Entre dezembro de 1983 e mar\u00e7o de 1985 escrevi mais de 30 cr\u00f3nicas que foram lidas e interpretadas pelo Raul Solnado, primeiro, no programa Fim de Semana, na RTP-1, depois no Programa da Manh\u00e3, da R\u00e1dio Comercial.<\/em><\/p>\n\n\n\n

O Amor <\/strong>(7.1.1984)<\/p>\n\n\n\n

Gostaria hoje de vos falar do Amor.
Sinceramente n\u00e3o sei o que me deu na cabe\u00e7a para escolher este tema, mas j\u00e1 consultei o m\u00e9dico, que me garantiu que n\u00e3o \u00e9 nada de grave.
Segundo o Grande Dicion\u00e1rio de L\u00edngua Portuguesa, amor \u00e9 “\u2026o conjunto de fen\u00f3menos cerebrais e afectivos que formam o instinto, o sentimento que impele os seres para o que lhes parece belo, grandioso e digno; a afei\u00e7\u00e3o de uma a outra pessoa de sexo diferente, liga\u00e7\u00e3o espiritual, grande amizade, benevol\u00eancia, simpatia, carinho, tend\u00eancia ou instinto que aproxima os animais para a reprodu\u00e7\u00e3o, sensualidade, desejo carnal, ambi\u00e7\u00e3o, cobi\u00e7a, culto, venera\u00e7\u00e3o, entusiasmo, admira\u00e7\u00e3o, vivo sentimento de gosto por alguma coisa, compaix\u00e3o, caridade, coisa ou pessoa bonita, preciosa ou bem apresentada, favor, gra\u00e7a, merc\u00ea, concess\u00e3o “\u201c e ainda, planta da fam\u00edlia das leguminosas papileon\u00e1ceas, tamb\u00e9m chamada Carrapicho ou Marmelada-de-cavalo.
Isto \u00e9 tudo rigorosamente verdade e vem no tal dicion\u00e1rio.
N\u00e3o admira, portanto, que ningu\u00e9m saiba ao certo o que \u00e9 o amor.
Cam\u00f5es dizia que “\u2026amor \u00e9 fogo que arde sem se ver”\u009d.
Florbela Espanta afirmou que “\u2026neste mundo vaidoso, o amor \u00e9 nada”\u009d e, no entanto, queria “\u2026amar, amar perdidamente”\u009d.
Bocage escrevia: “\u2026vivo de Amor, de Amor suspiro e canto”\u009d.
E Alberto Caeiro disse simplesmente que “\u2026amor \u00e9 uma companhia”\u009d.
De qualquer modo, a gente imagina que o amor \u00e9 uma coisa bonita e que d\u00e1 muito jeito em certas \u00e9pocas, como o Natal, a P\u00e1scoa, o Dia Mundial da Paz e a Primavera.
Mas, na linguagem corrente, o amor \u00e9 uma coisa terr\u00edvel.
Diz-se que o amor \u00e9 louco e que o amor \u00e9 cego.
Uma desgra\u00e7a nunca vem s\u00f3\u2026
Na d\u00e9cada de 60, tornou-se famosa a frase “\u2026fazer o amor e n\u00e3o a guerra”\u009d.
Vinte anos depois \u00e9 poss\u00edvel verificar os resultados deste conselho t\u00e3o bem intencionado.
Ali\u00e1s, muitos anos antes, mesmo muitos anos, j\u00e1 algu\u00e9m respeit\u00e1vel tinha dito “\u2026amai-vos uns aos outros”\u009d e foi o que se viu\u2026
Ora, nunca se diz apenas “\u2026amo-te”\u009d. \u00c9 preciso acrescentar sempre alguma coisa. E ent\u00e3o diz-se, por exemplo: “\u2026amo-te muito!”\u009d\u2026 ou “\u2026amo-te \u00ed\u00a0 brava!”\u009d\u2026 “\u2026amo-te com\u00f3 cara\u00e7as!”\u009d\u2026 “\u2026amo-te tanto que era capaz de me esgatanhar todo!”\u009d\u2026
Parece, portanto, que o amor ou \u00e9 muito, ou n\u00e3o vale a pena.
\u00c9 um dos poucos casos em que a qualidade n\u00e3o interessa “\u201c o que importa \u00e9 a quantidade.
Antigamente, era f\u00e1cil descobrir quando \u00e9 que algu\u00e9m amava. Dizia-se “\u2026n\u00e3o anda a comer nada\u2026 est\u00e1 apaixonado!…”\u009d
Concluiu-se que o amor emagrecia\u2026
No entanto, tamb\u00e9m se dizia: “\u2026a mo\u00e7a anda com boas cores\u2026 h\u00e1 moiro na costa\u2026”\u009d
Conclui-se que o amor fazia bem \u00ed\u00a0 sa\u00fade, para al\u00e9m de ser maometano.
S\u00f3 contradi\u00e7\u00f5es\u2026
E quando se est\u00e1 pelo beicinho, entrega-se o cora\u00e7\u00e3o \u00ed\u00a0 pessoa amada e ficamos numa situa\u00e7\u00e3o desesperada. Ficar sem cora\u00e7\u00e3o e preso pelo bei\u00e7o deve ser, de facto, muito inc\u00f3modo.
Acrescente-se que a malta nova n\u00e3o ama “\u201c grama.
E quando a coisa \u00e9 mesmo a s\u00e9rio, n\u00e3o grama “\u201c quilograma!
Em conclus\u00e3o: teoricamente, o amor parece complicado, mas, quando se passa \u00ed\u00a0 pr\u00e1tica, at\u00e9 \u00e9 bastante simples, acess\u00edvel e barato!
Boa noite e fa\u00e7am o favor de amar e ser felizes.<\/p>\n\n\n\n

Nota: em 1983, ningu\u00e9m se escandalizava com esta no\u00e7\u00e3o do Dicion\u00e1rio – “a afei\u00e7\u00e3o de uma a outra pessoa de sexo diferente” – mudam-se os tempos…<\/em><\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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