O genro médico
Sem aqueles medicamentos é que a velhota
não podia passar. Um tranquilizante para dormir mais
descansada, um xaropezito para a farfalheira e daquelas
ampolas que dão mais força.
Mensalmente, lá estava ela, renovando o receituário,
religiosamente. Só que, certo dia, para além
dos pedidos habituais, pediu-me também três
antibióticos usados no tratamento da tuberculose.
Já trazia as caixinhas e tudo, o que queria dizer
que alguma farmácia mais liberal lhos havia vendido.
Agora, só precisava da receita para obter o desconto...
Espantei-me, claro... "Mas quem é que lhe receitou
esses medicamentos?.."
Simples: como estava com tosse, telefonou à filha,
que era casada com um médico, e pediu conselho.
"E tem a certeza de que o seu genro lhe aconselhou
estes três antibióticos?" - continuei
espantado.
E a velhota que sim, espantada com o meu espanto.
"Mas onde trabalha o seu genro?" - quis eu saber,
pensando entrar em contacto com o colega a fim de esclarecer
o seu critério.
"No México, senhor doutor... a minha filha emigrou
há uns anos e casou-se com um médico mexicano..."
- respondeu a velhota, com o ar mais natural deste (terceiro)
mundo...
in "Cinquenta Histórias Pouco Clínicas
mas Muito Cínicas", 1998
ilustração de Pedro Couto e Santos (www.macacos.com)
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