Nunca estive muito de acordo com o facto de a minha classe profissional fazer greve. Sempre achei que os m\u00e9dicos, ao fazerem greve, s\u00f3 estavam a prejudicar os doentes.<\/p>\n

Sempre vi as greves como uma manifesta\u00e7\u00e3o da luta de classes.<\/p>\n

Os oper\u00e1rios de um f\u00e1brica, ao fazerem greve, est\u00e3o a lutar contra os patr\u00f5es. Oper\u00e1rios versus burguesia. Tipos que v\u00e3o de transportes para o trabalho contra tipos que se deslocam de Mercedes.<\/p>\n

Pelo contr\u00e1rio, no caso das greves dos m\u00e9dicos, \u00e9 ver os tipos que v\u00e3o de transportes para a consulta do Centro de Sa\u00fade, terem que voltar para tr\u00e1s porque os tipos que se deslocam em viatura pr\u00f3pria, est\u00e3o de greve.<\/p>\n

Al\u00e9m disso, \u00e9 muito dif\u00edcil considerar os m\u00e9dicos como proletariado e os doentes como burguesia.<\/p>\n

Dir\u00e3o que os m\u00e9dicos n\u00e3o est\u00e3o a fazer greve contra os doentes, mas para obterem qualquer coisa do Governo – no entanto, temos que concordar que quem \u00e9 imediatamente prejudicado s\u00e3o os doentes.<\/p>\n

Mais confus\u00e3o me faz a greve dos magistrados. Como \u00fanico \u00f3rg\u00e3o de soberania, n\u00e3o entendo como \u00e9 poss\u00edvel fazerem greve. Acaso o Presidente da Rep\u00fablica tamb\u00e9m pode fazer greve?<\/p>\n

Claro que isto \u00e9 uma caricatura, mas \u00e9 assim que eu vejo as greves.<\/p>\n

Compreendo-as e apoio-as quando os prejudicados s\u00e3o os patr\u00f5es.<\/p>\n

No entanto, quando os prejudicados s\u00e3o os doentes, os alunos, os utentes dos transportes p\u00fablicos, penso que poderiam ser escolhidas outras formas de luta, digamos, mais imaginativas.<\/p>\n

Vem isto a prop\u00f3sito das catadupas de greves que estamos e vamos enfrentar, neste ano de elei\u00e7\u00f5es.<\/p>\n

N\u00e3o h\u00e1 grupo profissional que n\u00e3o tenha entrado ou v\u00e1 entrar em greve.<\/p>\n

Dizem que h\u00e1 mais greves este ano do que nos anos da troika, o que \u00e9 espantoso – at\u00e9 parece que os sindicatos tiveram medo da troika, ou estavam de acordo com a pol\u00edtica de austeridade imposta naqueles quatro anos.<\/p>\n

Das greves recentes, dois grupos profissionais se destacam: os professores e os enfermeiros.<\/p>\n

Nestes conflitos, as posi\u00e7\u00f5es, quer dos sindicatos, quer do Governo, extremaram-se de tal modo, que n\u00e3o ser\u00e1 poss\u00edvel qualquer tipo de acordo, a n\u00e3o ser por decreto.<\/p>\n

N\u00e3o vi os professores exigirem o descongelamento das carreiras e a contagem do tempo congelado com tanto vigor, no tempo do Passos Coelho e n\u00e3o vi os enfermeiros fazerem greve quando o mesmo Passos sugeriu que os licenciados procurassem emprego l\u00e1 fora, e desse modo, temos, neste momento, mais de 15 mil enfermeiros emigrados (n\u00fameros da Ordem dos Enfermeiros).<\/p>\n

Talvez fosse o momento dos sindicatos inventarem outras formas de luta que, simultaneamente, n\u00e3o prejudicassem os utentes, mas tivessem a mesma dimens\u00e3o medi\u00e1tica, que \u00e9, no fundo, o que se pretende com estas greves burguesas.<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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