Erros que compensam
O ex-marido ofereceu o skate a um dos filhos.
A ex-mulher, desvairada de ciúmes, ressaibiada pelo
facto do ex-marido comprar o carinho dos filhos com presentes,
atirou com o skate à cabeça do puto e depois
engoliu todos os comprimidos que encontrou à mão:
aspirinas, antidepressivos e muitos eteceteras. Seguiu-se
grande grita no prédio: a criança a sangrar
abundantemente da cabeça, a mãe já
meia grogue, aos encontrões às paredes e aos
móveis e a vizinha, já habituada a cenas semelhantes,
acorreu pronta para ajudar. No entanto, ao deparar com o
quadro, sobretudo ao ver a cara do petiz cheia de sangue,
não aguentou e deu-lhe o chilique. Alguém
chamou a ambulância e, como no poupar é que
está o ganho, foram os três para o hospital
no mesmo transporte.
De pronto, os médicos actuaram e levaram a criança
para lhe suturarem a cabeça. Afinal, o golpe até
nem era muito profundo - ou o skate era fraquito, ou a pontaria
da mãe era muito bera ou a cabeça do puto
era bem dura.
Depois, apressaram-se a fazer uma lavagem ao estômago
a uma das mulheres e a ministrar um calmante à outra.
Só que, no meio da confusão que se depreende,
lavaram o estômago à do desmaio e deram o calmante
à intoxicada.
Remédio santo para ambas: o chilique passou rapidamente
com os litros de água que lhe escorreram pelo esófago
abaixo e a outra, já muito Bêbada com os efeitos
do cocktail medicamentoso ingerido em casa, dormiu placidamente
durante muito, muito tempo...
Às vezes, a terapêutica errada é a resposta
mais adequada...
in "Cinquenta Histórias Pouco Clínicas
mas Muito Cínicas", 1998
ilustração de Pedro Couto e Santos (www.macacos.com)
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