A 7 de Março de 1975 saía o primeiro
número de "O Coiso", o "semanário de maior penetração
no país".
A ideia partiu de um grupo de pessoas que se entendiam já há
algum tempo: o Álvaro Belo Marques, o Ruy Lemus, o Mário-Henrique
Leiria, o Carlos Barradas, o José António Pinheiro e eu próprio.
"O Coiso" nasceu dependente do diário "República",
custava 5 escudos cada exemplar e, na sua "Declaração de Princípios",
dizia "que as pessoas, já de si chatas, estão agora muito chatas,
e levam-se cada vez mais a sério".
Estávamos em pleno "prec", toda a gente era revolucionária
e o riso poderia ser considerado uma cedência à reacção.
Embora, finalmente, tivesse terminado a censura, graças ao "glorioso
25", havia coisas de que se não falava, por pudor revolucionário.
Vai daí, logo no primeiro número, "O Coiso" inseria
uma entrevista com Hitler. A capa do nº 2 exibia uma foto de Pinochet afirmando
que não usava monóculo. A capa do nº 3, que coincidiu com a
fuga de Spínola para o Brasil na sequência do 11 de Março,
mostrava uma fotomontagem do rosto do general no corpo musculado de banhista,
com o título "Copacabana tem novo cabo do mar". Foi talvez a
primeira vez que alguém utilizou fotomontagens na imprensa portuguesa,
e estas bem artesanais, com tesoura e cola. A capa do nº 4 mostrava uma fotomontagem
de Salazar dançando com uma dama, sob o título "A Vida amorosa
do dr. Salazar". O nº 5 perguntava na capa: "Kissinger comunista?"
e mostrava uma fotomontagem do dito com uma foice e um martelo nas mãos.
O nº 6 garantia que "O Coiso" tinha entrevistado um ex-funcionário
da CIA. No nº 7, mais precisamente na última página, o leitor
era convidado a ir à merda. O nº 8 foi dedicado às eleições
legislativas e o nº 9 ensinava a jogar aos monopólios. A capa do nº
10 mostrava uma fotomontagem de Marcello Caetano com asas de anjo, cantando "sou
fascista e só por isso, entreguei-me todo a Cristo..." Finalmente,
o nº 11 garantia, na capa, que "O Coiso é o único jornal
que mente deliberadamente". Puras provocações...
Assim, a 16 de Maio, saía o último número da primeira
série de "O Coiso". Vocês não fazem ideia do que
a gente se fartou de rir a fazer "O Coiso"... Depois, aconteceu a crise
no jornal "República", que acabou por fechar as portas.
Mais tarde, em Novembro de 1976, ainda saíram mais
dois números de "O Coiso", mas a chama
já se tinha apagado...
Passaram-se 24 anos. O Mário-Henrique já não está
entre nós e, dos outros, fui perdendo o rasto. Mas o espírito do
Coiso ainda por cá anda. Por isso decidi meter o Coiso na net. Por que
não?...
Depois de "O Coiso", colaborei em muitos outros projectos: "Pão
Comanteiga", programa de rádio, revista semanal e suplemento de "A
Capital", "Uma Vez por Semana", o primeiro programa sexual na rádio
portuguesa, "Contra-Ataque", "Os Intocáveis" e "Programa
da Manhã", todos na rádio, os jornais "Pau de Canela"
e "O Bisnau", "A Quinta do Dois", "Lá em casa
tudo bem", "1,2,3" e "Zona Mais", na televisão,
e ainda a peça de teatro "Quem tramou o comendador?". Além
de tudo isto, ainda tive tempo para ser médico de família.
Enfim, entre "O Coiso" e "O coiso na net"
existe apenas um link, que sou eu próprio.
Em "O coiso na net", poderá encontrar
"histórias pouco clínicas", que
tenho escrito ao longo destes quase 15 anos como médico
de família e que se encontram publicadas em dois
livros de circulação restrita: "Cinquenta
histórias pouco clínicas mas muito cínicas"
e "É preciso muita saúde para ser tão
doente"; histórias exemplares, contos curtos
e outros textos que escrevi desde 1973, e que foram sendo
publicados em diversas sítios; "aforismos do
coiso", frases curtas, sobretudo do "Pão
Comanteiga"; e "o coiso dia a dia", comentários
ao que se vai passando por aí.
Divirtam-se, que eu também...
O Coiso na net foi inicialmente concebido, em Novembro
de 1999 por Dalila Caria, que pode ser visitada em www.dee-dee.net
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