O AMOR COMO CURA DA COLITE
A Carminda era uma rapariga de 20 anos que vinha à
consulta sempre com ar triste de genuíno sofrimento.
Queixava-se de cólicas abdominais desesperantes,
que a impediam de fazer a sua vida habitual.
Sempre que lhe dizia “vamos lá palpar essa
barriga”, a Carminda fazia uma careta e deitava-se
na marquesa como se acabasse de entrar na câmara de
torturas. E bastava colocar a mão sobre o abdómen
para ela começar uma dança contorcionista.
Doíam-lhe todos os quadrantes, superficial e profundamente,
do epigastro ao hipogastro, do hipocôndrio direito
ao esquerdo.
O clister opaco mostrava o já estafado cólon
espástico, tão típico dos intestinos
portugueses. E eu falei-lhe das possíveis origens
psico-somáticas da coisa e disse-lhe que ela me parecia
uma rapariga triste e que talvez lhe fizesse falta sair
mais, fazer mais amigos, viver mais a vida.
A Carminda concordou e, de um dia para o outro, ficou noiva
de um marinheiro tailandês, com quem mantinha uma
daquelas correspondências que todos nós temos
na adolescência. Do noivado ao casamento foi apenas
o tempo de mais uma viagem do tailandês, de ida e
volta ao cu de Judas. E casaram-se, e partiram para lua
de mel nas Canárias e a Carminda voltou para casa
e o tailandês zarpou para outro porto qualquer. E
as cólicas regressaram à barriga da Carminda.
Um pouco menos triste e quase, quase a descobrir a origem
do seu mal, a Carminda reapareceu-me com mais uma das suas
crises de colite e explicou-me que, durante a lua de mel,
nunca lhe doera a barriga. Por que seria, Carminda?...
Claro que a Carminda já conhecia a resposta, mas
o marido só voltaria da sua viagem dali a a seis
meses. Aguentou um semestre inteiro de cólicas e
melhorou substancialmente assim que o marido regressou.
E sem queixas se manteve durante os dois meses que ele por
cá ficou.
Mas, findos os dois meses, aí vai ele, para nova
viagem. A Carminda, farta das cólicas, pediu o divórcio.
Agora, tem um namorado português e nunca mais falou
em colite.
Fica portanto um conselho: sempre que a vossa colite seja
provocada por falta de amor, nunca arranjem um tailandês,
um sueco ou um porto-riquenho como companheiro. Prefiram
sempre um português, que sempre está mais à
mão...
in "Cinquenta Histórias Pouco Clínicas
mas Muito Cínicas", 1998
ilustração de Pedro Couto e Santos (www.macacos.com)
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