< Voltar à homepage do Coiso
O Coiso
Histórias pouco clínicas
mas muito cínicas

ESTRANHOS CONTÁGIOS

Estava deveras atrapalhada e não sabia como começar. Tinha trinta e poucos anos muito apresentáveis, vestimenta de qualidade, anéis nos dedinhos todos e uma mala de cabedal a sério.
Fui obrigado a repetir: “Então, o que a trás por cá?...”
Gaguejando, lá foi dizendo como lhe era penoso abordar o assunto, mas estava tão assustada que decidira ir ao médico, após muita hesitação.
Encorajei-a e ela continuou, com um pouco mais de desenvoltura. Informou-me que, há alguns dias antes, ela e o marido tinham começado a sangrar e estava apavorada com essas doenças contagiosas que andam por aí, que hoje em dia uma pessoa só ouve falar de hepatites B e de sidas e de coisas do género.
E a sangrar de onde?... quis eu saber... da vagina? do pénis? da uretra?...
“Não!...” - exclamou ela, como se eu tivesse dito a maior asneira dos anais da Medicina - “Do ânus, evidentemente!...”
Evidentemente...
E acrescentou o que se esperava: que, sempre que evacuava, sangrava um pouco, e o marido também.
“Provavelmente deve ser hemorroidal...” - disse eu.
“Hemorroidal?!...” - quase guinchou ela, em pânico - “E como é que isso se pega?...”
Podia-lhe ter respondido que se pegava entre o polegar e o indicador e, depois, dava-se-lhe uma facada. Podia ter-lhe chamado a atenção para o facto de estar a misturar doenças que têm uma carga sexual (a hepatite B e a sida), com as púdicas e pobres hemorroidas. A menos que ela pensasse que o sexo anal pudesse transmitir o hemorroidal. E mesmo se assim acontecesse, o marido deveria ter hemorroidas no pénis e não no ânus, a não ser que os dois se entretivessem a esfregar os rabos um no outro...
Em resumo, garanti-lhe que as hemorroidas não se pegam...
“Então, não se pega mesmo?...”- disse, já quase convencida - “Sei lá, pensei que se pudesse pegar quando nos sentamos numa sanita, ou coisa assim...”
Em dois ou três minutos lá lhe ministrei um curso acelerado da fisiopatologia do hemorroidal, observei-a para confirmar o diagnóstico, passei-lhe a receita do costume, dei-lhe os conselhos habituais e, quando ela se encaminhava para a porta do consultório, ainda pensei dizer-lhe: “Para a próxima vez, antes de se sentar numa sanita que não seja de confiança, não se esqueça do preservativo...”
Mas só lhe disse: “As melhoras...”


in "Cinquenta Histórias Pouco Clínicas mas Muito Cínicas", 1998
ilustração de Pedro Couto e Santos (www.macacos.com)

Actualizado em: 18 Maio2003
O MELHOR DO PÃO COMANTEIGA
Textos seleccionados do Pão
CROMOS DO COISO
Cromos antigos para a troca e sites recomendados

O MELHOR DO PAU DE CANELA
Textos selecionados deste jornaleco de 1985

HISTÓRIAS POUCO CLÍNICAS
...mas muito cínicas
O MELHOR DO UMA VEZ POR SEMANA
Textos seleccionados deste programa sexual de 1986

COISAS DO COISO
textos e bonecos seleccionados que sairam no Coiso em papel

CAUSAS DO COISO
Como tudo começou

DICIONÁRIO PORRINHA
COMENTÁRIOS AO COISO
E-MAIL
Vá... enviem-me um e-mail!
Este é o Coiso do Artur Couto e Santos.
Se tiver algum comentário a fazer ao meu Coiso, carregue aqui:

arturcs@netcabo.pt