicamente fui ao cinema, ao contr\u00e1rio do que acontecia quando tinha 20 ou 30 anos, em que era rara a semana em que n\u00e3o ia ao cinema.<\/p>\n
Na semana passada fui ver o novo filme de Gus Van Sant, de que gostei, e vi a apresenta\u00e7\u00e3o do novo filme de Paul Schrader.<\/p>\n
O nome de Paul Schrader \u00e9 bem conhecido.<\/p>\n
Foi ele que escreveu os argumentos do estupendo Taxi Driver<\/em>, de Scorcese, de Obsession<\/em>, de Brian de Palma (ambos de 1976) e American Gigolo<\/em> (1980), que tamb\u00e9m dirigiu; escreveu ainda o argumento de Raging Bull<\/em>, que Scorcese tamb\u00e9m dirigiu, em 1980.<\/p>\n
Vi todos.<\/p>\n
E tamb\u00e9m vi Cat People<\/em>, com a Natacha Kinski (1982), que realizou, e The Mosquito Coast (1986), com o Harrison Ford, cujo argumento escreveu.<\/p>\n
Estes cart\u00f5es de visita seriam suficientes para me convencer a ir ver o seu novo filme, First Reformed<\/em> (t\u00edtulo em portugu\u00eas, No Cora\u00e7\u00e3o da Escurid\u00e3o<\/em>, sei-l\u00e1-porqu\u00ea!).<\/p>\n
No entanto, como o senhor est\u00e1 com 71 anos e, no trailer, vi o protagonista, Ethan Hawke, vestido de padre e com um colete de explosivos, pensei que talvez fosse melhor ler uma cr\u00edtica antes de ir ver o filme.<\/p>\n
Hoje, deparei com a cr\u00edtica de um senhor chamado Vasco C\u00e2mara, no suplemento Ipsilon, do P\u00fablico.<\/p>\n
Come\u00e7a por dizer isto:<\/p>\n
“Fazendo resist\u00eancia passiva-agressiva ao template<\/em> cinematogr\u00e1fico dos dias de hoje, No Cora\u00e7\u00e3o da Escurid\u00e3o<\/em>, violenta os dados da cronologia e, sendo um filme realizado em 2017 por Paul Schrader, coloca-se ao lado de Blue Collar<\/em> (1978), de Hardcore-A Rapariga da Zona Quente<\/em> (1979) e de American Gigolo<\/em> (1980), tr\u00eas t\u00edtulos iniciais da filmografia do realizador.”<\/p>\n
Ora, portanto, valer\u00e1 a pena ir ver o filme, pergunto eu?<\/p>\n
Por enquanto, n\u00e3o sabemos.<\/p>\n
Mais \u00ed\u00a0 frente, o Sr. C\u00e2mara diz:<\/p>\n
“\u00c9 que o presente para Schrader, nesses anos, era o corpo. Apresentara-se-lhe quando aterrou em Los Angeles. Sobre as experi\u00eancias do sensualista dar-nos-ia conta American Gigolo<\/em>, o filme do Call Me<\/em> de Blondie\/Giorgio Moroder e do “visual” (via Ferdinando Scarfiotti, que estava ali por causa da art direction<\/em> no Conformista<\/em> de Bertolucci). Por estar indexado ao chic de um tempo, American Gigolo<\/em> talvez n\u00e3o se tenha deixado ver convenientemente. Por exemplo, a forma como ao mesmo tempo se embriagava (Schrader transformava o corpo no gin\u00e1sio; exercitava-se no contacto f\u00edsico, que estivera ausente da fam\u00edlia, nos clubes gay, o que n\u00e3o representava “perigo”, segundo ele, era coreografias), oferecia resist\u00eancia, arredando os corpos de Richard Gere e de Lauren Hutton do espect\u00e1culo para, com a conten\u00e7\u00e3o, permitir uma deflagra\u00e7\u00e3o final. Era uma subtil frustra\u00e7\u00e3o ou mesmo violenta\u00e7\u00e3o da natureza emp\u00e1tica do cinema.”<\/p>\n
Senti uma bofetada na cara.<\/p>\n
Est\u00e1 claro que, apesar de ter um curso superior e de me considerar um tipo interessado por cinema, literatura, pintura e todas as artes em geral, n\u00e3o percebo porra nenhuma desta merda, ao contr\u00e1rio do Sr. C\u00e2mara.<\/p>\n
Daquele par\u00e1grafo imperial, retiro a men\u00e7\u00e3o \u00ed\u00a0 Blondie e ao Giorgio Moroder, que conhe\u00e7o da m\u00fasica pop dos anos 80, mas reconhe\u00e7o a minha ignor\u00e2ncia quanto ao senhor Ferdinando Scarfiotti.<\/p>\n
No que respeita aos gin\u00e1sios gay, reconhe\u00e7o que n\u00e3o percebi nada: Schrader \u00e9 gay? Richard Gere \u00e9 que \u00e9 gay? Ou ser\u00e1 Lauren Hutton, ou a Blondie?<\/p>\n
E onde raio est\u00e1 a “subtil frustra\u00e7\u00e3o ou mesmo violenta\u00e7\u00e3o da natureza emp\u00e1tica do cinema”?!<\/p>\n
S\u00e3o demasiadas palavras em \u00e3o: conten\u00e7\u00e3o, deflagra\u00e7\u00e3o, frustra\u00e7\u00e3o, violenta\u00e7\u00e3o!<\/p>\n
N\u00e3o li mais nada por que n\u00e3o!<\/p>\n
Por favor, ajudem-me: hei de ir ver o filme, ou n\u00e3o?…<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"
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