Era domingo de P\u00e1scoa e Santiago conhecia a rotina:\nde manh\u00e3, iam \u00ed\u00a0 missa pascal, depois almo\u00e7ava-se o cabrito e, \u00ed\u00a0 tarde, havia\nca\u00e7a aos ovos, no jardim da moradia onde vivia com os pais e os empregados (j\u00e1\nsabia que n\u00e3o os devia chamar de criados\u2026).<\/p>\n\n\n\n

A mam\u00e3 de Santiago era muito cat\u00f3lica e, paras\nela, a P\u00e1scoa era sagrada.<\/p>\n\n\n\n

Este domingo, no entanto, ia ser um pouco\ndiferente porque o pap\u00e1 n\u00e3o estaria presente, mais uma viagem de neg\u00f3cios, a\njuntar a muitas outras que tinham acontecido nos \u00faltimos tempos. Talvez fosse\npor isso que a mam\u00e3 andava triste, parecendo n\u00e3o ligar muito ao que se passava\n\u00ed\u00a0 sua volta; o que valia era a Palmira, a criada, perd\u00e3o, a empregada de muitas\nd\u00e9cadas, que mantinha as coisas a funcionar. Se n\u00e3o fosse ela, n\u00e3o haveria\ncabrito nesta P\u00e1scoa, certamente\u2026<\/p>\n\n\n\n

Durante a missa, Santiago manteve a mam\u00e3 sob\nescrut\u00ednio, mas n\u00e3o detectou, no seu rosto, nenhuma emo\u00e7\u00e3o, a n\u00e3o ser na altura\nda comunh\u00e3o “\u201c ent\u00e3o, pareceu-lhe ver uma l\u00e1grima e, nessa altura, apertou mais\na m\u00e3o da mam\u00e3. Santiago tinha apenas oito anos e n\u00e3o percebia muito bem essas coisas,\nmas era \u00f3bvio que as viagens de neg\u00f3cios do pap\u00e1 estavam a perturbar a mam\u00e3.<\/p>\n\n\n\n

Terminada a missa pascal, e depois de beijarem a\nm\u00e3o do senhor padre “\u201c coisa que Santiago abominava porque a m\u00e3o do padre sabia\na lixivia, rumaram a casa, onde almo\u00e7aram o cabrito em sil\u00eancio. Santiago comeu\npouco porque n\u00e3o gostava daquela carne e a m\u00e3e apenas tasquinhou, com ar\nausente.<\/p>\n\n\n\n

Mas chegou o momento da ca\u00e7a aos ovos e Santiago\nestava feliz, com os amiguinhos que tinha convidado, todos do Col\u00e9gio do\nSagrado Cora\u00e7\u00e3o. Eram dez meninos, ao todo, e os respectivos pap\u00e1s e mam\u00e3s;\nentre eles, estava o Gon\u00e7alo, o \u00fanico menino que era filho de pap\u00e1s divorciados.<\/p>\n\n\n\n

A mam\u00e3 de Santiago n\u00e3o tinha gostado muito deste\nconvite; como boa cat\u00f3lica, n\u00e3o aprovava o div\u00f3rcio, mas Santiago tinha\nconvencido a mam\u00e3: o Gon\u00e7alo era um dos seus melhores amigos e n\u00e3o tinha culpa\nque os pais se tivessem divorciado.<\/p>\n\n\n\n

Gon\u00e7alo chegou, acompanhado pelo pai, um quarent\u00e3o\nbem parecido, com aspecto de n\u00e3o estar nada preocupado com o recente div\u00f3rcio.<\/p>\n\n\n\n

E come\u00e7ou a ca\u00e7a aos ovos, que a fiel Palmira\nescondera entre as sebes e os canteiros de flores do vasto jardim.<\/p>\n\n\n\n

Os meninos dispersaram, em busca dos ovos e\nSantiago e Gon\u00e7alo, de saco a tiracolo, j\u00e1 tinham encontrado tr\u00eas ovos. Os\nmi\u00fados formavam uma boa equipa e queriam ser os campe\u00f5es.<\/p>\n\n\n\n

Foi quando se aproximaram da garagem que ouviram\nuns gemidos que pareciam um miar de gato. Estranho, disse Santiago, a mam\u00e3\ndetesta gatos!…<\/p>\n\n\n\n

Pela porta entreaberta da garagem, os mi\u00fados\ndepararam com a m\u00e3e de Santiago deitada sobre o cap\u00ed\u00b4 do Porsche do pap\u00e1 e, em\ncima dela, o pap\u00e1 do Gon\u00e7alo, investindo.<\/p>\n\n\n\n

Era a mam\u00e3 que gemia e, depois, sorria com\ngargalhadas pequeninas. Houve um momento de pausa, e o pap\u00e1 do Gon\u00e7alo voltou a\ninvestir e, passados alguns segundos, a mam\u00e3 do Santiago gargalhou novamente.<\/p>\n\n\n\n

Feliz, Santiago pensou que, quando o pap\u00e1 chegasse\nda viagem de neg\u00f3cios haveria de lhe dizer que o pap\u00e1 do Gon\u00e7alo tinha\nconseguido finalmente fazer a mam\u00e3 rir-se.<\/p>\n\n\n\n

Duas vezes, Santiago\u2026 duas vezes\u2026<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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