Uma escola de homens
O Zé era um rapazinho muito educadinho,
aparentemente muito certinho e que dizia muitas vezes muito
obrigado senhor doutor. Aos 17 anos começou a ficar
preocupado.
Embora nunca me tivesse verbalizado abertamente, tinha um
medo terrível de ser homossexual.
Foi quando começou a ir à consulta com mais
frequência. O motivo era sempre o mesmo: ataque de
histeria durante as festas da vila. Enquanto o Marco Paulo
ou o Dino Meira entretinham a populaça com as canções
do costume, o Zé entusiasmava-se de tal modo que
caía redondo no chão, espumando pela boca
e contorcendo-se de modo epileptiforme. Lá carregavam
o rapaz para o hospital, entre o "Eu tenho dois amores"
e a "Anita". Afinfavam-lhe o bial da ordem e enviavam-no
ao médico de família, que era eu.
A princípio, ainda suspeitei mesmo de uma epilepsia,
mas os sucessivos exames negativos e aquela mania de só
ter ataques em presença de cantores consagrados,
acabaram por me convencer que aquilo não passava
de histeria.
Além dos ataques, o Zé também era perito
em conflitos laborais. De vez em quando, lá aparecia
a mãe a pedir uma justificação para
as frequentes faltas ao trabalho dadas pelo filho. Saltaricou
de emprego para emprego, até acabar num restaurante
em Campo de Ourique. Aí, deu de caras com outro doente
meu, amigo do seu bagaço, e que não era para
brincadeiras. Desentenderam-se, como é habitual,
e o Zé começou a dizer que o outro andava
a dizer que a mulher do patrão dormia com metade
da rua Ferreira Borges. Não sei se era verdade ou
não, mas acabaram os dois na rua e o Zé safou-se
de uma sova monumental por um triz.
Foi então que o Zé meteu baixa, até
porque a tropa vinha aí. E aumentou o seu receio
de que, no meio de tantos homens, as suas tendências
homossexuais viessem à superfície.
Parece que não...
O Zé, mal terminou a tropa, casou-se com uma fulana
cheia de genica, 12 anos mais velha do que ele e até
já têm um Fábio Ruben.
E nunca mais teve crises histéricas.
E ainda dizem que a tropa não é uma escola
de homens!...
in "Cinquenta Histórias Pouco Clínicas
mas Muito Cínicas", 1998
ilustração de Pedro Couto e Santos (www.macacos.com)
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